“Estou sempre tentando saber como está a minha família”

Crise na Colômbia

“Estou sempre tentando saber como está a minha família”

Colombianos falam sobre a pior crise política da história recente do país e como é estar longe da cidade natal durante as manifestações, que já vitimaram 26 pessoas

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“Estou sempre tentando saber como está a minha família”
Colombianos protestam contra a reforma tributária e à favor da liberdade social no país (Foto: Divulgação/Reuters)
Brasil
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Depois de 12 dias de protestos na Colômbia, a manifestação popular contra a reforma tributária do país resultou na pior crise política enfrentada pelo atual presidente, Ivan Duque, e deixou pelo menos 26 mortos e mil feridos. Com militares nas ruas, organizações sociais afirmam que a polícia estaria utilizando força excessiva contra os manifestantes.

“É incrivelmente frustrante essa situação. Concordo com muita coisa que o povo está fazendo. Tem muita coisa errada também, mas acho que essa é a hora de estar lutando, de se rebelar”, diz o colombiano Bryan Alexander Cuervo Martinez, 25. Natural de Bogotá, mora em Arroio do Meio e está no Brasil há dois anos.

Longe da família, a preocupação é constante. “Aqui eu não consigo fazer muita coisa, então estou sempre tentando saber como está minha mãe, minha irmã, meu sobrinho, minha família. Até porque junto com essas greves também falta segurança nos bairros, então pode aumentar o furto, a delinquência. Isso é preocupante, é triste”, lamenta.

Ele também diz que o governo não quer escutar o povo e que a reforma tributária afetaria principalmente as classes média e baixa do país.

Entenda a crise

“O clima social está muito pesado, a situação é difícil para os colombianos”, lamenta o professor e pesquisador José Joaquin Romero Basallo, 32. Nascido em Bogotá, o colombiano foi intercambista na Univates nos cursos de relações internacionais e história entre 2011 e 2012. Hoje, vive na cidade natal, e comenta sobre a crise política que vem ocorrendo no país.

“A situação aqui é bem complexa, principalmente porque tem a ver com vários elementos que estão se juntando neste momento histórico”, afirma.

Segundo ele, o primeiro se deve ao descontentamento da população com as políticas sociais não inclusivas que já levou os jovens às ruas para manifestar em 2019.

Aliado a isto, está o problema de saúde mundial, a impossibilidade de trabalho de parte da comunidade e a vacinação lenta. Já o terceiro elemento, que seria responsável pelo estouro da situação, estaria ligado à proposta de uma reforma tributária apresentada ao Congresso no dia 15 de abril como medida para financiar os gastos públicos no país e visava o aumento da base de arrecadação do Imposto de Renda, impostos sobre serviços básicos e Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

Além disso, há uma insatisfação quanto aos serviços de saúde. “Um dos projetos de lei está visando acabar com esse serviço público de atendimento. Mesmo aqueles que não têm dinheiro teriam que pagar pela saúde privada. Por direito, isso deve ser garantia do Estado”, avalia Basallo.

A violência começou em 28 de abril, quando houve um primeiro protesto contra a reforma tributária. Diante das pressões, o presidente Ivan Duque propôs retirar o plano inicial da reforma tributária e apresentar uma nova proposta ao Parlamento, mas ainda há um debate entre manifestantes e governo sobre como as forças de segurança pública devem encarar as manifestações.

Entrevista

Mateus Dalmáz • Doutor em História e professor do curso de Relações Internacionais da Univates analisa cenário atual da Colômbia e lembra que o país, há alguns anos, vive situação de conflito por conta da ocupação da fronteira com a Venezuela.

“Existe um protesto a respeito do não atendimento de demandas sociais”

• O que está por trás da crise social na Colômbia?

Tem ocorrido, sim, protestos em função da carga tributária, mas também de liberdade. As ações para debelar os protestos podem ser interpretadas também como a questão da ocupação da fronteira com a Venezuela. Nesse conflito existe um protesto colombiano também a respeito do não atendimento de um governo liberal sobre demandas sociais. E o governo Duque mobiliza forças armadas para debelar o movimento.

• Manifestações e “convulsões” sociais são corriqueiras na América Latina. Por que isso ocorre com tanta frequência no continente?

Tem a ver com o fato de que, passadas três décadas da redemocratização na maioria dos países, não houve um modelo de desenvolvimento econômico que trouxesse, à longo prazo, controle da inflação e superavit primário que, economicamente falando, são os grandes desafios que o continente enfrenta de forma geral. E esses índices dispararam negativamente nos regimes militares. A Colômbia tem uma tradição de adotar modelo liberal. A Venezuela adota um modelo mais desenvolvimentista. Mas os demais variam muito, como Argentina, Chile, Uruguai. Essas variações provocam manifestações no sentido de reivindicar providências para demandas sociais.

• A situação atual, de protestos, repressão e conflitos na fronteira pode afetar a imagem da Colômbia no cenário internacional?

Acredito que não. Uma projeção de cenário futuro, à medida do aumento da tensão na fronteira, é associado e atribuído à Venezuela, por ter um diálogo difícil. E a Colômbia tem tido uma parceria estado-unidense no combate ao narcotráfico. Existe uma solidez nessa relação e que não ficaria ameaçada com esse conflito. Tende a ser traçado como algo isolado entre os dois países.

• O que esta situação da Colômbia, de protestos e mortes, traz de lição ao Brasil, um país que também apresenta uma instabilidade social nos últimos anos? Como os fatos no repercutem aqui?

O Brasil não tem uma tradição de ter indisposição com os vizinhos. Não entraríamos num bom caminho se ideologizasse suas relações com os vizinhos. O aprendizado que podemos ter em relação a isso é que a via diplomática é o caminho mais eficiente nas suas relações exteriores no âmbito latino-americano. E o Brasil tentou ser uma liderança diplomática e econômica anteriormente. Como lição, fica a importância de ter relações sem critérios político-ideológico. Qual é a nossa importância diplomática na região hoje? A resposta parece clara.

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