Pra esquecer e pra lembrar

Opinião

Ney Arruda Filho

Ney Arruda Filho

Advogado

Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica

Pra esquecer e pra lembrar

Lajeado

Nei Lisboa é um multiartista, compositor, cantor e escritor. Gaúcho raiz, suas canções e seus escritos guardam estreita relação com nosso Estado e, especialmente, com Porto Alegre. Vale a pena conhecer a sua obra, tanto na música como na literatura. Esse meu xará sempre foi inquieto e inovador. Nos anos 1980, época das grandes gravadoras, ele no início da carreira, lançou um projeto independente para produzir um disco, um LP, como se chamava à época. Sem grana nem apoio de um empresário artístico, para custear o sonho, ele criou o “neilisbônus”, que era uma espécie de cupom que o interessado adquiria e que daria direito a um disco, quando do lançamento. Sem nenhuma garantia, diga-se. Mas o projeto deu certo e fomos brindados com o antológico “Pra viajar no cosmos não precisa gasolina”, disponível nas plataformas digitais. E já se vão quase 40 anos.

Esta breve introdução ao tema serve pra apresentar um pouco do Nei e pra contar que, alguns anos atrás, ele escreveu uma crônica falando do tempo. Nela, afirma com veemência que o minuto não tem mais 60 segundos, que a hora não tem mais 60 minutos, que o dia não tem mais 24 horas. E que a semana não tem mais 7 dias, o ano não tem mais 12 meses, porque tudo passa muito rápido, muito mais rápido do que passava antes. Alguém, premeditadamente, diminuiu o tempo e ainda assim seguimos nos enganando. Não conseguimos mais fazer o mesmo que fazíamos no decorrer do dia, a semana passa voando, os meses nos atropelam e o ano, quando a gente se dá conta, vai terminar.

O ano de 2020 bateu todos os recordes. Começou, como sempre, depois do Carnaval, e já parou em meados de março, com a tal pandemia. Passaria rápido e, segundo alguns, levaria só os mais frágeis. Haveria uma imunização de rebanho e seguiríamos faceiros, cada um levando a sua vida, correndo atrás do relógio. O que se viu na sequencia foi bem diferente. Revelou o melhor e o pior do ser humano. As redes sociais e os grupos de zap foram inundados de teses e de comentários dos mais estapafúrdios. “Todas as bobagens que eu já disse, dariam pra encher um caminhão …” cantava o Nei em “Romance”. 2020 bateu todos os recordes.

Em meio a tudo isso, encontro outra canção dele, “Pra te lembrar”. “Que é que eu vou fazer pra te esquecer? Sempre que já nem me lembro, lembras pra mim …”. E no final ele pergunta: “que é que eu vou fazer pra te lembrar? Como tantos que eu conheço e esqueço de amar …”. Um alento de poesia e um pouco de encontro, neste momento de afastamento compulsório. O ano de 2020 será um ano pra esquecer, mas também pra lembrar. Cada um do seu jeito.

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