Um mês para valorizar a vida

Setembro Amarelo

Um mês para valorizar a vida

Campanha Setembro Amarelo busca conscientizar sobre o suicídio

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Atualizado domingo,
13 de Setembro de 2020 às 19:18

Um mês para valorizar a vida

O amarelo colore o mês de setembro para levantar um debate importante e evidenciar uma campanha nacional. O Setembro Amarelo ocorre no Brasil desde 2015 para alertar sobre o suicídio e derrubar as barreiras do preconceito que envolvem doenças como a depressão e ansiedade. Mesmo com cinco anos de existência da campanha, o psiquiatra e doutor em medicina, Rafael Moreno, revela que muitas pessoas desconhecem a ação e temem abordar o assunto.

“Falar sobre suicídio, desde que envolva qualidade no conteúdo da abordagem, é importante para ensinar a população sobre a frequência com que ele ocorre, as possíveis causas e como preveni-las”, destaca Moreno. De acordo com o especialista, o suicídio é uma causa de morte prevenível, assim como o câncer. Esta é a importância do Setembro Amarelo”.

O suicídio, assim como os comportamentos associados, como pensamentos e tentativas, são fenômenos com múltiplas causas, ou seja, o que leva uma pessoa a tirar a própria vida não necessariamente levará outra a fazer o mesmo. Por isso, o médico destaca a importância de abordar o tema com responsabilidade e com embasamento científico. Ao procurar se inteirar sobre, deve-se buscar um profissional ou informações em fontes confiáveis.

“Ouvir uma história de alguém que passou por uma crise suicida, por melhor intenção que tenha, pode influenciar quem ouve a tentar. Nunca devemos abordar o método utilizado para se matar, por exemplo. Isto é um erro comum na imprensa. Devemos falar, mas com cuidado”.

De olho nos fatores de risco

Conforme Moreno, a Teoria Interpessoal do Suicídio, desenvolvida pelo psicólogo alemão especialista em suicídio, Thomas Joiner, destaca dois fatores com a base do comportamento suicida: a sensação de solidão e o sentimento de perceber-se como um peso para outras pessoas.

Em geral, os dois sentimentos aparecem juntos e fazem com que o indivíduo tenha ideias de morte, que apresentam-se como pensar em sumir, caminhar sem rumo ou dormir e não acordar mais. A ideia de suicídio surge quando os dois sentimentos se associam à desesperança.

O que leva o indivíduo migrar do pensamento para a tentativa é a capacidade de executá-la. “Por isso, é preciso estar atento a pessoas que costumam adotar comportamentos de risco, têm algo grau de tolerância a dor, fazem uso de drogas ou têm acesso a meios letais”.

Não existe um fator de risco único, destaca o médico. De forma geral, o comportamento suicida está associado a fatores genéticos, história de vida, sexo, idade, raça, nível de serotonina cerebral, traumas na infância, temperamento e personalidade. Além disso, há também fatores cognitivos, como desesperança, pessimismo, doenças físicas, transtornos psiquiátricos e uso drogas. A situação se agrava quando ocorre um evento estressor, como término de relacionamento, perda do emprego ou desaprovação social.

Existem pesquisas que apontam a genética como um dos principais fatores de risco, além de histórico na família. Pessoas com menor escolaridade, assim como profissionais que atuam em ocupações que não exigem alto grau de instrução, como serviços braçais, também apresentam maiores índices de tentativas, fatores associado à falta de recursos sociais e econômicos.

No geral, homens têm maior risco para suicídio completo, por optarem e terem acesso a métodos mais letais. Porém, mulheres apresentam maior risco para tentativas. Estado de viuvez, em especial, entre os idosos, também exige atenção. No caso dos homens, o risco é maior para quem nunca teve um relacionamento ou está envolvido em mais de um. Para as mulheres, os riscos aumentam depois de divórcio e a partir de um segundo casamento.

Quem trabalha e estuda apresenta menor risco, assim como pessoas aposentadas por tempo de trabalho. “Pessoas que se declaram como do lar, desempregadas por opção, bem como quem está em auxílio-doença ou aposentado por invalidez se enquadram como maior risco”.

Além disso, traumas como negligência física e emocional, abusos físicos, sexuais e emocionais durante a infância também são fatores de risco. Os abusos emocionais se destacam neste cenário. “Palavras constroem a nossa personalidade. Se a pessoa cresce ouvindo coisas ruins, montará a sua personalidade em cima disso. O principal fator de risco para migrar do pensamento para a ação é o abuso emocional, segundo a minha dissertação de mestrado”.

