Amor e amizade mais fortes que as divergências políticas

RELAÇÕES INABALÁVEIS

Amor e amizade mais fortes que as divergências políticas

Eleitores com votos contrários podem conviver em harmonia. Isso é o que mostram algumas relações familiares e de amizades do Vale, que superam as diferenças ideológicas para preservar vínculos afetivos

Amor e amizade mais fortes que as divergências políticas
Mesmo com os votos opostos, Terezinha e Venilda se encontram todos os dias para tomar chimarrão juntas. Crédito: Júlia Amaral
Vale do Taquari

Em dia de jogo do Grêmio, Edson Malagutti, 52, e a filha Caroline, 25, vestem a mesma camiseta. Mas, quando o assunto é eleições, cada um tem a sua preferência. Desde 2018, pai e filha têm opiniões diferentes sobre os candidatos e partidos, mas nada interfere no companheirismo preservado entre os dois.

Na última eleição para presidência, Edson lembra que a filha não defendia ou discutia pela sua opinião, ainda que deixasse explícito a discordância do pai. “Já tivemos alguns desentendimentos. Hoje ela tem opinião própria e as discussões ficam mais intensas, às vezes a mãe dela ou ela mesma diz para pararmos, pois dois teimosos não chegarão a lugar algum”, afirma.

Caroline estuda em Porto Alegre e volta para casa dos pais, em Estrela, nos fins de semana. A estudante entende que a diferença das rotinas e o meio em que estão inseridos influencia na forma como elencam suas prioridades e avaliam os candidatos à presidência. De qualquer forma, quando estão juntos, buscam evitar as discussões.

“Acredito que defendemos nossos posicionamentos respeitando o limite do outro. Meu pai me mostrou as opiniões dele e até tentou me convencer, mas nunca impôs nada, algo que acontece em algumas famílias”, pontua Caroline.

Chimarrão, tricot e respeito

Vizinhas há mais de 20 anos, Venilda Machado Coelho, 62, e Terezinha Pereira, 57, mantêm uma amizade regada a chimarrão, tricot e respeito às diferenças. Com votos opostos, as duas entendem que o vínculo que criaram é mais importante que as divergências políticas que surgiram em 2018.

Vinda de São Leopoldo, assim que chegou em Estrela, Terezinha procurou uma escola para seus três filhos. Na época, Venilda ainda atuava como professora e recebeu com carinho os novos estudantes. “Desde ali, pouco a pouco, nos aproximamos. Hoje tomamos chimarrão juntas todos os dias. Às vezes, duas vezes por dia”, brinca Venilda.

A relação por meio da escola ajudou na aproximação e na confiança entre as famílias. Quando a professora se aposentou, no ano passado, foi a vizinha que ajudou a resgatar habilidades esquecidas como o tricot.

Além do artesanato, as duas também gostam de ir até a padaria para comer torta fria. Quando as discussões políticas passam do limite, o salgado ajuda a resgatar a amizade. “Teve um dia que ficamos meio estranhas uma com a outra. No outro dia, a ‘Ve’ me mandou uma mensagem: nem sabe o que eu comprei para nosso chimarrão. Me mandou uma foto, e era torta fria”, conta Terezinha aos risos.

A relação das duas chama atenção das famílias. O jornalista Anderson Pereira, filho de Terezinha, mora há 10 anos em São Paulo, mas não deixa de acompanhar as histórias das amigas. “Acho que nessa convivência elas dão uma grande lição e podem inspirar sobre democracia e, principalmente, o respeito às individualidades”, pontua Anderson.

E as crianças?

Nem todas as relações se mantiveram saudáveis diante dos embates políticos. Nesse contexto, mesmo quem não vai às urnas no domingo sente a tensão. As crianças, ainda que não participem de forma direita do pleito, também são afetadas por ele.

Conforme a professora e doutora em educação, Morgana Domênica Hattge, a situação política do país afeta os pequenos de diversas formas, já que ações para a proteção da infância passam por decisões políticas.

A professora lembra que é comum que as crianças expressem suas preferências por um ou outro candidato, geralmente de acordo com a escolha da sua família. O contexto familiar também influencia no entendimento que a criança tem sobre o tema, seja positivo ou negativo.

Para ela, nos momentos de embate, é importante que os adultos, familiares e professores possam conversar sobre a importância de respeitarem à escolha dos outros. “Esse é o espírito da democracia que precisa ser exercitado desde a infância: o respeito à opinião alheia e a convivência pacífica entre quem pensa diferente”, destaca.

Edson Malagutti, eleitor de Bolsonaro, e a filha Caroline, eleitora de Lula, entendem os limites nas discussões políticas e priorizam a união familiar. Crédito: Karine Pinheiro


ENTREVISTA – Ester Weissheimer Braun • psicóloga pós-graduanda em Terapia Familiar 

Crédito: Arquivo Pessoal

“Quando há trocas e debates de novas ideias, podemos crescer e amadurecer como sujeitos”

Relações consolidadas podem ser abaladas durante o período eleitoral, devido às divergências políticas. Como evitar que isso aconteça?

Ester Weissheimer Braun: Precisamos entender que em todas as relações sociais que nos atravessam há divergências e discordâncias de valores e opiniões, quando se trata de política não é diferente. E para que esses vínculos permaneçam saudáveis é necessário respeito e maturidade das partes envolvidas.

Como manter conversas saudáveis, expondo opiniões diferentes, mas mantendo o respeito e educação?

Precisamos conhecer os nossos limites, ou seja, saber quando algo irá nos deixar fora da nossa normalidade, irritados e nervosos. Sendo assim, quando uma conversa se inicia e nela estão pessoas que não concordam com algum determinado assunto, é necessário autocontrole e saber que, possivelmente, esse diálogo não chegará em algum consenso. Lembrando sempre que, quando há trocas e debates de novas ideias, podemos crescer e amadurecer como sujeitos.

Depois das eleições, quais os melhores caminhos para retomar contatos que foram perdidos durante esse período?

Acredito que agora todos estão bastante exaustos emocionalmente com tanta informação e discordância. É preciso entender a hora certa de voltar ao contato com quem se perdeu nessa trajetória desgastante. Nesse primeiro momento pós-eleições é comum que todas as emoções negativas que este período causou estejam latentes. Analise a situação, perceba se as pessoas envolvidas no conflito estão prontas para retomar o convívio, seja humilde e assim tome a iniciativa de reatar o vínculo perdido.

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