O dilema da educação em casa

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O dilema da educação em casa

Assembleia Legislativa aprova projeto que autoriza o modelo pedagógico de ensino doméstico (homeschooling). Iniciativa encontra barreiras em representantes da educação. Risco de abandono escolar e hipótese de aumento da violência contra menores faz Ministério Público avaliar legalidade da proposta

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Atualizado sábado,
12 de Junho de 2021 às 17:02

O dilema da educação em casa
(Foto: Felipe Neitzke)
Vale do Taquari

A educação domiciliar, conhecida pelo nome em inglês “homeschooling”, avança para ser reconhecida como método pedagógico no RS. Após dois anos em tramitação na Assembleia Legislativa, o projeto de autoria do deputado Fábio Ostermann (NOVO), foi aprovado nessa terça-feira por 28 votos favoráveis e 21 contrários.

O assunto divide opiniões e evoca o debate sobre o papel da escola na sociedade e a liberdade dos pais em educar os filhos. Em meio a visões antagônicas, autoridades questionam os impactos dese modelo sobre a legislação. De fato, não há regulamentação dessa alternativa na lei nacional.

A pandemia, com o fechamento das escolas, evidenciou a importância das instituições de ensino e dos professores à formação das crianças e jovens, afirma o diretor do Colégio Castelo Branco, Marcos Dal Cin. “Acredito que não seja uma modalidade adequada, pois a escola cumpre requisitos fundamentais à formação dos alunos, como a socialização, o aprendizado a partir da pluralidade e o fato de gerar vínculos sociais.”

Caso o governador Eduardo Leite sancione o projeto, o RS será o primeiro estado a prever essa modalidade de ensino. Devido a votação no parlamento, o prazo para a sanção ou veto da lei é de 30 dias. O parecer do Piratini deve ser feito entre a primeira e segunda semana de julho.

Critérios para regulamentação

Conforme o deputado Fábio Ostermann (Novo), a adoção do modelo de ensino doméstico será facultativo. Para ele, não fragiliza as escolas, pois cabe às famílias optarem ou não. Ainda assim, será necessário regulamentar o formato.

Neste contexto, a discussão entre equipe do parlamentar e técnicos da Secretaria Estadual de Educação seria para estipular os critérios. Em um primeiro momento, a ideia é que os responsáveis registrem o interesse, formalizem o modelo pedagógico adotado e as atividades desenvolvidas.

A comprovação do aprendizado para crianças e adolescentes seria por meio de avaliações periódicas. De acordo com Ostermann, a fiscalização sobre a educação domiciliar cabe ao Conselho Tutelar e às secretarias de Educação, seja municipal ou estadual.

Na análise do parlamentar, regulamentar o homeschooling prever na lei esse modelo de ensino é dar liberdade de escolha. “Criar esse sistema não significa o fim da escola tradicional. Também não é uma obrigação às famílias ou a solução dos problemas na educação gaúcha. É apenas uma oportunidade de se implantar outro método. Há muito preconceito sobre esse assunto.”

De acordo com o deputado, há pelo menos 20 mil famílias que adotaram o ensino doméstico. No RS, as estimativas apontam para mil adeptos do método. “O homeschooling já existe no país e no nosso Estado. O que precisamos é tirar essas famílias da ilegalidade.”

O parecer da Comissão e Constituição e Justiça da assembleia considera que a Constituição Federal estabelece que o ensino é um dever dos pais e do Estado. Aprovar o tema no RS criaria jurisprudência do assunto no país.

“Essa proposta interessa a quem?”

O diretor do Colégio Teutônia, Jonas Rückert, critica a autorização do ensino doméstico pelos deputados. “Essa proposta interessa a quem? Não podemos ser ingênuos, há interesse de grandes grupos com esse assunto. Vai abrir um flanco muito grande. Dada a condição legal, entendemos que esse projeto é inconstitucional.”

Para ele, o modelo é um retrocesso. “Voltamos ao século 12. Estamos vendo como a pandemia interferiu na condição das crianças. Elas precisam de convivência para desenvolver suas competências. É a escola que faz essa mediação.”

Com o homeschooling fica a dúvida de como esse jovem será devolvido à sociedade, diz Rückert. “Teremos um lapso em termos das habilidades socioemocionais. Essa ausência nos faz perguntar: como esse jovem chega para o trabalho, quando vamos tratar da coletividade?”

