As teorias e as doenças

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

As teorias e as doenças

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No início do mês um artigo científico inglês colocou em dúvida uma da teorias que buscam entender o funcionamento de uma das doenças mais mortais da humanidade, a depressão. O trabalho, na verdade, não era uma pesquisa original, mas sim uma metanálise, que é um procedimento estatístico que combina os resultados de vários estudos para obter uma estimativa global do efeito avaliado, possibilitando a análise das fontes de heterogeneidade.

Algo espinhoso e sujeito a erros, especialmente no momento de seleção, exclusão, dos artigos. Os autores justificaram a necessidade de tal revisão dizendo que é um equívoco público que a depressão é causada pela baixa serotonina no cérebro.

Como era de se esperar, os resultados foram publicados na imprensa leiga como uma prova científica de que a medicina moderna está no caminho errado ao usar antidepressivos: “

Casos de depressão geralmente são tratados com antidepressivos que equilibram a serotonina, famoso neurotransmissor conhecido como o hormônio da felicidade.

Contudo, uma nova revisão de estudos refutou a ideia do tratamento e tem questionado se a doença é, de fato, causada por uma queda significativa da molécula.”

Como aconteceu também durante a pandemia, mais uma vez se percebem os riscos de se interpretar trabalhos científicos sem adequada formação. Segundo Luiza Caires, editora do jornal da USP, o jornalismo de ciência ainda é escasso nas mídias brasileiras. Luiza defende a especialização dos jornalistas que cobrem ciência.

“Estamos esvaziados de profissionais especializados e há redações que não valorizam esse tema específico”, disse. “Com as novas demandas em cobertura de ciência e saúde, jornalistas de todas as editorias têm sido deslocados para cobrir a pandemia, o que produz matérias inconsistentes ou mesmo com erros.”

Por isso, a dita revisão publicada não é capaz de responder a aquela que é sua principal pergunta sobre depressão e serotonina, pelo fato de que agrupou a depressão como se fosse um único distúrbio, o que do ponto de vista biológico não faz sentido.

A noção de que a depressão se deve a um “desequilíbrio químico” está ultrapassada e hoje é amplamente aceito que a depressão é um distúrbio heterogêneo com potencialmente múltiplas causas subjacentes.

Afinal, muitos de nós sabemos que tomar dipirona pode ser útil para dores de cabeça, mas isso não significa que as dores de cabeça sejam causadas pela falta de dipirona no cérebro. A mesma lógica se aplica à depressão e aos medicamentos usados para tratar a depressão. Com isso o artigo acaba mostrando que revisões sistemáticas abrangentes deixam espaço significativo para interpretação do grupo que a realiza, pois o que você deixa de fora (os artigos excluídos) pode ser tão importante quanto o que você coloca.

Na prática, não há realmente nenhuma razão para questionar a eficácia dos antidepressivos atuais, mesmo que nossa compreensão das causas biológicas da depressão se afaste das teorias focadas apenas na serotonina. De toda forma sempre é bom lembrar que teorias são reducionismos que ajudam a entender melhor o funcionamento das coisas. E uma teoria ruim será um dia superada por uma teoria melhor.


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