O Kit Covid e a falsa esperança

Opinião

O Kit Covid e a falsa esperança

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Lajeado

Um grupo chamado “Médicos pela Vida – Covid-19” publicou nos principais jornais, cujas páginas publicitárias são as mais caras do país, um manifesto em defesa do “tratamento precoce” da covid-19, com o uso de medicamentos que, em todas as pesquisas realizadas pelos mais importantes centros de pesquisas do mundo, descartaram sua eficácia no tratamento desta pandemia que assola o mundo todo.

Este grupo “Médicos pela Vida”, com sede no Recife, lançou, em maio de 2020, um protocolo com 39 páginas, intitulado “Protocolo de Tratamento Pré-Hospitalar Covid-19”, assinado por 42 médicos, defendendo o uso da cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. Dos médicos que assinaram, não há um infectologista, especialista que estuda esta área da medicina. É como se alguém, acometido de um problema cardíaco, fosse atendido por um ortopedista.
Receitar um medicamento no combate a uma doença é uma prerrogativa médica, que com sua titulação, lhe concede o livre arbítrio de escolher o melhor tratamento para o seu paciente.

No entanto, a divulgação massificada, por médicos, de que existe um tratamento efetivo que pode combater esta epidemia se afasta da relação médico-paciente. Se este “tratamento precoce” fosse efetivo, por que será que não é empregado no mundo todo, com milhões de mortes e infectados e com a economia em frangalhos? Qual a razão de estes países não empregarem estes tratamentos, que são baratos, e estão investindo bilhões de dólares no desenvolvimento e compra de vacinas?

O Brasil é um dos maiores consumidores de medicamentos do mundo. A automedicação faz parte da cultura brasileira e, segundo pesquisas do Conselho Federal de Farmácias (CFF), 77% dos brasileiros se automedicam. Com a expressiva alta nas vendas destes medicamentos, que em alguns casos chegaram a um aumento de mais de 1000%, não é preciso ser um especialista para concluir que as pessoas estão consumindo como um “preventivo”.
Médicos intensivistas do Amazonas afirmam que, dos internados graves nos hospitais, todos, ou praticamente todos, vinham se medicando com os medicamentos sugeridos pelos defensores do “tratamento precoce”. Em matéria publicada no G1 do dia 23/02, médicos de Natal afirmam que 90% dos hospitalizados em UTIs fizeram o uso de ivermectina!

O médico, por sua prerrogativa, no seu consultório ou hospital , pode escolher tratamento que melhor atenda seu paciente. Isto é um fato. Agora, quando os médicos vão para as redes sociais e imprensa e dizem com todas as letras que o tal tratamento é eficaz e que as pessoas podem tomar pois é seguro, estão cometendo um crime contra a saúde pública, justamente por estarem incentivando o consumo sem critério, sem cuidado, e dando às pessoas a falsa segurança de que estão protegidos. Basta dar uma circulada nas redes sociais para ver como as pessoas se comportam. Sim, as pessoas estão consumindo estes medicamentos e, no entanto, as hospitalizações continuam, as mortes continuam. Isto deveria servir de alerta!

O presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, Fred Fernandes, relatou casos de hepatite medicamentosa provocada pelo uso da ivermectina, medicamento de dose única, que está sendo usado continuamente para a prevenção da covid. Ou seja, além de não combater a covid, pode trazer sérios problemas hepáticos! A indústria química Merck, que criou a ivermectina, publicou uma advertência, alertando que a ivermectina não funciona para o tratamento da covid-19.

Além do grave risco à saúde, o uso e a divulgação de tratamento com estes medicamentos trazem outro efeito tão nefasto quanto: a certeza de que, ao usar estes medicamentos, a pessoa está protegida contra a pandemia. O resultado não poderia ser mais desastroso, já que números de infectados e hospitalizados estão quase fora de controle.

Ao divulgar o comunicado de que a invermectina não funciona no tratamento da covid, a Merck está se protegendo contra uma eventual demanda judicial, acusando-a de negligência, por não ter alertado sobre os efeitos do medicamento e sua ineficácia no tratamento desta doença. Fica um alerta também aos médicos que estão defendendo este tratamento. Pessoas que, mesmo fazendo uso dos medicamentos que fazem parte do “kit Covid”, forem atingidas pela doença, acarretando sequelas ou que perderam entes queridos, podem se sentir enganadas e lesadas e procurar reparação judicial.

O mundo não vai sair desta pandemia sem as recomendações que foram as únicas eficazes até o momento: distanciamento social e, agora, com a vacina.
Não custa repetir: o médico é o profissional que deve escolher o tratamento que o paciente necessita. É uma relação médico-paciente, realizada em seu consultório ou casa de saúde. Não se admite, no entanto, o estímulo ao uso de medicamentos, dando às pessoas a falsa sensação de proteção. É preciso responsabilidade!

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