Escrever. Contar as sensações, as transformações, o tratamento e também informar. Essa foi a
forma encontrada pela jornalista Nicole Sberse Morás, 31, para lidar com o câncer. Como
resultado, fez uma legião de seguidores e passou a trocar experiências com pessoas de todo o
país.
Essa história começou faz pouco mais de um mês, logo quando veio o diagnóstico de um
tumor maligno em um dos seios. “O pior momento para mim foi quando esperava o resultado
dos exames. Conviver com aquela ansiedade do sim ou não foi muito difícil.”
Ela se preparou para o pior. Projetou os seus movimentos e decidiu que era hora de tornar a
dificuldade em força. Funcionária do setor de imprensa da Univates, criou o perfil no instagram
@deumpeitoaberto.
O diário sobre o tratamento se tornou em mais um objetivo de vida. Sempre quis algo autoral,
um espaço para escrever sobre aquilo que gosta. A primeira opção seria sobre viagens, livros,
filmes, comportamento. No fim, o tema se tornou a luta contra o câncer. “Veio da necessidade
de mostrar às pessoas o que acontece. O que sinto. Afinal, tentar educar. Falar da importância
da prevenção e o que temos disponível.”
Antes de colocar o perfil na web, precisava contar para os amigos mais próximos. Adotou
como estratégia falar da situação por meio de vídeos. Foi uma forma de evitar as reações de
espanto, sofrimento e pena. Tudo acompanhado de perto pela irmã Larissa, 24.
“Me tornei uma digital influencer”, brinca Larissa. “Sim, ela fica me cobrando. Tem que postar
isso. Vamos lá, faz um storie de tal coisa”, reforça Nicole. Nestes pouco mais de 30 dias do
perfil, já passa de mil seguidores. “Recebo muita força. Muitas mensagens de carinho. Está
sendo uma experiência maravilhosa”, diz a jornalista.
Chegam relatos de mulheres de todo o país. “Muito bom compartilhar essas experiências.
Mostra que não sou a única.” Lidar com a situação fez com que também explorasse novas
formas de ver o mundo.
Nicole se transforma. Começou cortando o cabelo. “Para mim, mulher de cabelo curto
transparece força. Preciso disso e também já estou me acostumando para quando o cabelo
cair por causa da quimioterapia.”
Nicole e a irmã Larissa são portadoras da mutação BRCA 1. Essa alteração ficou mais conhecida
após a atriz de Hollywood Angelina Jolie retirar as duas mamas. Provoca no corpo mais
dificuldade em combater células cancerígenas. Pessoas com essa genética têm 85% a mais de
chance de desenvolver câncer.
Atinge tanto mulheres como homens. Na maioria dos casos, é transmitida pelo DNA. Com o
diagnóstico positivo, é aconselhado o acompanhamento semestral e também a retirada das
mamas até os 40 anos. Isso diminui a chance de desenvolver o câncer para 5%.

Fotos de Vania pela casa ilustram a luta de toda a família contra a doença. A mãe de Nicole e Larissa enfrentou o
câncer por três anos
“Minha mãe salvou minha vida”
As duas irmãs passaram por exames genéticos. Em Larissa não houve indicativo de tumor. Para
evitar a doença, inclusive já programa a retirada das mamas. A procura por uma explicação
sobre a incidência na família surgiu com a história da mãe delas. Vania lutou contra o câncer
por três anos. Ela morreu no dia 28 de setembro do ano passado aos 57 anos.
Descobriu a doença no fim de 2016. Naquele período, relembra Nicole, a família enfrentava
problemas devido ao quadro de saúde da avó, que estava sofrendo de ansiedade. A mãe da
jornalista apresentava os sintomas, mas não tinha o diagnóstico. Até que descobriu o câncer
colorretal.
Em janeiro de 2017, Vania começou a quimio e a radioterapia. Sofreu muitas
reações e ela perdeu parte do intestino. “Foi um proces- so bem complicado. Ela ficou todo
aquele ano de cama. Não podia trabalhar, mudou tudo.”
