Candidaturas para dividir a família

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Candidaturas para dividir a família

Ex-mulher contra ex-marido e irmãos em chapas opostas na disputa à majoritária. Saiba como se formou o cenário eleitoral em dois municípios da região que têm como concorrentes pessoas que já ocuparam o mesmo lar

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Atualizado segunda-feira,
19 de Outubro de 2020 às 08:48

Candidaturas para dividir a família
Os irmãos Hunhoff trilharam caminhos opostos na eleição 2020 de Capitão. Com experiência de quatro vitórias nas urnas, Jari encara o estreante em pleitos, Eduardo, candidato a vice por outra chapa. Foto Fábio Kuhn
Vale do Taquari

Mesmo sobrenome, mesma profissão e o mesmo gosto pela política. Essas são semelhanças que unem os irmãos e motoristas de ambulância, Jari e Eduardo Hunhoff. Entretanto, na hora da definição das chapas às eleições de 2020 em Capitão, os dois se colocaram em lados opostos e protagonizam um confronto familiar nas urnas do pequeno município de 2,7 mil eleitores.

Mais experiente, Jari, 49, será candidato a prefeito ao lado de Benjamin Fachini (coligação PSDB/MDB). Ele já concorreu em quatro eleições para vereador, vice e prefeito. Venceu todas. Ao total, assumiu cargos políticos na metade dos 28 anos de emancipação de Capitão.

O irmão Eduardo, 43, concorre pela primeira vez. É o candidato a vice-prefeito na coligação do PDT/Progressistas. O cabeça de chapa será César Beneduzi, político que já foi aliado de Jari na época em que ele era filiado ao antigo PP.

Ambos se dizem surpresos com a candidatura do outro. Os dois irmãos também dão explicações semelhantes quando questionados por que se candidataram: apelo do eleitorado e do partido político.

Segundo Eduardo, Jari teria dito em 2008 nunca mais se envolver com campanhas eleitorais, situação que incentivou a sua candidatura. “A população estava pedindo meu nome, vi que tinha direito de entrar na política”, comenta ao citar que confirmou a participação como vice cerca de quatro meses atrás.

Por sua vez, Jari relata até uma tentativa familiar para convencer Eduardo a deixar o Progressistas e concorrer a vereador pelo PSDB. Fato ocorreu no fim de 2019. “O Eduardo disse que não tinha interesse. Depois começamos a ouvir murmúrios que queria ser candidato a vice na oposição”, relembra Jari.

Entre os familiares, Jari aparenta ter vantagem sobre a chapa concorrente. Isso porque outro irmão (Daniel Hunhoff) é presidente do partido pelo qual Jari concorrerá. Eduardo já destaca que inexiste pressão para votos entre os parentes e que “cada um saberá o que fazer” quando estiver de frente para urna.

Os dois candidatos refutam a possibilidade da política estar afetando o relacionamento pessoal. “Família é família, política é outra coisa. A gente fica com clima diferente, mas cada um tem os seus ideais”, resume Eduardo. “É um direito dele”, complementa Jari.

Como prioridades se eleito, Jari cita ações para manter a qualidade dos atendimentos para saúde, manutenção dos jovens no campo e pavimentação de acessos.

Já Eduardo aponta o interesse em trazer mais especialidades ao atendimento de saúde, incentivar negócios locais na agricultura e buscar recursos federais para construção de residências populares.

Separados também na política

Putinga vive um cenário eleitoral provavelmente inédito na história política do Vale do Taquari com um “ex-casal” concorrendo à majoritária. Em 2020, os eleitores podem reeleger o atual prefeito Claudiomiro Cenci (Progressistas) ou colocar no poder a sua ex-mulher, Diana Dalberto (PSD).

Os dois candidatos foram casados por 21 anos entre 1993 a 2014. Mesmo depois da separação, ainda mantiveram um bom relacionamento, tanto que Diana ocupou o cargo de secretária de Saúde na gestão do ex-marido.

Vindo de uma família tradicional de progressistas, Cenci, 51, participa de eleições municipais desde 1992. De lá para cá, concorreu em quatro pleitos para vereador e vice-prefeito e ganhou todos. Em 2016, foi escolhido pela comunidade como o prefeito do consenso.

Por sua vez, Diana, 45, pegou o gosto pela política com o ex-cônjuge e foi a primeira mulher a presidir a câmara de Putinga. A participação em eventos de comunidade e trabalhos voluntários fez ela ficar conhecida.

Tanto que se mostrou um fenômeno nas urnas ao ser a candidata a vereadora mais votada (387 votos) em sua primeira eleição, em 2012.