Por fim, transtornos mentais, quando não tratados da forma correta, aumentam o risco para o suicídio. “Pesquisas apontam que 90% das pessoas que tiraram a própria vida tinham algum transtorno mental”. Entre eles, aparecem os transtornos de humor, como depressão e bipolaridade; transtornos relacionados ao uso de drogas; transtornos de personalidade, como o borderline; e transtornos psicóticos, como a esquizofrenia.

Saiba como ajudar

A Hora – É possível prevenir o suicídio? A pessoa que pensa em tirar a própria vida demonstra sinais?

Rafael Moreno – Sim, pode ser prevenido em boa parte dos casos. O adequado reconhecimento e tratamento de transtornos mentais evitam a progressão para uma tentativa de suicídio. A maioria das pessoas que se matam não estavam em tratamento ou o faziam de forma irregular. Uma pesquisa da revista Lancet, do Reino Unido, mostrou que ao aumentar a cobertura de profissionais de saúde para o tratamento de depressão, os suicídios se reduzem. Infelizmente ainda existe uma baixa disponibilidade de profissionais de saúde mental no mundo, e mesmo entre estes, boa parte não está atualizado sobre como identificar e tratar de forma adequada os pacientes. Este assunto deveria ser mais abordado dentro das faculdades da área da saúde.

Não existe um sinal único, são sinais muito sensíveis, aos quais devemos ficar atentos. Um deles é a piora da ansiedade, que reflete em inquietude, preocupações, tensão ou irritação. Outro sinal é a insônia, que também impactará no humor. Sintomas psicóticos, como ideias delirantes e mania de perseguição, ou alucinações, como ver ou escutar coisas que não existem, também são sinais de alerta para a possibilidade de uma tentativa de suicídio. Por fim, há avisos, como uma preparação ao organizar distribuição de bens e seguro de vida, e a verbalização da vontade de sumir, de não acordar mais, ou mesmo de um plano.

– Como ajudar alguém que demonstra estes sinais e como cada um pode buscar ajuda para si?

Moreno – A pessoa deve procurar ajuda o mais breve possível, de preferência, com um psiquiatra e/ou psicólogo. Devemos entender que ideias suicidas são um sintoma grave e devem ser avaliadas por algum profissional de saúde. Muitas pessoas acham que o ato de conversar, orar ou trabalhar mais faz com que as ideias suicidas sumam. Mas não é bem assim. Em aproximadamente 8% dos casos, a ideação suicida migra para uma tentativa de suicídio. Portanto, a ideação suicida deve ser avaliada por algum profissional de saúde.

Se você conhece alguém que demonstra os sinais, o primeiro passo é conversar sobre. Não podemos ter medo de abordar o assunto. Haverá quem vai negar ou ficar irritado, mas a maioria das pessoas se sente a vontade e acolhida com este gesto. Depois de identificar os sinais, a pessoa precisa receber atendimento profissional. Não basta apenas orientar, indivíduos nesta situação precisam de ajuda para procurar o suporte. O Centro de Valorização da Vida (CVV), também é uma excelente ferramenta. Ao ligar para o número 188, o indivíduo pode conversar com algum voluntário, sem medo de ser criticado. Qualquer unidade de saúde também deve estar preparada para uma avaliação inicial e encaminhamento para o serviço mais adequado para o paciente.

– Qual a relação do momento que vivemos com os transtornos mentais e a prevenção do suicídio?

Moreno – A pandemia está nos ensinando várias coisas, e uma delas é de que não é possível ser saudável sem saúde mental. Apesar do Brasil já ter passado mais de 100 mil mortes por COVID-19, provavelmente as maiores cicatrizes desta pandemia serão as psicológicas. No início da pandemia o pânico se instalou. A ansiedade da população cresceu. Agora, no meio da pandemia, pelo isolamento social prolongado e as consequências econômicas, a depressão está se instalando. As pesquisas que estudam a psicologia de epidemias mostram que os suicídios aumentam após uma epidemia, porque a soma da ansiedade e da depressão, com a falta de esperança aumenta o risco de suicídio. Nunca foi tão importante investir em saúde mental para prevenção de problemas mentais.

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