Dança e inclusão sobre rodas

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Dança e inclusão sobre rodas

Com movimentos adaptados, palmas e giros, pessoas com deficiência superam desafios e encontram na dança em cadeira de rodas, uma atividade para passar o tempo entre amigos

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Dança e inclusão sobre rodas
Vale do Taquari

Com um dos braços, José Astor Becker, 59, movimenta a cadeira de rodas de um lado para o outro. É também com a mão direita que ele ensaia os passos de valsa. De maneira adaptada, ele aprendeu a dançar e, hoje, integra o grupo Corpo em Movimento, com cerca de 15 dançarinos sobre rodas.

José nunca foi muito afeito à atividade. Sempre gostou de música, em especial, do sertanejo, mas as coreografias não eram o seu forte. O esporte também não o empolgava. Mas, depois de 2011, as coisas mudaram.

Em julho daquele ano, o aposentado teve um AVC e perdeu parte dos movimentos. Assim que passou pelo choque, conheceu Reni Lawall, coordenadora da Associação de Deficientes Físicos de Lajeado (Adefil), que insistiu para que ele participasse dos encontros e conhecesse a instituição.

“Eu nem sabia da Adefil. Eu vim só para tirar a dúvida, e gostei. A gente faz vários trabalhos aqui, é uma terapia. Eu participo nas terças e sábado, que é quando tem dança”, conta. Apesar de não usar cadeira de rodas no dia a dia, é com elas que José pratica as coreografias. Todo sábado, os participantes são recebidos com café da manhã. Depois, a música toma conta da sala e chega a hora de mexer o corpo. Algumas danças são individuais e outras, em duplas. Durante as aulas, os passos são adaptados e, assim, todos podem dançar.

“A valsa, por exemplo, ao invés de dar os passos, a gente bate com a mão. Tem que ter o ritmo”, conta José. Para isso, os dançarinos devem fazer o movimento do tronco e braços. Depois do AVC, ele perdeu por completo o movimento da mão esquerda. Por isso, quando a coreografia exige palmas, ele bate com uma mão na perna.

Para o lajeadense, as aulas são como terapia, fazem bem para o corpo e para a mente. Há alguns anos, ele também participou de um time de basquete em cadeira de rodas. “Tem que controlar a cadeira e controlar para receber o passe e mandar adiante. Onde me posicionar, localizar, isso tudo tem que pensar ligeiro. Tem que ser rápido. Chegava em casa de noite cansado, na cabeça”, lembra.

Corpo em movimento

O projeto Corpo e Movimento é desenvolvido pela professora Lisiane dos Santos, 43, pelo educador Dirceu Cardoso e pelo auxiliar Marcelo Nogueira e Almeida. “As vezes acontece de eu sentir algo monótono, e então preciso mudar. Foi por isso que fiz um curso voltado para trabalhar com pessoas com dificuldade de locomoção”, conta Lisiane.

A professora começou o curso durante a pandemia, com aulas virtuais. Quando os encontros presenciais voltaram, Lisiane já tinha um projeto montado. Para ela, a dança em cadeira de rodas quebra padrões estéticos e artísticos, além de desenvolver o autoconhecimento e ampliar as habilidades físicas.

Ela já tinha desenvolvido trabalhos com dança do ventre, nativistas e danças afro. Lisiane acredita que o exercício requer também o entendimento das culturas envolvidas. “Não é só a dança, é a base. São questões fisiológicas que precisam estar bem para que no final a gente tenha um bom resultado. Para a gente criar algo, temos um planejamento, são muitas coisas que temos que pensar”, conta.

Os trabalhos desenvolvem a expressão e criação. “Isso pode ser sempre trabalhado porque sempre vai haver melhora. Nos inspiramos em memórias, em vídeos, a própria música motiva esse processo”, explica Lisiane.

Todo primeiro sábado do mês, voluntários podem participar e auxiliar os dançarinos. Para isso, é preciso ter disponibilidade e compromisso. O projeto Corpo e Movimento é desenvolvido com recurso do Programa de Apoio à Atenção da Pessoa com Deficiência (Prona), do Ministério da Saúde.

“A gente se diverte”

Não há um sábado que Tânia Bresiani, 57, falte ao grupo de dança. Na sede da Adefil, as aulas vão até às 11h, mas este é, também, um passatempo entre amigos. Valsa, tango, música gauchesca e, em especial, a discoteca. Esses são os gêneros preferidos da lajeadense, que conheceu a instituição há décadas. Com certa dificuldade na fala e na locomoção, Tânia teve ataxia neurocerebelar aos 27 anos.

