“Fico muito triste, pois sou das antigas”. Há três anos, o jornalista e empresário Daniel Rech, 41, mudou-se de Porto Alegre para Lajeado. Cinéfilo convicto, logo encontrou na videolocadora um de seus locais favoritos. Em breve, porém, não terá mais onde locar filmes na cidade.
Situada na rua Bento Gonçalves, a Calypso Videolocadora resistiu ao tempo enquanto pôde. Mas agora está com data marcada para fechar as portas: 28 de fevereiro. “Para nós, que gostamos de ter os filmes físicos, é um pouco triste. Recebi com grande pesar a notícia do fechamento”, comenta Rech, que, em três anos, alugou 380 filmes.
Aberta em 1995, estava desde 2001 sob gestão de Jorge Machado de Souza, a Calypso. Das fitas VHS, ao DVD e ao blu-ray, viu aos poucos as demais videolocadoras do município sumirem. Até sobrar apenas ela.
Mesmo em um cenário desfavorável, Souza encerrará as atividades da Calypso com 668 clientes ativos – aqueles que locaram algum filme nos últimos seis meses. Por isso, afirma que o negócio ainda era rentável. Mas se tornaria inviável em pouco tempo.
“Ela dava retorno, ainda se paga. Sempre tem dinheiro para pagar as contas. Mas a situação se agrava desde setembro, pois está diminuindo a quantidade de títulos. Se tu não tem mais lançamentos, fica sem clientes”, justifica.
De fato, os números ajudam a explicar como o mercado entrou em decadência. No período de maior bonança, entre 2004 e 2006, a videolocadora tinha uma média de 150 a 180 novos títulos de filmes por mês para escolher. Até o ano passado, esse número variava entre 40 e 50. “Neste mês, por exemplo, tive a oferta de apenas 18. É totalmente inviável manter assim”, comenta Souza.
No seu auge, a Calypso chegou a registrar, em 2003, a locação de 1.824 títulos num mesmo dia. “Era um sábado chuvoso, aquilo foi uma loucura. Naquela época trabalhávamos das 9h às 21h. A procura era muito grande”, lembra.
Fiel às origens

Loja de Mota se readaptou ao mercado, mudando de segmento em 2017
Com a queda repentina no movimento de clientes, videolocadoras precisaram se reinventar para não quebrar, mesclando outros serviços com a locação de vídeos. A Calypso, entretanto, manteve-se sempre fiel à sua proposta original.
Para manter sua clientela, a estratégia era a mesma. “Sempre trabalhamos com a ideia de ser referência no mercado. E contávamos com um acervo diferenciado, incluindo cinema alternativo, filmes europeus e orientais”, lembra Souza.
Se a Calypso manteve suas origens até o fim, outra videolocadora tradicional da cidade buscou novos ares. Até 2017, a Ponto Forte se dedicava à locação de filmes. Mas os proprietários migraram para a venda de acessórios para celular e assistência técnica.
A Ponto Forte surgiu em 1995, sediada no bairro São Cristóvão. Em 2006, abriu uma nova unidade, na Bento Gonçalves, onde permanece até hoje com o mesmo nome. “Nossa loja era bem forte. Nos sábados, vinham famílias e faziam quase um rancho. Era uma época muito boa, interagíamos muito com as pessoas”, lembra Cristiano Mota, um dos proprietários.
Mota diz que só foi entender o porque da decadência das videolocadoras justamente quando passou a trabalhar com celulares. “Foi um meio de interatividade que surgiu. Perdemos o público adolescente e não tínhamos mais aquela cena das famílias vindo locar filmes para o fim de semana”, lembra.
“A internet acabou com tudo”

Xock Vídeos em seus últimos dias: atividades foram encerradas em 2011
O ano era 1986. As fitas VHS eram moda no Brasil e as videolocadoras se multiplicavam pelos grandes centros. Lajeado contava com apenas duas, até que Luis Carlos Gressler, na época com 32 anos, decidiu abrir seu estabelecimento, na avenida Benjamin Constant, próximo à Padaria Suíça.
Em pouco tempo, a Xock Vídeos se tornou a mais popular da cidade. “Das duas locadoras que existiam antes de nós, uma fechou e a outra compramos. No auge, chegamos a ter quatro lojas, sendo uma delas no Shopping”, lembra Gressler.
A chegada do DVD também foi impactante no mercado. Tão rápido quanto ela, porém, foi a decadência. “Em questão de dois anos, a internet simplesmente acabou com tudo. Nós entramos no mercado certo, na hora certa. E também saímos dele no momento ideal. Se continuasse com o negócio até hoje, teria quebrado umas dez vezes”, admite.
Aos poucos, Gressler foi se desfazendo de suas lojas até fechar, em 2011, a última delas. Atualmente com 62 anos, trabalha como consultor de vendas. Para ele, a chegada das primeiras videolocadoras em Lajeado supriu uma lacuna.
“O final de semana era uma loucura na locadora, principalmente quando tinha feriadão ou o tempo estava chuvoso.
As locadoras eram o xodó do momento. Naqueles tempos, Lajeado tinha carência de cultura. Hoje temos o Teatro Univates, o teatro do Sesc, o Shopping. Antes. Nada disso existia”, pontua.
Futuro
Jorge Machado de Souza recebeu três propostas para a ocupação do espaço onde hoje é a Calypso. Ele está avaliando as possibilidades para o futuro. Quanto ao acervo, é possível adquirir alguns filmes. Em uma das promoções, o cliente pode pagar R$ 20 por três DVDs.
LINHA DO TEMPO
Década de 1980
• Surgem as primeiras videolocadoras no Brasil, embaladas pelo sucesso das fitas VHS (video home system). Em Lajeado, os primeiros registros datam da primeira metade da década;
Década de 1990
• As videolocadoras atingem o seu auge e estão presentes em quase todas as cidades brasileiras;
• Em Lajeado, o número de estabelecimentos foi crescendo significativamente. Filmes como Titanic (1997) arrastavam multidões às videolocadoras;
Década de 2000
• A virada do século traz importantes transformações tecnológicas, com a chegada do DVD. Aos poucos, ele foi tomando conta do mercado. Lajeado atinge seu auge, com cerca de 50 videolocadoras em funcionamento;
• Ao mesmo tempo, o serviço de TV a cabo crescia e a internet avançava. A pirataria também aumentava, possibilitando pessoas adquirirem filmes recém lançados a preços desleais ou através de donwloads na rede;
Década de 2010
• Com o acesso a internet cada vez maior, os serviços de streaming deslancham, com destaque para o Netflix e a Amazon;
• Locadoras, que já registravam queda acentuada de clientes no final da década anterior, começam a encerrar suas atividades. Outras agregam diferentes serviços para sobreviver;
• Maior rede de videolocadora do mundo, a norte-americana Blockbuster, que chegou a ter mais de 9 mil lojas espalhadas, decreta falência e fechou suas últimas 300 unidades em 2013.