Série viraliza entre menores  e alerta famílias  e especialistas

Fantasia e vida real

Série viraliza entre menores e alerta famílias e especialistas

A produção sul-coreana Round 6, disponível no catálogo da Netflix, mistura brincadeiras do universo infantil com jogos de vida ou morte. Justo nesta ligação encontrou apelo entre os menores. Situação alerta pais e escolas sobre o acesso precoce a este tipo de material

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Série viraliza entre menores  e alerta famílias  e especialistas
Série de maior sucesso na Netflix, Round 6 é inapropriada para menores de 16 anos. No roteiro, pessoas com problemas financeiros enfrentam provas semelhantes a brincadeiras infantis. Quem perder é executado de maneira sumária (Foto: Reprodução)
Brasil

Pessoas comuns, com problemas financeiros e de relacionamento, são convidadas para um jogo, um tipo de reality show. O prêmio representaria ficar rico. Para tanto, precisam passar por uma série de jogos. Um roteiro dramático, inapropriado para menores de 16 anos.

Em meio aos jogos, brincadeiras comuns na infância. Entre as quais, bolinha de gude, cabo de força e o jogo da batatinha frita. Uma derivação do meia, meia lua, ou do Estátua. Na série, uma boneca gigante canta o bordão “Batatinha frita, um, dois três”. Caso alguém se mexa, é morto com tiros de fuzil.

“No recreio, vi crianças brincando disso. Achei o máximo, pois era parecido com o que fazíamos na infância”, conta a professora e orientadora educacional Joice Schneider. Sem saber o contexto do que significava o bordão, foi perguntar para a filha, já maior de idade. “Ela me disse: é um seriado de uma boneca que mata.”

A professora resolveu assistir alguns episódios. “Eu fiquei apavorada. Era algo muito violento. Nem consegui terminar.” Os alunos que estavam brincando são do 4º e 5º ano de uma escola municipal de Lajeado, com o máximo de 11 anos. “Resolvi ir olhar de perto o que estavam fazendo e também conversar com eles. Queria saber se estavam assistindo a série.”

Com essa proximidade, verificou que todos queriam ser chefe, a boneca. Mas não percebeu menção a tiros e mortes. De fato, quem se mexia deixava a brincadeira ou voltava para o fim da fila. “Não vi eles reproduzirem violência”, comenta. Joice descobriu que muitos não tinham assistido. Por outro lado, canais de Youtube, jogos eletrônicos e memes reproduziam conteúdos presentes na série e eram acessados.

Essa aproximação de um adulto é fundamental, afirma a psicóloga e doutora em Educação, Suzana Schwertner. “A brincadeira em si não é o problema. Mas sim o fato de estarem assistindo algo não recomendado para a idade deles”, resume.

Conforme Suzana, os pais devem acompanhar o que os filhos estão acessando e ficar atentos à indicação etária das produções. No caso do Round 6, se trata de uma atração a partir dos 16 anos. Junto com isso, a psicóloga indica a necessidade das famílias saberem quais conteúdos estão sendo acessados pelos filhos. “Não é proibir. Isso desperta o interesse. Mas conversar, explicar que é um conteúdo adulto, que tem cenas impróprias”, diz.

Interferência sobre o comportamento

Estudo feito pela American Psychological Association (APA, disponível em www.apa.org) indica que o acesso a cenas de violência, seja em filmes, desenhos ou jogos, trazem efeitos psicológicos sobre os menores.

A partir dessa pesquisa, a psicopedagoga, doutora em Educação e articuladora do Centro de Ciências Médicas da Univates, Maria Isabel Lopes, explica que a exposição pode fazer com que o menor torne-se menos sensível a dor e ao sofrimento dos outros, também faça com que se sintam mais amedrontados em relação ao mundo ao redor e também se comportar de maneira agressiva.

Além disso, crianças que assistem filmes e ou desenhos animados, mesmo considerando-os engraçados, têm maior probabilidade de bater em seus companheiros de jogos, desobedecer regras, deixar tarefas inacabadas, e estão menos dispostas a esperar pelo que desejam, do que as que não assistem a programas violentos, afirma Maria Isabel.

Cultura de paz

As brincadeiras do seriado nas escolas foi tema de conversa entre escola e integrantes do Pacto pela Paz. É o que afirma uma das coordenadoras do programa, a professora Priscilla Hasstenteufel.

“Temos de avaliar qual o impacto desse acesso a conteúdos inapropriados. Se há uma limitação etária, isso deve ser respeitado”, diz. A partir da repercussão da série, Priscilla ressalta a função da família, da comunidade e da escola para coibir condutas violentas.

