Exploração sustentável ou retrocesso ambiental?

redução da área de preservação

Exploração sustentável ou retrocesso ambiental?

Pedido de prefeitos para reduzir a Área de Preservação Permanente em torno do Rio Taquari está em análise na Fepam. Gestores defendem exploração sustentável do espaço. Por outro lado, porém, promotora responsável por projeto de proteção da mata ciliar lamenta a iniciativa

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Atualizado quinta-feira,
13 de Maio de 2021 às 11:28

Exploração sustentável ou retrocesso ambiental?
Seis prefeitos do Vale assinam pedido para diminuir APP de 100 metros para 30 metros, na área rural, e 15 metros, na área urbana (Foto: Aldo Lopes)
Vale do Taquari

A ida do prefeito de Lajeado a Brasília na última semana levantou um importante debate sobre a área de preservação permanente (APP) do rio Taquari. A reivindicação de redução da faixa mínima, levada por Marcelo Caumo é compartilhada por outros cinco gestores de municípios do Vale.

A demanda é antiga, mas foi reforçada após manutenções na barragem de Bom Retiro do Sul, em março. Na ocasião, houve a abertura das comportas, provocando modificação no leito do rio. Isso levou Caumo e os prefeitos de Arroio do Meio, Bom Retiro, Colinas, Cruzeiro do Sul e Estrela a assinarem um ofício de forma conjunta, entregue à Fepam.

A presidente da fundação, Marjorie Kaufmann, diz que serão feitos estudos prévios para verificar a viabilidade da redução. O pedido está em análise na Divisão de Infraestrutura e Saneamento.

No documento, os prefeitos solicitam informações sobre o processo de licenciamento ambiental da barragem e propõe faixa mínima de 30 metros na área rural, e de 15 metros em área urbana. Utilizam um trecho do Código Florestal como base. Ele prevê a necessidade da licença ambiental do empreendimento estabelecer as medidas em áreas influenciadas pelo barramento.

Caumo ressalta que se trata de uma prerrogativa legal, a partir de lacunas existentes na legislação ambiental. “Nós buscamos a aplicação da lei e a exploração sustentável das áreas. Não é a distância de 30 ou 100 metros que vai mudar isso. Porto Alegre fez isso muito bem”, afirma.

Coletividade

O prefeito também nega que a redução das APPs tenha relação com possíveis novos empreendimentos às margens do Taquari. “Não fazemos todo esse movimento por conta de A ou B, e sim da coletividade como um todo”, comenta.

Caumo ressalta que a modificação na legislação também permitirá uma correção, reforma e até regularização de prédios e estabelecimentos construídos ao longo dos anos próximo ao rio, o que hoje não é permitido por conta da APP.

Demanda complexa

Professora da Univates e especialista na parte de Direito Ambiental, Luciana Turatti lembra que a demanda dos prefeitos dizem respeito ao tema “floresta” e, por isso, a matéria é de competência da União. Por isso, necessitaria de alteração no Código Florestal.

“É uma demanda bastante complexa de se levar à frente, tendo em vista que o código foi alterado há pouco tempo e isto envolveu um debate bem acalorado. E, falando em proteção, há todo um posicionamento do Judiciário e do Ministério Público que acompanha a posição de outros países no sentido de se ampliar a proteção. Quando uma lei estabelece esses 100 metros, define o alcance da proteção da mata ciliar. Ao reduzir para 30, estaríamos interferindo nesse alcance. Seria alvo forte de questionamentos”, pontua.

Luciana entende que existe espaço para discussão, sobretudo porque as medidas atuais foram estabelecidas há décadas e deixaram de considerar as características dos diferentes biomas. Porém, reforça que sempre se trabalhou com medidas maiores de proteção. “Diminuir as medidas pode vir a agraciar uma parcela daqueles que usufruem dessas margens, em detrimento do coletivo, se consideramos que o bem ambiental é bem comum”, observa.

