Regra para trabalho remoto preenche lacuna jurídica

Herança da Pandemia

Regra para trabalho remoto preenche lacuna jurídica

Controle de jornada, horas extras e detalhes sobre uso de equipamentos devem ser especificados em contrato. Para especialistas, formalização reduz chance de processos trabalhistas

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Regra para trabalho remoto preenche lacuna jurídica
Especialistas em direito acreditam que Medida Provisória diminui o risco de reclamatórias jurídicas sobre acúmulo de horas extras e plantão sobreaviso
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

A reforma trabalhista de 2017 trouxe um ensaio sobre a atuação profissional fora do ambiente empresarial nos contratos via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foi criada a modalidade de teletrabalho. Com o termo, não havia o detalhamento sobre jornada de trabalho.

Com a chegada do coronavírus e as restrições impostas pelo distanciamento social, o processo de tornar a residência uma extensão do trabalho se acelerou, diz o advogado trabalhista Luís Fernando Cardoso de Siqueira.

No fim de março, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) para regular o trabalho remoto. Entre as principais alterações está o contrato por modalidade, o controle de jornada e o uso de equipamentos.

“Essa é uma tentativa de adequar o trabalho frente ao que ocorreu devido a pandemia”, realça Siqueira. De acordo com ele, a medida preenche algumas lacunas deixadas pela reforma trabalhista.

O teletrabalho ou o home office estão no conceito de trabalho à distância, mas há diferenças. “O teletrabalho se refere ao serviço fora das dependências do empregador, mas não necessariamente na residência do empregado. Com as novas regras, não há uma obrigação preponderante de ser em casa. Pode-se ser dividido, parte fora da empresa e outras na sede”, diz Siqueira.

Junto com isso, o advogado adverte sobre a necessidade de previsão contratual para essa modalidade. “Se o trabalho será por tarefa ou por carga horária? Quantos dias de casa e quantos no escritório? Como será o uso de equipamentos e o até o reembolso das despesas arcadas pelo funcionário. Isso tudo tem de estar formalizado”, frisa.

Outro detalhe diz respeito ao uso de equipamentos, como computadores, notebooks e internet. “Uso de equipamento da empresa não significa sobreaviso permanente. Não quer dizer que o funcionário precisa estar 24 horas disponível, salvo se houver acordo específico, com pagamento extra.”

A MP destaca que a prioridade para o formato remoto deve ser para trabalhadores com algum tipo de deficiência ou ter filho menor de 4 anos. Ainda podem ser acrescentados estagiários e aprendizes nessa formatação.

Segurança jurídica

No contrato por carga horária, a principal dificuldade tanto para empregados quanto empregadores será como fiscalizar a atividade em domicílio. Ainda assim, a normativa é um avanço para evitar a judicialização.

“Dará mais segurança jurídica às empresas”, acredita o presidente da Câmara da Indústria e Comércio da região (CIC-VT), Ivandro Rosa. “Não tínhamos clareza, o que trazia a preocupação de criar um passivo com os funcionários com relação a horas extras. Se há o trabalho, ele precisa ser pago. Mas sempre ficava a desconfiança se houve má-fé. Agora há uma regra mais clara.”

O dirigente considera que o trabalho passava por mudanças mesmo antes da pandemia devido a imersão tecnológica. Para ele, a pandemia acelerou essas mudanças nas relações de trabalho. Ainda assim, Rosa considera que a maioria das empresas no Vale do Taquari não estão preparadas para revisar os modelos e processos. “Ainda teremos mais um tempo de maturação. As empresas locais ainda estão condicionadas a voltar como era antes da pandemia.”

Trabalho especializado

O tipo de atuação também diferencia o trabalho remoto. Como a imersão tecnológica transformou a forma de ver, planejar e interagir, há uma necessidade mais latente para profissionais qualificados, acredita o gerente de operações do Senai Lajeado, Jerry Amarildo Hibner.

Esse novo padrão de trabalho, com o uso de plataformas digitais e distanciamento entre as equipes é uma tendência inclusive no pós-pandemia. “O trabalho remoto é uma realidade e vai continuar. Ficou claro que trabalhar em casa aumenta a confiança entre empregador e trabalhador, além de reduzir os gastos às empresas. Claro que não se aplica a todas as funções. Algumas indústrias permanecem com as linhas de produção, mas outros setores não precisam mais de um espaço físico determinado.”

