A história de Caetano

Opinião

Hugo Schünemann

Hugo Schünemann

Médico oncologista e diretor técnico do Centro Regional de Oncologia (Cron)

A história de Caetano

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Fui chamado por uma colega mais jovem para juntos vermos um caso, um homem de Porto Alegre. Ao chegar, vejo um jovem, 22 anos, fragilizado, frágil, deitado na maca da sala de emergência. Conversamos com ele e foi feito o exame físico.

A colega, ao examinar o jovem rapaz, de nome Caetano, teve sua mão segurada por ele, quando foi palpar o abdômen. Mas não parecia um movimento de defesa, mais parecia um pedido de ajuda. Ele tinha dor, suador e vômitos. Estava sem apetite e começara havia 3 meses. Biópsia foi feita alguns dias antes.

O quadro de sofrimento era evidente no rosto frágil de Caetano. Após o exame, nos despedimos, e fomos olhar os resultados e discutir, então, o caso.
Quando o colega mostrou o resultado de biópsia, fiquei pasmo. Caetano estava com um câncer de ovário, disseminado e extremamente agressivo. Isso mesmo, ovário.

Caetano, 22 anos, na verdade chamava-se Andréia, e resolveu trocar de sexo. Para isso, começou a usar hormônios masculino – não se sabe quem ou se alguém prescreveu, em que doses e em que circunstâncias. E o problema instalou-se. É muito provável que o uso deste produto tenha desencadeado a doença e que o fato de Caetano procurar ajuda, e não Andréia tenha retardado o diagnóstico. Era quinta-feira, final do dia.

Após a discussão e definição do tratamento por quimioterapia, a colega foi se ocupar da burocracia que estas situações envolvem. Sexta deveria iniciar o tratamento. Voltei a encontrar a colega na terça-feira seguinte e perguntei por Caetano, como estava. Caetano, 22 anos, que era Andréia, morreu sábado à tarde, 2 dias após minha visita.

Eu fiquei perturbado e fiz longa reflexão sobre este fato.Há 3 dias vendo um telejornal, que mostrava uma matéria sobre fertilização assistida, vi depoimento de um casal que queria muito ter filhos e que só pode fazê-lo por meios desta técnica (bebê de proveta). Aí, o médico responsável sendo entrevistado, diz que está avaliando uma paciente de 65 anos, para o procedimento (!).

Lembrei do Caetano/Andréia e pensei: “Será que não está na hora de fazermos uma reflexão sobre o uso desses avanços tecnológicos da medicina? Veja, não é sobre ser contra ou à favor, não é sobre preconceito. É apenas refletir se isso tudo que a medicina moderna oferece – e que resolve tantos problemas, angústias e sofrimentos – não está tomando um rumo de consequências impensadas, inesperáveis e mesmo fatais?

O avanço tecnológico é maravilhoso. Quanta coisa resolvemos graças a ele nas últimas décadas. Mas será que não estamos ultrapassando a linha?

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