Para a professora, há possibilidades para aproveitamento destas áreas de preservação, autorizados pelo próprio código, inspirado em movimentos de reconexão da população com os rios surgidos na Europa. “Pode se fazer espaços de lazer, trilhas de ecoturismo, manejo sustentável”, sintetiza.

Hoje, com exceção de obras voltadas à preservação, não são permitidas construções nas APPs (Foto: Mateus Souza)

Programa premiado no país

A preservação do rio Taquari remonta a um debate antigo. Dentro da região, a ação com maior visibilidade e destaque surgiu através do Ministério Público. O Programa Corredor Ecológico, criado em 2006, teve origem a partir de debates em Estrela e foi estendido a outros municípios.

Após a saída da responsável, a promotora Andrea Almeida de Barros, que ingressou na Promotoria Regional, em 2014, retomou o projeto, rebatizado para “Programa de Recuperação Sustentável de Mata Ciliar do Rio Taquari”. Também é objeto de pesquisa de Andrea, que é mestre e agora doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento pela Univates.

Quando ela assumiu o trabalho, muitas áreas já haviam sido recuperadas por meio do projeto. “Ele integra o Mapa Estratégico do MP no eixo Sustentabilidade. E, desde o ano passado, trabalhamos com a ampliação para os afluentes do Taquari, incluindo os municípios de Poço das Antas, Teutônia, Travesseiro e Westfália”, destaca.

A iniciativa foi contemplada com o Prêmio CNMP, criado para dar visibilidade aos programas e projetos do Ministério Público nacional.

A possível alteração nas APPs, conforme Andrea, não interfere no trabalho do programa. Entretanto, se mostra surpresa com a solicitação dos prefeitos. “Causa espanto, pois vai contra os objetivos do desenvolvimento sustentável. É um retrocesso ambiental em nome dos interesses do capitalismo”.

Entrevista

Diretora da Fepam, Marjorie Kaufmann diz que o pedido dos prefeitos está na Divisão de Infraestrutura e Saneamento. Ela elogia a intenção dos gestores, mas comenta que será necessária a realização de estudos aprofundados para dar andamento à demanda.

“Precisa de estudos específicos para determinar a abrangência do lago”

Você tratou diretamente com os prefeitos sobre a demanda?
Nas barragens que são licenciadas hoje em dia, já se determina as APPs adjacentes ao lago de inundação, dentro do Plano Ambiental de Conservação e uso do entorno de reservatório artificial, obrigatório no licenciamento. Porém, essa foi executada na década de 60 e não houve licenciamento prévio. Logo, no momento de sua regularização, entre outros documentos hoje exigidos pelo licenciamento, não houve a entrega do plano. Os prefeitos entendem que o barramento formou um lago artificial e que deveria ter essa determinação da APP na licença. Mas são necessários estudos específicos para determinar a abrangência do lago e sua respectiva APP. Chamaremos os prefeitos no próximo mês para encontrarmos uma solução, mas isso não será feito sem estudos aprofundados.

Qual encaminhamento o ofício teve dentro da Fepam?
A demanda agora está na Divisão de Infraestrutura e Saneamento, que apontará como vamos entender aquele regramento e encontrar uma solução razoável. Hoje, a barragem pertence ao Dnit, que obrigatoriamente também será chamado a fazer parte da busca por uma solução.

Qual a competência da Fepam para discutir as medidas das APPs?
De acordo com o Código Florestal vigente, as determinações de APPs oriundas de lagos artificiais devem ser dadas a partir das indicações do Pacuera e determinadas na licença ambiental pelo ente licenciador. A Fepam executa esse rito para os licenciamentos que acontecem hoje. A barragem de Bom Retiro sofreu processo licenciatorio de regularização em 1970 e algumas questões como essa das APPs ficaram em aberto. Entendemos e concordamos com a preocupação dos prefeitos e por isso estaremos imbuídos na busca de uma solução para esse problema.

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