Sem as vivências em ambiente coletivo, a criança não alcança todo o potencial cognitivo e emocional, resume o diretor. “A escola é a mola propulsora para despertar as aptidões.” Para ele, os processos pedagógicos precisam ser estudados e melhorados. Neste caminho, o ideal seria a aproximação entre instituições de estudo e famílias. “O papel é chamar a família para a escola. Temos de sensibilizar para a importância disso. Somos seres sociais.”

MP analisa legalidade

O Centro de Apoio Operacional da Infância, Família e Sucessões (Caoijefam) do Ministério Público e a procuradoria-geral do Estado avaliam a legalidade do projeto aprovado na Assembleia Legislativa.

A promotora Luciana Cano Casarotto antecipa que a posição do MP é pela inconstitucionalidade do modelo de ensino doméstico. Pela análise do órgão, há um entendimento das Promotorias de Justiça Regionais de Educação (Preducs), e de entidades como União dos Dirigentes Municipais de Educação, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, Sindicado das Escolas Privadas, contrários à proposta.

Entre as preocupações das autoridades está o fato da escola ser um elo da rede de proteção ao menor. Estima-se que 80% das denúncias de violência contra crianças e adolescentes surjam por meio da atuação dos professores.

Diagnóstico feito pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aponta que houve redução nos processos que investigam violência sexual contra crianças durante a pandemia.

Debate em Lajeado

Em caso de sanção do governador Eduardo Leite ao projeto da assembleia, o vereador de Lajeado, Alex Schmitt (PP) pretende ingressar com a regulamentação na cidade. “Defendo esse modelo de ensino pois precisamos garantir liberdade de escolha. Temos casos específicos, de famílias com filhos autistas, com alto grau da doença, e que a escola é um problema”, diz.

Segundo ele, possibilitar a educação em casa poderia dar melhores condições para esse grupo adaptar os espaços e a rotina para melhorar a qualidade de vida da criança. A partir disso, diz Schmitt é necessário regulamentar os critérios deste tipo de ensino. “Temos exemplos em diferentes lugares do mundo. O que precisamos é pesquisar e adaptar a nossa realidade.”

Os exemplos pelo mundo

O homeschooling é permitido em 64 países. De outra ponta, é proibido na Alemanha e na Suécia, onde é considerado crime. Nos lugares onde é permitido, a maioria exige uma avaliação anual dos alunos que recebem educação domiciliar. Alguns deles:

Regras nos Estados Unidos

O país tem um dos modelos mais consolidados do mundo. Por ser uma federação, com autonomia de leis para cada Estado, há uma variedade de regulamentações. Deste modo, o controle governamental pode ser nenhum, ou com muitas restrições.

Texas, Oklahoma, Nova Jersey e Alasca não exercem restrições. Consideram legítima a escolha dos pais e abrem mão de exames periódicos obrigatórios.

Outros, como em Nova Iorque, têm leis rigorosas. Exigem rotina escolar dentro de casa, em que as famílias precisam se cadastrar no governo, apresentar um plano pedagógico anual, guardar evidências de aprendizagem que comprovem ao meno 180 dias de atividades em casa. Os pais devem apresentar um relatório trimestral contando o que foi estudado. No fim de cada ano, o aluno precisa passar em um exame aplicado pelo Estado.

A educação doméstica na lei

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), a Constituição não proíbe o ensino domiciliar. Mas, para que possa ser garantido, é necessário uma lei própria. Pela regra atual, uma família que pratique o homeschooling pode responder processo por abandono intelectual. Pela tipificação deste crime, o Código Penal estipula a pena de multa ou prisão de 15 até 30 dias.

Pelo posicionamento da Comissão de Educação da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/RS), esse tipo de punição é incomum, pois a família tem como comprovar o aprendizado ao levar o filho para prestar exames de competências.

Na análise do órgão, o assunto no país está em um “vácuo” jurídico. Para sair deste campo incerto, o homeschooling precisa ser proibido ou regulamentado.

A discussão no país

  • Proposta do deputado federal Lincoln Portela (PL-MG) sobre o tema tramita desde 2012 no Congresso Nacional;
  • O texto modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para que o Ensino Básico possa ser em casa, sob a responsabilidade dos pais ou tutores;
  • O poder público teria a função de supervisionar e avaliar a aprendizagem destes estudantes domiciliares;

A discussão no RS

  • A assembleia aprovou o projeto que autoriza o homeschooling nessa terça-feira;
  • O texto encontra resistência de entidades ligadas ao ensino;
  • O MP avalia a proposta. Em um primeiro momento, aponta inconstitucionalidade na aplicação do modelo;
  • O governador Eduardo Leite tem até a metade de julho para sancionar ou vetar a lei.

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