Neste tripé, ações voltadas para desenvolver competências socioemocionais são importantes para auxiliar as crianças e jovens. “Por meio dos projetos, como o Seja, pretendemos fazer com que o estudante fique mais seguro com relação a suas emoções e que possam, inclusive, ter condições de avaliar o impacto daquilo que assistem.”

“Precisamos saber o que eles estão assistindo”

Com a imersão tecnológica, os dispositivos eletrônicos estão presentes no cotidiano das crianças e jovens. Para os pais, é preciso acompanhar quais canais e programas são acessados. Nas escolas, os professores ajudam na função de ouvir e interpretar as emoções dos estudantes.

A Hora – Como os pais devem atuar frente a essa exposição a conteúdo adulto, de violência?
Maria Isabel – Pelo o artigo 5 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os pais não devem negligenciar o cuidado à criança e ao adolescente. Permitir de alguma forma ou se omitir diante da exposição de filmes violentos é uma forma de ferir os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Nossos filhos têm acessos a filmes em qualquer lugar, não é mais preciso ter televisão no quarto para assistir algo sozinho. Precisamos saber o que eles estão assistindo e quanto têm de maturidade para gerenciar as informações e o acesso à internet.

Quais os cuidados das famílias para evitar esse acesso a conteúdos inapropriados?
Maria Isabel – Cabe aos pais o cuidado, o diálogo e a escuta. O escutar pode ser definido como a sensibilidade de estar atento ao que é dito, ao que é expresso por gestos, palavras, ações e emoções. Mas esse ouvir com atenção, infelizmente está um pouco distanciado da prática que é exercida na atualidade.

É possível evitar essa exposição? Pois mesmo que a criança não veja, a internet, os colegas, o youtube e seus canais, replicam conteúdos da série.
Maria Isabel – Sim, é possível e desejável evitar essa exposição. Para evitar precisamos estar mais atentos aos acessos à informação e o tempo de isolamento das crianças.

Qual o papel do professor?
Maria Isabel – Cabe ao professor oportunizar a criança ter o direito de compartilhar seus saberes e auxiliar para que ela descubra o sentido do que faz para significar suas ações. A criança sempre tem uma curiosidade, um desejo, uma dúvida, um interesse, uma contribuição. Ao escutá-la, o professor ajudará a resolver suas inquietações quando souber interpretá-la, podendo também fazer sua avaliação.

Em suma, o educador precisa ser sensível para ouvir a criança, percebendo as linguagens, os códigos e os símbolos que usam para se expressar. Dessa maneira, o diálogo torna-se significativo em seu conjunto, por uma relação recíproca durante o processo de ensino-aprendizagem.

Como lidar como o medo dos pequenos frente a essa exposição?
Maria Isabel Lopes – O medo é um sentimento que vivenciamos desde cedo e que é tão natural, pois funciona como um alerta e uma proteção. Entendemos o medo como um bom sinal a ser observado ao longo do desenvolvimento infantil.

Os medos vão permeando o crescimento dos nossos filhos, à medida que amadurecem, e suas ansiedades e seus desafios vão se modificando. Cabe a nós, pais e educadores, podermos assegurar um ambiente emocional seguro e afetivo. Precisamos fazer a escuta desses temores infantis com bastante segurança, permitindo que a criança possa falar e expor seus medos, sem serem minimizados ou desvalorizados pelos adultos.

Detalhes

Estudo norte-americano apresenta os perigos, em crianças e adolescentes, de assistir cenas violentas. Tais como:

  • Eles podem tornar-se menos sensíveis a dor e ao sofrimento dos outros;
  • Podem se sentir mais amedrontados em relação ao mundo ao redor.
  • Também há mudanças no comportamento, ficarem mais agressivos ou terem condutas nocivas em relação aos demais.

Sobre a série

  • Round 6 (Squid Games, no exterior) entrou no streaming Netflix em 17 de setembro;
  • O roteiro se passa em uma competição mortal. Pessoas endividadas aceitam participar em busca do prêmio final de 49 bilhões de wons (cerca de R$ 221 bilhões).
  • Tornou-se a produção mais assistida na história da plataforma. Mais de 110 milhões de acessos;
  • São nove episódios e não é recomendado para menores de 16 anos;
  • Frente ao sucesso e o fato de crianças e jovens assistirem a série, o criador Hwang Dong-hyuk, em entrevista ao jornal O Globo, disse: “Essa obra não é para elas. Estou perplexo que crianças estejam vendo.”

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