A observação

Opinião

Hugo Schünemann

Hugo Schünemann

Médico oncologista e diretor técnico do Centro Regional de Oncologia (Cron)

A observação

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A história da ciência está cheia de descobertas maravilhosas que partiram da observação simples de algum fenômeno que estava acontecendo na frente de todos, sem que ninguém percebesse.

O padre Mendel, ao plantar ervilhas no mosteiro onde vivia, percebeu diferença entre elas e, ao fazer os cruzamentos entre as variedades que se apresentavam, abriu as portas de um novo campo da ciência, que chamamos Genética e que tem sido fundamental na compreensão do ser humano, no estudo das doenças e no estabelecimento de novos tratamentos.

Uma viagem de veleiro – o Beagle – ao redor do mundo fez o observador Charles Darwin perceber a correlação entre várias espécies diferentes de animais, bem como de plantas, nos abrindo o mundo para a compreensão da Evolução das espécies, fenômeno que segue acontecendo, como recente publicação em revista especializada. Não só suas observações nos trouxeram esta percepção de constante transformação, como de que vence o mais apto, não o mais forte, na luta pela sobrevivência.

Mas, em uma espécie em que a religião influenciava de forma muito forte o pensamento, associar o ser humano aos macacos, em parentesco, pareceu exagerado. Hoje, a ciência inaugurada por Mendel mostra que Darwin estava certo e que compartilhamos 98% dos nossos genes… com alguns macacos…

A observação é uma ferramenta potentíssima para aqueles que têm a capacidade de associar fenômenos e dali buscar compreensão.

Há cerca de 100 anos, um médico britânico, ao voltar de viagem, percebeu a bagunça e sujeira que estava o material de seu laboratório e se pôs a limpar. Ao mexer nas culturas de bactérias, notou mofo em muitas delas.

Olhando mais atentamente, notou que próximo ao mofo não cresciam as colônias de bactérias. Intrigado, resolveu estudar melhor o que via. E percebeu que o mofo criava um campo ao seu redor que não permitia o desenvolvimento das bactérias. Intuiu – e certo – que havia algo produzido pelo mofo que mata as bactérias. Assim, acabava de descobrir a penicilina e, com ela, a antibioticoterapia moderna, que já salvou milhões de vidas no planeta. Quem nunca tomou um antibiótico? Quantas doenças gravíssimas que assolavam a humanidade e que passaram a ser curadas ou que passaram a representar menor perigo por conta do desenvolvimento de antibióticos? Uma simples observação de um olhar atento num laboratório sujo?

Após a primeira guerra mundial, médicos europeus perceberam que soldados expostos aos gases venenosos (armas químicas) tinham uma redução na produção de glóbulos vermelhos do seu sangue. Assim, alguém teve a ideia de expor pacientes portadores de leucemia – condição na qual há uma superprodução de glóbulos brancos – aos gases tóxicos, usados como arma (especialmente o gás mostarda). Estava iniciada a quimioterapia moderna.

Mesmo experiências que não dão certo, aos olhos de um observador, podem ajudar a mudar o mundo. No inicio dos anos 70, num hospital americano, médico apresentou experimento no qual tentou submeter colônias de tumores à corrente elétrica, para verificar se havia alguma influência no desenvolvimento dos tumores. Não havia. Mas ao revelar o resultado, o pesquisador revelou que percebera o não desenvolvimento de células tumorais junto dos eletrodos usados para aplicar a corrente elétrica. Um médico atento na plateia pediu para verificar o material. Após estudos complementares, descobriu-se que o eletrodo, em contato com o caldo de cultura onde os tumores desenvolviam-se, criava uma nova substancia, o cis-diamino-platino. Esta droga hoje é amplamente usada no tratamento de doenças oncológicas, tendo mudado o curso de vários tumores.

A observação é parte importantíssima do desenvolvimento da ciência. Mas não só dela. A capacidade de associar fenômenos é vitalmente complementar.

No fundo, o que queremos é compreender a vida, as doenças e desenvolver tratamentos.

Queremos mesmo é viver a vida, de forma intensa, plena.

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