A luta de seu Carlos

Opinião

Hugo Schünemann

Hugo Schünemann

Médico oncologista e diretor técnico do Centro Regional de Oncologia (Cron)

A luta de seu Carlos

Por

Lajeado
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Carlos era um homem de 64 anos que labutava a vida toda. Sua paixão era sua profissão. Carlos era alfaiate e seus ternos eram costurados com esmero e com capricho. Morador da cidade de Canoas, a maioria de seus clientes eram de Porto Alegre.

Há um tempo, Carlos vinha sentindo dor nos braços, nas costas e nas pernas. Disseram que era artrite. Disseram que era artrose. Disseram que era de idade.

Por fim, muito incomodado com a dor, Carlos foi ao médico.

Era uma tarde de maio quando Carlos me procurou no consultório, encaminho ele para o ortopedista. Ele tinha lesões nos ossos – metástases – e não se sabia onde havia começado. Não é uma situação muito comum, mas em cerca de 7% dos casos, não se consegue estabelecer em que região começou a doença.

Sua fala mansa não escondia a dor maior que ele sentia, a de não poder mais trabalhar, costurar, pois a dor física lhe proíbe de fazer tal atividade.

Novos exames foram feitos sem acrescentar novas informações ao caso.

Iniciou-se a quimioterapia que se estenderia pelos próximos meses.

Carlos continuou sofrendo a seu modo, em silêncio.

O tempo foi passando. E nada de melhora.

Numa bela manhã de sábado, final de setembro, saí cedo de casa para ver os pacientes internados. Ao chegar na Santa Casa, toca o telefone. Era o irmão de Carlos: – “Doutor, o Carlos não tá bem!”. Pensei um pouco e disse: – “Vamos interná-lo”.

Alguns minutos e telefonemas depois, liguei de volta e pedi que levassem Carlos ao hospital. Eu passaria lá por volta das 11 horas.

Por volta do horário combinado, cheguei ao hospital. Carlos já estava instalado no leito que lhe foi reservado.
Estava igual, fala mansa, o olhar que traduzia seu sofrimento, mas sem se queixar.

Conversamos, fiz as perguntas de praxe, examinei-o. Nada de novo, nada digno de nota.

Combinei que solicitaria novos exames e que voltaria no final da tarde para vê-lo e aos exames.

Ao me aproximar da porta, já indo embora, ele me chamou: – “doutor!”. E sinalizou com a mão para que eu voltasse e me aproximasse. Estendeu-me a mão e disse, me olhando nos olhos: – “Já que nós não vamos mais no ver, queria lhe agradecer e me despedir”. Fiquei gelado! Dei-lhe a mão e disse um: – “Até depois”, meio engasgado e fui.

A imagem não me saía da cabeça.

Peguei meu carro e sai em direção à minha casa, a poucas quadras dali.

Cheguei. Estacionei. O telefone tocou.

Era o hospital.

Carlos acabara de falecer…!

A luta chegou ao fim.

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