Das coisas que vou contar depois

Opinião

Júlia Amaral

Júlia Amaral

Jornalista

Colunista do Caderno Você

Das coisas que vou contar depois

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Quando avistamos uma pessoa desconhecida na rua, é difícil dizer qualquer coisa sobre sua personalidade. Se prestarmos atenção e dedicarmos tempo a isso, talvez dê para perceber algo que a roupa seja capaz de traduzir. Uma camiseta de banda, um adereço de cabelo, um adesivo partidário na mochila.

Mesmo assim, na maioria das vezes, pouco se pode afirmar. Não dá para saber se a pessoa é boa de conversa, por exemplo. Não dá para saber se tem filhos e como é sua relação com eles. Não dá para saber o que a pessoa já viveu, por onde passou, com quem conviveu.

Na sexta-feira, fui até a Univates para participar de uma reunião do projeto de extensão Marias. Quando cheguei, encontrei uma turma animada, duas cuias de chimarrão rolando e um café posto na mesa. Aos poucos, a conversa leve e descontraída começou a ficar um pouco mais séria.

A reunião era para avaliar como foram os últimos encontros com as mulheres privadas de liberdade do Presídio Estadual Feminino de Lajeado Miguel Alcides Feldens. Não conheço as mulheres e não sei o que fizeram para estarem lá, mas sei que o carinho que recebem do grupo que encontrei sexta é transformador.

No início da semana, o jornalista Anderson Pereira nos enviou uma mensagem sugerindo uma pauta. No texto, ela contou sobre a amizade entre sua mãe e a vizinha, que mesmo divergindo nas opiniões sobre os candidatos à presidência são capazes de manter o carinho e o respeito, coisa rara nessa altura do campeonato.

A vizinha da história de Anderson é uma das professoras que mais marcou minha caminhada escolar. A prof Venilda me acompanhou dos seis aos 14 anos, e quando vi seu rosto no contato encaminhado pelo WhatsApp, fiquei contente com o reencontro. Diferente das mulheres da pauta anterior, a prof Venilda eu conheço há tempos.

Tudo isso para dizer que em cada uma das reportagens que entreguei essa semana eu tinha uma relação diferente com as fontes. Mas, para as duas produções, deixei de lado as minhas percepções sobre os envolvidos e sobre os assuntos tratados.

Já escrevi neste espaço sobre a importância de ouvir com atenção e de como quem escuta também é agente ativo de uma conversa. Agora, destaco mais um aprendizado da profissão: julgar o livro pela capa só te faz perder a oportunidade de aumentar a biblioteca. E, para mim, nada – ou pouca coisa – é melhor do que ter uma boa história para contar.

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