Na avaliação dele, o trabalhador tem que ser mais do que um executor de tarefas. Além da técnica na área de atuação, terá de aliar a habilidade de resolver problemas e ter conhecimentos diversos, em especial no controle das emoções.

Conforme projeção do Fórum Econômico Mundial, o impacto da 4ª Revolução Industrial no mercado até 2025 serão abertos 58 milhões de novos empregos. Enquanto hoje 71% das horas trabalhadas são feitas por pessoas, daqui a seis anos, mais da metade dessas atividades humanas serão automatizadas.

Cuidado com a saúde

A modernização dos processos e das empresas modifica a relação do indivíduo com o mundo do trabalho. Neste novo modelo, enfermidades psíquicas, tais como: ansiedade, depressão e síndrome do pânico, aparecem com mais frequência.

O professor da Unicamp e doutor em sociologia, Ricardo Antunes, pesquisa faz mais de 30 anos o impacto do trabalho na saúde das pessoas. Autor de diversos livros no Brasil e no exterior avalia que a transformação nas atividades laborais têm relação direta no adoecimento psíquico.

Muito disso tem relação com o novo sistema de produção e também no crescimento das exigências sobre prestadores de serviço e autônomos. Inclusive houve uma alteração no perfil do trabalho.

Enquanto o crescimento no número de funcionários nas indústrias foi discreto, houve uma explosão nos serviços. Conforme dados do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em 1989, as fábricas tinham 7,7 milhões de empregados (representava 12,3% da mão de obra nacional). Já os serviços, tinham 11,9 milhões de pessoas (19,1% dos trabalhadores).

Os dados mais atuais mostram um novo perfil. A indústria contabiliza 9,6 milhões de carteiras assinadas (9,2% da mão de obra). Já os serviços, saltaram para 26 milhões de pessoas (quase 25% da força de trabalho nacional).

Nas pesquisas, o professor visitou desde indústrias automotivas até cooperativas de cortes de frango e de suínos na cidade de Chapecó. “Na indústria alimentícia, a incidência era de doenças por esforço repetitivo, com problemas de mobilidade nas mãos, nos braços e na coluna. Algo bem semelhante ao que se tem no Vale do Taquari.”

Hoje, com a expansão dos serviços e das terceirizações, nasce um adoecimento derivado da pressão. “Não é mais o cronômetro. São as metas. Antes tinha de se produzir tantas peças por minuto. Agora o trabalhador oferece serviços. Precisa atender uma série de requisitos para conseguir uma remuneração condizente com suas necessidades.”

Com isso, surgem enfermidades subjetivas. “O sofrimento deste tempo é psíquico. Passa pelo estresse, pela ansiedade, depressão e por fim, até o suicídio. Em diversas partes do mundo aumenta o número de pessoas que atentam contra a própria vida. Na França, por exemplo, mais pessoas cometem suicídio devido ao sofrimento no trabalho”, alega.

Conforme a Previdência Social, por ano passa de 100 mil o número de pessoas que recorreram ao INSS por auxílio-doença devido a fatores comportamentais e episódios de depressão.


Forma de trabalho

PRODUÇÃO
Contrato não especifica carga horária, mas o cumprimento de tarefas. Com isso, o horário de trabalho é definido pelo empregado;

CARGA HORÁRIA
A jornada é definida pelo empregador. No contrato deve constar o pagamento de benefícios, como horas extras, adicional noturno e sobreaviso;

CASA E EMPRESA:
No formato híbrido, empregado e contratante estipulam atuação em home office e quanto deve ser presencial.


Confiança, metas e saber ouvir

  • O relatório da Workana, plataforma digital da América Latina que reúne líderes empresariais e profissionais autônomos, sugere algumas condutas para fortalecer as equipes.
  • Será necessário que líderes e funcionários reconstruam sua relação de confiança, desta vez de forma muito mais empática, compreendendo quem as pessoas são, e não só o papel que elas desempenham na empresa;
    Os líderes terão que fortalecer a comunicação e fazer com que ela seja o mais transparente possível para promover o desenvolvimento dos funcionários;
  • Se atentar à saúde física e mental dos colaboradores é fundamental;
  • Oferecer o trabalho a distância como uma opção a quem preferir adotar essa modalidade.


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