A doença hereditária resulta em alterações degenerativas na parte do cérebro relacionada ao controle de movimentos e, em alguns casos, a medula espinhal. Morando com as irmãs, a deficiência não impede que Tânia faça os serviços de casa.  “Faço tudo devagar, porque se faz rápido, te machuca, machuca o outro. Eu sei, as minhas mãos são minhas, os pés são meus, tudo é meu, daí eu me cuido pra não dar trabalho pra outro”, conta.

Mas, nas horas vagas, gosta de ligar o rádio e dançar sozinha na sala de casa. “Eu sou muito de escutar música e cantar, daí eu presto atenção, tem umas letras que eu não gosto muito. Mas eu canto, danço, faço tudo”, destaca. Mesmo sem precisar da cadeira de rodas no cotidiano, na hora de dançar, o aparelho auxilia no equilíbrio e movimentos. Também há desafios, e ela precisou aprender a manobrar a cadeira para poder dançar.

“A gente se diverte”, garante Tânia. Ela ainda diz que gosta de tudo na dança. “É bom, tu te movimentar, tu ativa o cérebro. A dança mexe todo o corpo”, afirma.

Sobre a Adefil

A Adefil é regulamentada desde 1997, com o objetivo de atender pessoas com deficiência em diferentes áreas. Com oficinas, grupos de apoio e psicólogos, a entidade oferece atividades de convívio em um espaço coletivo. Por algum tempo, ela também manteve um projeto de basquete em cadeira de rodas, e pretende voltar com o time assim que possível.

“Nossos projetos são pontuais. Vai acontecer durante um ano, e já encaminhamos um projeto novo para dar continuidade à atividade”, destaca Reni. Agora, o grupo Corpo em Movimento se prepara para uma nova apresentação, no dia 29 de novembro, no Teatro Univates.

Benefícios da dança adaptada

  • Gera estímulos tanto no âmbito da atividade física quanto artística;
  • Trabalha a força, velocidade, agilidade e flexibilidade, assim como aspectos cognitivos, socialização, inclusão e expressão corporal;
  • Melhora o controle no manejo da cadeira de rodas e auxilia na autonomia;
  • Ao aprender uma série de movimentos da dança, a pessoa também aprende a se movimentar de maneira mais livre, e em velocidades diferentes;
  • Os estímulos também se dão na capacidade de expressão do praticante;
  • A pessoa com deficiência tem melhora na autoconfiança e autoestima, o que auxilia no bem-estar

SAIBA MAIS

A dança em cadeira de rodas é um esporte paraolímpico, mas ainda não está inclusa nos Jogos Paraolímpicos. Hoje, mais de 40 países estão registrados no comitê, dentre eles o Brasil, que com a fundação da Confederação Brasileira de Dança em Cadeira de Rodas, passou a organizar campeonatos da modalidade no país.

HISTÓRIA DA DANÇA SOBRE RODAS

ANOS 60:

A dança em rodas iniciou nos anos 60, na Europa, em uma escola de Londres. As aulas consistiam em desenvolver a locomoção com uma marcha – da esquerda para a direita, frente e trás – por um espaço delimitado que, mais tarde, foi associado à música;

ANOS 70:

Acontece a primeira competição de dança em cadeira de rodas, em Londres. A partir daí, a cada ano, competições e festivais de dança foram ocorrendo e incorporando novos adeptos e novos estilos;

1985:

As primeiras competições foram organizadas em caráter não oficial, como campeonatos regionais e locais. O primeiro país a sediar esta modalidade foi a Holanda, em 1985;

1991:

As competições foram sediadas na Alemanha naquele ano. Também no país, ocorreu a segunda Conferência de Dança em Cadeira de Rodas. No encontro, constituiu-se a Wheelchair Dancesport Committee (WDSC) do Comitê Paraolímpico Internacional;

1992:

Ocorreu a primeira competição de dança em cadeira de rodas organizada pelo WDSC e, a partir daí, o evento se repetiu a cada dois anos;

1997:

Neste ano, a dança esportiva em cadeira de rodas foi demonstrada nas Paraolimpíadas de Inverno na Noruega;

2000:

Ocorre o Primeiro Campeonato Mundial da modalidade na Noruega, com o reconhecimento do Comitê Paraolímpico Internacional.

 


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