Tem Prado aqui

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Tem Prado aqui

O antigo prédio da Acvat guarda desde a década de 1960 uma obra assinada por Vasco Prado, ícone da arte gaúcha. A peça exclusiva de Lajeado forma um conjunto pensado para um salão de festas: as três inagens são O convite, A preparação e A dança

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Atualizado segunda-feira,
11 de Abril de 2022 às 15:25

Tem Prado aqui
O tríptico “As meninas” foi feito por Vasco Prado especialmente para o antigo prédio da Acvat.
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Há quem ainda se lembre das festas organizadas no salão da antiga Associação dos Caixeiros Viajantes do Alto Taquari (Acvat) nos anos 1980. Namoros nas escadas, danças no salão com assoalho impecável de parquet e três esculturas nas paredes que, apesar de chamarem atenção, naquela época, ninguém sabia ao certo quem era o autor.

As gravuras formam o tríptico “As meninas”, esculpidas pelo artista gaúcho Vasco Prado especialmente para o prédio que fica na esquina da Avenida Benjamin Constant com a Rua Júlio May. Feitas em cimento da década de 1960, as obras não estão catalogadas e é difícil encontrar informações sobre elas.

Hoje, a sede pertence ao município de Lajeado, que cogita instalar a Câmara de Vereadores no lugar. Com isso, surgem dúvidas sobre o destino da obra de arte que ainda embeleza as paredes da antiga Acvat, em especial, pelos artistas locais.

A história sobre a vinda do escultor ao município é incerta. O que se conta é que Prado viajou ao interior em 1962, data que consta nos painéis, à convite do amigo arquiteto e decorador conhecido como Jó. Na época, o salão passou por uma reforma, e o então presidente da entidade, Eduardo Abichequer, decidiu adquirir três gravuras.

O artista teria chegado a Lajeado, executado a obra em três horas e voltado a Porto Alegre no mesmo dia. O valor das gravuras foi apenas simbólico. Hoje, estima-se que elas custam alguns milhares de reais.
Xyko Barzotto, que frequentou muitos eventos no salão, conta que um amigo próximo, Delemaro Dick, ouviu do próprio artista que os painéis representam “O convite”, “A preparação”, e “A dança”.

O advogado Nelson Fensterseifer possui uma escultura de Vasco Prado em seu escritório e espera que a obra na Acvat seja preservada

Mais perto do que imaginava

Nem mesmo os artistas da cidade sabiam das obras de Prado em Lajeado naquela época. Alessandro Cenci, Desirée Hirtenkauf, Marcos Datsch de Oliveira e Silvio Farias lembram de frequentar os bailes da Acvat e observar as figuras. Mas, a autoria das obras ficou conhecida mais tarde, após a morte do artista, quando começaram a surgir rumores pela cidade.

“Eu já havia estado diversas vezes no salão onde a obra se encontra e reparado nos relevos presentes nas paredes. Porém, fui saber da autoria por notícias e comentários da época”, lembra Cenci.
O lajeadense começou a expor em 1997, um ano antes da morte do escultor, e diz ter tido influências de Prado em sua arte. Para o artista, toda obra tem o poder de valorizar o espaço que ocupa, e em Lajeado não é diferente.

Referência e inspiração

O artista também foi uma grande inspiração para Farias. O lajeadense começou a esculpir depois de já ser conhecido por suas pinturas em tela. As aulas eram com uma professora que foi amiga de Prado. “As obras dele transmitem uma força sem perder a beleza e delicadeza”, destaca Farias.

Ele conta que Prado também gostava de criar peças regionalistas, com cavalos e elementos das tradições, além de retratar mulheres. “Para Lajeado, ter uma obra aqui é muito bom. Porque a cidade cresce muito economicamente, mas a arte acaba ficando de lado”, acredita.

