TRAUMAS DA ENCHENTE DO SÉCULO

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TRAUMAS DA ENCHENTE DO SÉCULO

Reportagem do A Hora percorreu a região para contar algumas das tantas histórias de quem viveu a maior enchente do Vale do Taquari em 64 anos

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TRAUMAS DA ENCHENTE DO SÉCULO
Créditos: Aldo César Lopes
Vale do Taquari

Depois da água, a volta para casa. Após mais de 48 horas de uma enchente histórica, a região contabiliza os prejuízos e busca se organizar. Desde a madrugada dessa quarta-feira, 8, pessoas tiveram as casas rompidas pela força da água, outras tiveram de deixar pertences para trás e se abrigar em alojamentos e há quem tenha sofrido prejuízos em seu estabelecimento comercial ou propriedade rural.

Pelo menos 700 famílias tiveram de sair de casa. Imóveis ficaram condenados em Estrela, Arroio do Meio e Muçum. Ao longo da sexta-feira, a reportagem do A Hora percorreu a região para contar algumas das tantas histórias de quem viveu a maior enchente do Vale do Taquari em 64 anos.

“O trabalho de uma vida se perdeu em algumas horas”

O cenário era de devastação na Campos Sales, rua do Bairro Navegantes, em Arroio do Meio. A residência da família de Luís Fernando Fernandes foi uma das totalmente destruídas pelas águas do Taquari.

Construída por sua avó cerca de 60 anos atrás, por uma década, serviu de lar para a mãe de Fernandes. Recentemente, a família investiu mais de R$ 20 mil em reformas. “O trabalho de uma vida se perdeu em algumas horas”, lamenta.

Na quarta-feira ao meio-dia, a água chegou próximo do piso da casa. A família começou a subir os móveis. Entretanto, o nível do rio surpreendeu a todos e invadiu mais de dois metros da residência. Quando perceberam o tamanho que a enchente teria, era tarde para salvar a maioria dos eletrodomésticos.

Com a casa destruída, a família conta com a solidariedade de uma vizinha que cedeu a casa temporariamente.
Fernandes e os vizinhos criticam as previsões equivocadas. Conforme ele, órgãos de segurança informavam a subida da água aos 24 metros, quando na realidade o nível chegou aos 27,39 metros.

Em Arroio do Meio, a casa da família Fernandes ficou destruída / Crédito: Fábio Kuhn

Cemitério devastado

Quando chegou ao cemitério municipal, o dono de funerária Elton Pezzi mal acreditou no cenário que viu. “Parecia algo macabro. As covas ficaram abertas, o que tinha de caixão em túmulo foi embora”, relata.

Muçum foi uma das cidades mais afetadas pela enchente. Ele estima que mais da metade de cidade tenha ficado devastada. O impacto começou pelo cemitério e pelas casas da parte baixa da cidade. A cachoeira do bairro Fátima faz com que a água chegue ali com bastante violência.

“Eu acho que alguma pessoas não vão querer ficar. Muçum é ótimo de se morar, mas parece que teve um terremoto. Acabou com a cidade.”

No municípios, cerca de 12 casas foram levadas pela água ou ficaram destruídas. Pezzi conta que em uma propriedade, a água carregou um paiol inteiro, com as ordenhadeiras. Na quinta-feira, em meio aos estragos, foi enterrado no cemitério o morador mais velho do município, Angelo Scottá, que faleceu aos 101 anos.

No cemitério de Muçum, um cenário de devastação e túmulos abertos / Crédito: Juremir Versetti/Chinelagem Press

“Morei dois dias dentro do carro”

Pescador profissional, Silvam Ferrão mora próximo à barranca do rio, na Rua dos Marinheiros, em Estrela. Quando o nível da água chegou aos 25 metros, invadiu a residência. Sem a possibilidade de retirar os pertences, decidiu abandonar o lar e cuidar da própria segurança. “Pensei: vou me salvar e salvar meu carro”, conta.

Ferrão entrou no seu Toyota Corolla e dirigiu até um ponto mais alto do bairro. A saída foi se abrigar no veículo. “Morei dois dias dentro do carro”. Da casa, nada se salvou. Foi a terceira vez que ele perdeu tudo em uma enchente. Pelo menos 30 casas foram interditadas no município.

 

Silvam Ferrão mostra o nível que a água chegou em sua casa, em Estrela / Crédito: Gabriel Santos

48 horas ilhados

Além das famílias que deixaram suas casas, em Lajeado, outros moradores tiveram menor impacto em seus imóveis, mas não puderam sair deles. Alguns moradores chegaram a ficar 48 horas ilhados. É o caso da confeiteira Luana Dallé, moradora da rua Alberto Torres.

Quando saiu para trabalhar na quarta-feira pela manhã, a água começava a chegar até o edifício. “Pensei que se já estava naquele nível, poderia subir e eu não conseguiria votar. Decidi ficar”, conta

Por volta das 10h30, a energia elétrica foi cortada. Os moradores do edifício permaneceram sem luz até a manhã da sexta-feira. Luana pondera que pelo menos não teve prejuízos grandes como o de outros moradores. Perdeu apenas a comida da geladeira.

Durante a madrugada, ela e a colega de apartamento se revezavam para manter a vigília e ver até onde a água chegava. A água chegou a entrar no apartamento, que fica no nível 24,30.

“Eu jamais imaginaria um barco passando na minha sacada ou que eu tinha um apartamento com vista panorâmica pro Taquari. Seria cômico se não fosse trágico”.

 

Após dois dias ilhada, moradora do Centro observa os estragos na vizinhança / Crédito: Matheus Chaparini

Ginásio vira residência

Mais de cem casas tiveram fortes abalos estruturais no município de Encantado, de acordo com a Defesa Civil municipal. O bairro mais afetado foi o Navegantes, mas a enchente também causou transtornos na Vila Moça, Barra do Jacaré e nas proximidades do caminhódromo, no Centro.

Ao longo da sexta-feira, ainda havia famílias procurando abrigo nos alojamentos públicos montados no parque João Batista Marchese. “Como a água baixou, algumas pessoas tentaram voltar para casa, mas encontraram o imóvel rachado ou sem condições”, explica o coordenador da Defesa Civil do município Roberto Pretto.

Ao todo, a enchente afetou mais de 2,8 mil pessoas e 700 casas. Destas, pelo menos 180 famílias tiveram de deixar suas casas.

 

Crédito: Gisele Feraboli/Divulgação

Muçum é ótimo de se morar, mas parece que teve um terremoto. Acabou com a cidade.”
Elton Pezzi, empresário

Algumas pessoas tentaram voltar para casa, mas encontraram o imóvel rachado ou sem condições”
Roberto Pretto, coordenador da Defesa Civil de Encantado

Eu jamais imaginaria um barco passando na minha sacada (…) Seria cômico se não fosse trágico.”
Luana Dallé, moradora de Lajeado

Colaboraram: Fábio Kuhn e Gabriel Santos

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