Conforme Diana, a candidatura a prefeita ocorreu após uma pesquisa espontânea feita pelo candidato a vice, Valdir Possebom (PSD), apontá-la como o nome mais aceito pela comunidade. “Sempre tive um trabalho voluntário muito forte. As pessoas são gratas e retribuem com o voto”, percebe.

Diana se diz surpresa com a concorrência do ex-marido. Afirma que, em três conversas, ouviu de Cenci o desinteresse em buscar a reeleição. “Eu não queria ir contra ele, mas talvez era para ser nosso destino”, percebe.

Empresário do ramo de laticínios, Cenci afirma não ter tido interesse em ser prefeito. A candidatura no consenso de 2016 ocorreu quando o político cotado desistiu. A busca pela reeleição acontece após “pedido da população pela continuidade do trabalho”.

“Tenho a política no sangue e a missão de querer ajudar as pessoas. Acabei me sentindo no compromisso de tocar mais quatro anos”, resume ao falar sobre a tentativa de segundo mandato ao lado do candidato a vice Paulo Lima (Progressistas).

O ex-casal tem três filhos juntos: Anna Julia (26) Anna Cláudia (24) e Demétrius (22). Ambos os candidatos destacam que eles mostram-se neutros com a eleição e a política passou a ser um assunto tratado apenas fora do âmbito familiar.

 

“A política sempre foi marcada pela briga entre famílias”

O sociólogo Renato Antônio Zanella e o cientista político Fredi Camargo abordam os reflexos de uma eleição entre parentes e percebem a possibilidade do rumo dos votos mudar em função da proximidade entre os candidatos.

A Hora – Na política regional, há outras situações que tenha conhecimento de familiares que disputaram o poder em lados opostos?

Renato Antônio Zanella – Acredito que essa questão de um ex-casal na disputa é inédita. Isso porque as mulheres ocupando espaço de candidata na majoritária era muito raro no passado. A primeira mulher eleita a prefeita no Vale do Taquari foi Íris Rank, em Cruzeiro do Sul (83/89). Ocorre que o espaço da mulher se dá agora até por imposição de lei, pois muito pouco tempo atrás, era o sistema de patriarcado rural. Os homens que enfrentavam esse tipo de desafio e iam para o embate. As mulheres já eram criadas para colher, proteger e cuidar.

Fredi Camargo – A política sempre foi marcada pela briga entre famílias, mas dificilmente temos disputas familiares, pois estas, quando ocorrem, são casos esporádicos.

A Hora – Ex-marido contra ex-mulher e irmãos em coligações opostas. Como explicar que pessoas que tiveram convivência próxima e, acredita-se que visões de mundo parecidas, de repente se separam em uma eleição?

Zanella – Isso só está confirmando que as individualidades estão ficando cada vez mais possíveis de serem externadas. Antigamente tu tinha que ter pensamento único. Hoje se percebe que são duas metades, cada um com seu pensamento. Em algum momento converge, mas também pode divergir.

Camargo – Evidentemente que o caso dos ex-cônjuges é mais fácil de ocorrer, pois uma relação pessoal que não deu certo pode ser transferida para a esfera de disputa política sem problemas. Já o caso dos irmãos, por desconhecer a história pessoal de ambos, podemos sugerir que até mesmo um acerto familiar possa ser a tática utilizada, onde assim, independente de quem entrar, poderá representar o clã no poder. Mas sinceramente não vejo ser este o caso. Pra mim, é uma prova até mesmo de maturidade política de ambos, que poderão defender visões de mundo diferente sem deixar que o lado pessoal seja rompido.

A Hora – A rivalidade familiar pode se sobrepor aos projetos e mudar o cenário eleitoral em algum município?

Zanella – Pode lá na sinaleira suscitar questões que estão ocultas, que são familiares e pessoais. Se não publicamente, mas certamente nos bastidores, a vida dessas pessoas fica exposta. Normalmente, a vida pessoal do candidato não viria à tona se não fosse um caso desses, pois se foca mais na vida pessoal do que na vida profissional.

Camargo – Como dito anteriormente, temos que saber se a rivalidade familiar desencadeou a rivalidade política ou o contrário é que ocorreu. Há alguns casos onde infelizmente a ideologia antagônica entre membros da mesma família pode desestruturar esta relação pessoal. Sobre rivalidade política se sobrepor a projetos, normalmente é o que ocorre. Infelizmente a política eleitoral é um jogo de disputa por poder e esta disputa se sobrepõe, na ampla maioria das vezes, aos projetos comunitários.

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