Entre os grandes nomes

Desirée conta que Prado sempre procurou valorizar os animais do Rio Grande do Sul, e uma das exposições mais belas que já viu é a do escultor, ao lado de Xico Stockinger e Iberê Camargo. “O Ponto de Convergência” foi exposto em 2013, na Fundação Iberê Camargo.

“Eles eram colegas no difícil caminho da arte, num país como o nosso, que olharam para condição humana com peculiaridade. Companheiros que somaram à cultura e engrandeceram a arte”, completa.

Autor da obra Imigrante Trabalhador, na entrada de Lajeado, Oliveira, também conhecido como Daty, conta que, apesar de não ter influência de Prado em seu trabalho, sempre admirou o artista. “Eu só faço escultura, desenho pouco. Ele era um artista que fazia caricatura, pintura, escultura. Acho o Vasco Prado fantástico, um dos melhores”, conta.

É preciso preservar

Da época em que tinha uma fazenda e cuidava de cavalos, o advogado Nelson Fensterseifer mantém mais do que as memórias. Foi neste período que arrematou uma obra de Vasco Prado em um leilão em Lajeado. Hoje, o valor econômico da escultura não se compara ao afeto que Fensterseifer tem por ela.

“Minha falecida esposa ajudou a escolher. Ela também era muito afeita às artes”, lembra. Sobre as obras de Prado no prédio da Acvat, tem uma só opinião: é preciso preservá-las.

“Além de ser uma obra de arte, há também a expressão econômica e a expressão do artista que a fez. Isso é uma coisa que meus filhos, netos e bisnetos, e toda pessoa que gosta de arte, tem todo direito de apreciar”, diz.

Um novo destino

De acordo com o prefeito Marcelo Caumo, ainda é necessária a formalização da escritura para a transferência do prédio da antiga Acvat. Além da ideia inicial de construir no local a nova sede da Câmara de Vereadores, o município estuda a possibilidade de manter a estrutura e instalar ali um posto de saúde.

Além disso, está prevista a manutenção do prédio. “Tudo isso ainda são possibilidades. Primeiro vamos formalizar a propriedade e depois fazer projetos e análises”, destaca.

De acordo com o prefeito, ainda não há um destino certo para as obras de Prado no interior do prédio, mas garante a preservação. “É um acervo importante e vai receber a devida atenção assim que a sede for do município”.

Arte na fachada de casa

Não é só a obra de Prado que faz parte da cultura do município. Quem passa pela casa branca na rua Carlos Von Koseritz, no Centro, talvez não perceba nada de incomum. Mas ali existe uma obra de arte: a fachada da residência conta com uma produção feita por Nelson Jungbluth, nos anos 1970.

O artista niciou sua carreira em 1936, e ficou conhecido até mesmo fora do Brasil. Destacou-se como o melhor do mundo em arte publicitária entre as companhias de aviação, como a “Rosa dos Ventos da Varig”. Nelson faleceu em abril de 2008, em Porto Alegre.

Quem foi Vasco Prado?

O historiador José Alfredo Schierholt conta que Vasco Prado Gomes da Silva, natural de Uruguaiana, abriu seu primeiro atelier em 1941, em Porto Alegre. Embora fosse autodidata, obteve uma bolsa de estudos em Paris, na França, para se especializar em artes na década de 40. Schierholt destaca que, em 1950, Prado fundou o Clube de Gravura de Porto Alegre.

“Artista plástico em desenho, gravura, pintura, porcelana e tapeçaria, Vasco notabilizou-se como pioneiro em esculturas em terracota, arte que buscou na Polônia no fim dos anos 1960, mesma década que ele veio a Lajeado esculpir obras de arte em relevo no Salão de Festas da Acvat”, completa. No âmbito da gravura, com a qual tinha intimidade, o artista criou a monogravura.

No início da carreira, o escultor compartilhou um atelier com Iberê Camargo em Porto Alegre. Até os últimos anos de vida, participou de editais e idealizou figuras para obras públicas.


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