Na época, Nicole fazia mestrado em Porto Alegre. “Era uma jornada tripla. Continuei
trabalhando, estudando e ficando o máximo que podia ao lado da mãe.” A descoberta da
doença uniu a família. “Encontramos uma força que não sabíamos.”
Após todo o tratamento do câncer no intestino, um exame para ver se estava curada mostrou
um novo tumor no seio. O ano de 2018 começou com um novo desafio. Sessões de quimio e
radioterapia de novo. Vania enfrentou bem essa etapa, conseguiu recuperar a vida quase na
normalidade.
Em 2019, porém, apareceram metástases do primeiro câncer no fígado. O corpo mostrava que
não tinha mais condições de se recuperar.
Na casa deles, as fotos mostram o impacto da doença em Vania. Lembrar desses dias
emociona a todos. “Passamos por muita dificuldade. Agora temos mais uma luta para
enfrentar. Agora vai ser diferente”, acredita o pai de Nicole, Vilso, 63.
A luta de Vania ensinou muito a Nicole. “Minha mãe salvou minha vida. Pois tudo o que ela
enfrentou, me fez ir atrás e descobrir a doença. Ela me preparou para esse momento”.
O câncer de Nicole está na fase inicial, tem pouco mais de um centímetro e está em um dos
seios. O que representa mais chance de vencer a doença. Ela começa as sessões de
quimioterapia na próxima quarta-feira. Ao todo serão 16 aplicações. O tratamento termina na
metade do ano. Depois disso, fará uma cirurgia para retirada das mamas.

Aos 31 anos, Nicole descobriu uma mutação genética que aumenta a incidência de câncer. Ela começa a quimioterapia na próxima quarta-feira
Em busca de autoconhecimento
Tudo o vivido por Nicole durante os três anos de tratamento da mãe e o diagnóstico no fim do
ano passado mudaram a forma dela ver o mundo. “Nós passamos a ter menos ambição
material. Na família toda, começamos a valorizar mais os momentos juntos, as pessoas, o
convívio. Para mim, a doença se tornou uma oportunidade de ressignificar o câncer.”
Desde a morte da referência feminina dela, precisou se voltar para si própria. “Preciso me
conhecer melhor. Ter consciência de como reajo às emoções, pensamentos e sensações.”
Essa forma diferente de lidar com a doença tem por objetivo superar toda a dificuldade vista a
partir da experiência da mãe. Para conseguir um pouco mais de força, ganhou de presente dos
pais de uma amiga uma viagem para o Canadá, para visitar o namorado, Anderson. “Pude
passar uns dias com ele antes de começar o tratamento. Pegar essa força, esse carinho.”
O namorado virá ficar com ela quando estiver na metade do tratamento. Junto com esse apoio
de diferentes frentes, também conta com acompanhamento psicológico e dedica alguns dias
por semana para praticar ioga.
Em meio aos exercícios de meditação, busca nos ensinamentos da filosofia oriental formas de
estar mais conectada com o presente. Uma técnica para reduzir o sofrimento com as
preocupações futuras.
Campanha nas redes
Gostaria de ser mãe? Nicole não tem resposta para esta pergunta agora. Justo por isso,
resolveu congelar óvulos e pesar após vencer o câncer. Esse procedimento custa pouco mais
de R$ 20 mil. Para ter essa possibilidade de escolha, criou uma vaquinha online.
A quimioterapia pode gerar infertilidade. Por isso, Nicole abriu essa campanha. Nesta semana
foi feita a coleta dos óvulos. “Não é simples. Estou fazendo isso para futuramente, se eu quiser ser mãe, ter essa oportunidade, pois neste momento não tenho condições de saber se vou
querer ter filhos ou não.”
Para contribuir e saber mais sobre a campanha, acesse: https://www.vakinha.com.br/.
FILIPE FALEIRO – filipe@jornalahora.inf.br