“Os jovens deixam oportunidades para trás por falta de paciência”

Entrevista

“Os jovens deixam oportunidades para trás por falta de paciência”

O pesquisador Lucildo Ahlert fala sobre os dados coletados no diagnóstico “RUMO”

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Atualizado terça-feira,
03 de Abril de 2022 às 08:51

“Os jovens deixam oportunidades para trás por falta de paciência”
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Equilibrar a expectativa do empresário e dar mais experimentação aos jovens. Essa é uma das conclusões do pesquisador Lucildo Ahlert sobre os dados coletados no diagnóstico “RUMO”. Para ele, a comunicação entre empregador e novo profissional precisa ser clara e objetiva.

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A HORA – Quais foram as principais dificuldades para fazer o estudo?

Lucildo Ahlert – A primeira ainda era a pandemia. Vivíamos ainda algumas restrições. Isso interferiu muito sobre nossos movimentos. As escolas estavam vazias, muitos alunos ainda com aulas remotas. Nas empresas também era um momento de tensão, havia muitas dúvidas entre retomar as atividades presenciais a pleno. Havia um compasso de espera.

Junto com isso, tínhamos um período de fim de ano, se aproximava o Natal e a virada do ano. Apesar dessas barreiras, eu diria que conseguimos um resultado positivo. Trouxemos informações valiosas e que podem contribuir para o entendimento do mercado de trabalho e o que se espera em termos de qualificação da mão de obra.

Sinto-me feliz pela receptividade dos alunos, das escolas e também das empresas que fizeram um esforço muito grande para participar.

– Como foi conseguir entrar nas escolas e nas empresas?

Ahlert – Primeiro tivemos de conseguir autorização nas escolas, em especial da rede pública. Criou-se um problema justo neste período que foi a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Havia muitas dúvidas e o entendimento de “oito” ou “oitenta”. Antes podia tudo e agora não pode nada.

Só que não é bem assim. Fomos buscar apoio jurídico, até para entender como proceder. Mesmo com a lei, a pesquisa tanto a RUMO como qualquer outra tem que acontecer. Nossa estratégia foi deixar bem claro os motivos e o uso dessas informações. Nos comprometemos em usar as informações com fins científicos, sem jamais expor detalhes sobre o estudante ou o empresário. Após idas e vindas nas escolas conseguimos as autorizações.

Já nas empresas lidamos com muita desconfiança. Havia bastante receio por parte dos gestores. Tanto que dos mais de 500 questionários daqueles que se comprometeram em responder, tivemos o retorno de 40%.

Nas entrevistas para o levantamento qualitativo, que serviu de base para o questionário, tivemos a colaboração dos empresários em dedicar meia hora ou até mais para a nossa entrevista. É um tempo valioso para os administradores. Eles precisaram fechar as outras atividades e pensar só naquelas questões. Conseguir essa confiança, gravar a entrevista, isso tudo trouxe dúvidas aos empresários. Mesmo assim, temos de agradecer essa atenção que nos foi dedicada.

Quais as conclusões que o senhor tira a partir dos resultados? O que essa experiência diz sobre o mercado de trabalho regional?

Ahlert – Do ponto de vista do mercado regional, percebi que falta um pouco para as empresas conhecerem a realidade local e pensar objetivamente em formas de se adaptar. Há aqueles que conseguem inovar, mas ainda é um número limitado. O desafio é ver o cenário de dificuldade para determinada mão de obra e encontrar meios de superar as limitações.

Como é o caso do empresário de São Paulo que levou métodos dos jogos eletrônicos para dentro da organização.

Entendo que em meio ao trabalho cotidiano por vezes é complicado pensar soluções e definir novas estratégias no que se refere à formação da equipe de trabalho.

Por parte dos jovens, falta compreender que toda experiência conta. O esforço, tanto na sala de aula quanto no momento em que se chega no mercado de trabalho, são feitos de aprendizado. No futuro isso será um diferencial.

As empresas dizem aos trabalhadores que falta vontade de crescer. O novo trabalhador, ou aquele que está para chegar no mercado, quer pular etapas. Pensa em fazer tudo muito rápido. A construção de uma carreira demanda tempo e paciência. Não vai se chegar em um dia e no outro virar gerente ou administrador. Vejo que os dois lados precisam entender um pouco melhor cada um desses aspectos.

Quando o senhor fala em cada lado se entender um pouco mais. Onde estão essas pontas soltas?

Ahlert – No trabalho, temos uma pessoa que quer entrar na empresa. Precisa daquele ofício para se sustentar. O salário é o fim. Mas para a empresa isso não interessa. O que se espera é alguém de confiança para assumir responsabilidades e garantir o resultado.

Na escola vejo um distanciamento entre o conhecimento teórico e a vida real. É fundamental ter o conceito, mas é preciso aproximar da prática. O estudo tem mais significado quando o aluno ver aquilo funcionando.

Na minha avaliação, o contato do jovem com o mundo do trabalho precisa ser mais cedo. Não pode pensar o que fazer só depois do Ensino Médio. Essa reformulação é necessária. Costumo dizer, precisamos de dois livros. Aquele impresso e o outro que está aberto lá na rua, onde a vida acontece.

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– Uma das informações que mais chama atenção no estudo é que 72,8% dos empresários considera a mão de obra inapropriada para as necessidades das empresas. De outro lado, 60% dos alunos se sentem prontos e aptos para trabalhar. Como avalia essa dicotomia?

Ahlert – É importante fazer uma ressalva. Ainda que os empresários afirmem que a mão de obra está distante do que se espera, a maioria das saídas de trabalhadores ocorreu por pedido de demissão e não por desligamento por parte das empresas.

Seja por parte de mulheres que precisavam ficar com os filhos ou mesmo a busca do profissional por outra empresa. Neste espaço de tempo, com a falta de profissionais, começou a ocorrer uma competição entre as empresas.

Em vez de treinar o novo contratado, houve uma procura maior pelo profissional pronto, com mais experiência, para chegar e já dar resposta para aquela função específica. E aqui não é só aquele profissional com formação, também vendedores, atendentes com experiência passaram a ser mais procurados.

Com relação aos estudantes, eles consideram que ter tido boas notas, terem aprendido as disciplinas, o que daria o conhecimento para o mercado de trabalho. Agora falta a vivência. Essa é uma parte fundamental.

Durante a pesquisa, conhecemos histórias marcantes. Como um dos alunos, o melhor da classe. Ele ingressou em uma empresa. Com grande conhecimento, formação em uma área específica. Chegou, foi colocado no primeiro dia em uma atividade que não era a dele e desistiu. Nem deu tempo de mostrar o seu talento.

Esse testemunho nos ajuda a compreender a necessidade da vivência, da experimentação. Não é do dia para a noite que se faz uma carreira profissional. Os jovens deixam oportunidades para trás por falta de paciência.


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