Parcerias, investimento e promessa de tratar 90% do esgoto

Novo plano de saneamento

Parcerias, investimento e promessa de tratar 90% do esgoto

Vale tem índice menor do que a média estadual. Enquanto o RS registra tratamento de 32% dos efluentes domésticos; na região, Codevat estima 11% de cobertura. Aprovação do marco legal pelo Senado cria segurança jurídica para investimento privado, afirma secretário estadual de Meio Ambiente, Artur Lemos Júnior

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Parcerias, investimento e promessa de tratar 90% do esgoto
Índice de tratamento de esgoto nos municípios do Vale do Taquari é inferior à média do estado. Créditos: ARQUIVO A HORA
Vale do Taquari

Abastecimento de água, drenagem das ruas, coleta de lixo e esgoto. Esses quatro aspectos sustentam o conceito de saneamento básico. De todas elas, o Vale do Taquari tem como gargalo a receptação e tratamento dos efluentes domésticos.

Após décadas de ausência de políticas públicas para criar um sistema capaz de reduzir a poluição dos mananciais, o parlamento aprovou o novo marco legal do saneamento básico. Entre as metas do texto está alcançar 90% do esgoto tratado até 2033.

Uma meta audaciosa e, pelo histórico nacional, difícil de acreditar, analisa o professor e pesquisador da Univates, Odorico Konrad. “É preciso olhar os contratos. Lajeado, Estrela, as maiores cidades da região, tem acordos com a Corsan para os próximos dez a 20 anos. A lei não sobrepõe o que foi assinado antes”, alerta.

Conforme dados do IBGE, o RS trata 86% do esgoto. À priori parece um índice alto, mas essa análise do instituto considera também as residências com fossa, filtro e sumidouro. Um sistema falho, em especial nas áreas urbanas e de grande densidade demográfica, pois precisa de limpeza periódica, a cada seis meses, o que não costuma acontecer, afirma Konrad.

Os índices oficiais de tratamento dos efluentes são distintos entre as instituições de pesquisa e órgãos públicos. Enquanto o IBGE mostra um percentual alto, o governo do Estado aponta que essa coleta e tratamento dos efluentes atinge 32% das residências. Tabulação de dados feita pelo Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat) estima 11% de tratamento no Vale.

Na análise de Konrad, esses números não condizem com a realidade. “No Vale do Taquari não chegamos a 5% de tratamento do esgoto. Há uma estação em Lajeado, que tem problemas para coleta no bairro Moinhos, algumas de menor porte em Estrela. Também há condomínios, loteamentos com sistemas próprios. Mas isso não alcança 11%”, afirma.

Aumentar esses índices é o objetivo do novo marco nacional do saneamento básico, aprovado no dia 25 de junho. O plano cria a possibilidade de parcerias público-privadas para investimentos, projetos e concessões nas quatro áreas.

O governo do Estado estuda um plano de investimentos no Vale do Taquari via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Modelo semelhante ao que está em andamento para a bacia do rio do Sinos e Gravataí.

Rios poluídos

Com um índice pífio de tratamento dos efluentes, o Vale do Taquari tem uma das bacias hidrográficas mais poluídas do RS. Conforme Konrad, ainda que o modelo previsto pela legislação das cidades, de fossa, filtro e sumidouro esteja presente em 90% das residências, a falta de manutenção faz com que o material orgânico, depois de encher os recipientes, se espalham pelo solo.

Outra dificuldade é a ligação do esgoto das casas direto na rede pluvial. Os resultados dessas duas práticas são o mau cheiro nas ruas, a contaminação de arroios, córregos e rios. Em períodos de estiagem, a situação fica mais visível.

Os materiais orgânicos se acumulam nos trechos onde corria água. Levantamento do Comitê da Bacia Hidrográfica Taquari/Antas mostra que das 32 sub-bacias, os níveis de oxigênio são baixos, com alta taxa de contaminação por coliformes fecais e fósforo, o que inviabiliza irrigação de hortaliças, uso para recreação e a sobrevivência dos peixes.

Leis recentes, falha na execução e desinteresse da população

O engenheiro ambiental e professor da Univates, Marcelo Luís Kronbauer, realça que o processo regulatório sobre o saneamento no país é recente. De acordo com ele, a evolução nessas leis começou em 2007, quando foram definidas responsabilidades específicas da União, estados e municípios. “A questão é que há uma descontinuidade em relação aos investimentos e ações dos governos. Por outro lado, há um desinteresse ou desinformação por parte da população que não participa de forma ativa do processo.”

Dos quatro itens que compõem a temática, Kronbauer frisa que dois tem bons resultados. Para ele, o abastecimento de água tem uma grande abrangência na região. Por outro lado, há um problema com relação às perdas no sistema urbano.

Sobre a coleta de lixo, afirma que há bons índices de cobertura na região. “A grande questão aqui envolve o grande volume de material enviado para os aterros e que poderia ser reciclado ou reaproveitados.” Já no quesito drenagem das ruas, alerta para a expansão urbana. Esse avanço reduz a capacidade de absorção do solo e a recarga de aquíferos é comprometida. “O volume de água da chuva acaba escoando direto para os cursos de água. Isso potencializa as inundações.”

