O que a história pode ensinar

Opinião

Ney Arruda Filho

Ney Arruda Filho

Advogado

Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica

O que a história pode ensinar

Por

Vale do Taquari

O ano era 1904. A cidade, Rio de Janeiro, então capital federal. O número de internações, apenas no Hospital São Sebastião, chegava a 1,8 mil pessoas, só contando os infectados pela varíola. Mesmo assim, muitas pessoas rejeitavam o uso da vacina. Na época, a imunização era feita com um líquido de pústulas de vacas doentes. Afinal, era uma coisa nojenta e esquisita. E ainda corria o boato de que, quem se vacinava, ficava com feições bovinas. Crenças do início do século XX.

Então, em junho de 1904, o médico sanitarista Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional. Apenas os indivíduos que comprovassem ser vacinados conseguiriam contratos de trabalho, matrículas em escolas, certidões de casamento, autorização para viagens. Após intenso debate no Congresso, a lei foi aprovada, sendo o estopim do episódio conhecido como Revolta da Vacina. O povo, já tão oprimido pelo Governo Central, não aceitava ter que tomar uma injeção contra a sua vontade. Muitas pessoas foram às ruas protestar e só não gravaram vídeos no WhatsApp porque essa tecnologia não existia à época.

Toda a confusão em torno da vacina também serviu de pretexto para a ação de forças políticas que queriam depor o presidente Rodrigues Alves. “Uniram-se na oposição monarquistas que se reorganizavam, militares, republicanos mais radicais e operários. Era uma coalizão estranha e explosiva”, diz o historiador Jaime Benchimol. Em 5 de novembro de 1904, foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Dias depois, estudantes foram reprimidos pela polícia. No dia 11, já era possível escutar troca de tiros. No dia 12, havia muito mais gente nas ruas e, no dia 13, o caos estava instalado no Rio de Janeiro. “Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, estabelecimentos e casas de espetáculos fechadas, bondes assaltados e bondes queimados, lampiões quebrados à pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados”, dizia a edição de 14 de novembro de 1904 do jornal Gazeta de Notícias. Tanto tumulto incluía uma rebelião militar. Cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha enfrentaram tropas governamentais na rua da Passagem. Do lado popular, os revoltosos enfrentaram batalhões federais. Eram mais de 2 mil pessoas, mas foram vencidas pela dura repressão do Exército.

Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos, o presidente Rodrigues Alves desistiu da vacinação obrigatória. “Todos saíram perdendo. Os revoltosos foram castigados pelo governo e pela varíola. A ação do governo foi desastrada e desastrosa, porque interrompeu um movimento ascendente de adesão à vacina”. Mais tarde, em 1908, quando o Rio foi atingido pela mais violenta epidemia de varíola de sua história, o povo correu para ser vacinado, em um episódio avesso à Revolta da Vacina.

Este texto não é de minha autoria. Relata um fato histórico e foi adaptado do site da Fundação Oswaldo Cruz, acessível em www.portal.fiocruz.br.

Acompanhe
nossas
redes sociais