Kronbauer corrobora sobre a deficiência no tratamento dos efluentes domésticos. “É o eixo com os piores indicadores. Não temos redes coletoras instaladas em nossas ruas, ou mesmo sistemas de tratamento. Não à toa temos quase que a totalidade de nossos rios e arroios poluídos.”

O professor critica a forma com que se deu a aprovação do novo marco regulatório. Para ele, isso não poderia ocorrer em meio à pandemia. Quanto à entrada de capital privado, alerta: “as experiências de privatização na água e do saneamento público ao redor do planeta levaram a um aumento das tarifas, redução de investimento e interrupção da ampliação da rede de serviços.”

Uma estação em uso

Das duas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) construídas na região, apenas a de Lajeado, no bairro Moinhos está funcionando. A de Encantado, com obra iniciada entre os anos de 2011 e 2012, nunca operou.
O investimento em cada uma delas se aproximou dos R$ 2 milhões. Problemas no projeto, em especial na ligação entre domicílios e a estação são apontados como o motivo.

Conforme a estatal, a unidade está licenciada e as visitas técnicas foram feitas, com as famílias cadastradas. Para dar início à ligação, diz a Corsan, seria necessário um trabalho socioambiental nas casas aptas. Isso ocorreria em março mas foi adiado devido a pandemia.

Em Lajeado, conforme o gerente da Corsan, Alexander Pacico, a estação trata os efluentes de 300 residências. O complexo foi projetado para operar com oito litros de esgoto por segundo e tem capacidade para atender mil economias.

De acordo com ele, a implantação de um sistema de tratamento de esgoto em Lajeado é uma obra complexa, pelo impacto na mobilidade urbana e também devido ao solo rochoso da cidade.

A Corsan pretende ampliar o número de residências ligadas na ETE. O gerente afirma que moradores do bairro Florestal serão informados sobre a possibilidade de ligar a tubulação do esgoto na estação. O plano é incrementar em 500 residências o total de hoje.

“É certo que a Corsan não continua no modelo atual”

Artur Lemos Júnior, Secretário Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura. A possibilidade de privatização dos serviços de água e esgoto é um dos pontos elogiáveis da nova legislação na opinião do secretário.

A Hora – Qual a avaliação do Estado sobre o novo marco legal do saneamento?

Artur Lemos – Um dos pontos principais é a segurança jurídica. Vai possibilitar que empresas públicas e privadas trabalhem juntas para atingir as metas. O texto traz uma previsão de soluções pontuais, em especial no tratamento do esgoto, que é a principal dificuldade hoje.

A grande maioria das cidades tem esse modelo de fossa, filtro e sumidouro. O que não resolve. Temos a Corsan, que tem a premissa de fazer essa coleta e tratamento, mas não faz. E isso será resolvido. Outro ponto importante está nas metas, pois o marco traz um planejamento do que queremos em termos de país dos nossos recursos hídricos. No caso da Corsan, o que estamos demonstrando é que o atual modelo não é eficaz. Precisamos trazer recursos privados e a expertise dessas empresas.

– Qual a realidade do RS hoje no que tange o tratamento dos efluentes domésticos?

Lemos – Os indicadores são difusos hoje. Pelo IBGE, temos 86% dos efluentes tratados. Esse percentual é daquele esgoto que afastamos da residência. Não enxergamos para onde ele vai. Quer dizer que se trata? Não. Dá uma falsa impressão de que está resolvido. Só vemos o problema disso quando acontece a degradação do manancial, da mortandade dos peixes e da poluição dos rios. Estimamos que 32% dos efluentes sejam tratados no RS. A Corsan representa 17% desse serviço. Para termos melhorias nesse tratamento, temos de associar políticas ambientais, com programas de revitalização, como está ocorrendo na bacia do Rio Gravataí e Sinos, que estão entre os mais poluídos do país.

– O Vale do Taquari tem índices piores do que outras localidades. Como reverter isso?

Lemos – É uma região produtiva, com uma forte contribuição na economia do Estado e tem de ter serviços básicos exigidos pela população. Posso antecipar que o Vale do Taquari é objeto de avaliação do BNDES para uma eventual parceria público-privada. O modelo segue os moldes da Região Metropolitana e vemos como importante para atingir as metas de saneamento. A população pode ter certeza, a atuação do governo tem como objetivo atingir os 90% de tratamento do esgoto até 2033.

– Como fazer com que saia do patamar irrisório de hoje para esses 90% em treze anos?

Lemos – O modelo de licitações atual tem problemas e dificulta obras de estações de tratamento. Primeiro se faz a estrutura, do complexo de tratamento, para depois a seleção da empresa para a rede coletora. Com organizações diferentes, as obras costumam dar problemas e, por vezes não funcionam, como em Encantado. Isso é gestão. Não se pode concluir uma estação dissociada da rede de coleta. Para sair desse percentual, temos de investir. É certo que a Corsan não continua no modelo atual. Se funcionasse bem, já teríamos os 90% de tratamento. Estamos alterando alguns paradigmas na companhia, instituindo regras e estratégias corporativas para evitar falhas. Para isso, é necessário ter um ciclo de monitoramento e trazer o setor privado, em conjunto com o público, para evoluirmos no tratamento do esgoto.

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