“O clássico nunca será uma língua popular”

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“O clássico nunca será uma língua popular”

Durante mais de 15 anos, o professor Roque Danilo Bersch, 78, ensinou Latim na Univates. Agora, se diverte encontrando referências do idioma ancestral no cotidiano. • Uma das expressões mais conhecidas em latim é carpe diem. Como você interpreta isso…

“O clássico nunca será uma língua popular”
oktober-2024

Durante mais de 15 anos, o professor Roque Danilo Bersch, 78, ensinou Latim na Univates. Agora, se diverte encontrando referências do idioma ancestral no cotidiano.

• Uma das expressões mais conhecidas em latim é carpe diem. Como você interpreta isso no contexto que enfrentamos hoje?

Significa aproveitar o tempo. É usada com o sentido de aproveitar a vida. Tem o significado de a gente se preencher com desejos, sonhos. Que a gente use o tempo com sabedoria. Carpe significa cultivar. Daí, a gente tem o verbo carpir, de carpir a roça, que significa aproveitar bem o chão.

• Há um poema do Olavo Bilac que se refere à Língua Portuguesa como “última flor do Lácio”. Isso é inspirado na ideia de que o latim é uma língua morta?

Lácio é a região na Itália onde floresceu a língua latina. O Império Romano foi conquistando as terras em sua volta, se impondo não só pela espada, mas pela cultura. A Língua Latina foi sendo usada por ser prática. Essa expressão é uma referência à cultura daquela região. Em cada lugar, o latim se misturava à língua nativa, e surgiram as várias línguas que chamamos de neolatinas. O Português é a caçula das que vieram do Lácio.

• No Direito, o latim faz parte do ‘juridiquês’. O que você pensa sobre o desuso desses termos para uma compreensão mais inclusiva?

Na verdade, o Direito não usa a língua, e sim expressões. Sabemos que, no Ocidente, o Direito tem origem no Direito dos romanos. No seu registro clássico, a língua também foi muito bem construída, por isso prevaleceu. Só que as novas línguas não eram completas como hoje. No Direito, os juristas percebiam que não conseguiam se expressar com tanta precisão em outras línguas, como o Português. Durante a Idade Média, cientistas de todas as áreas se comunicavam apenas em latim. Em congressos, falava-se o latim, assim como hoje usa-se o inglês. Nas produções intelectuais, havia momentos em que se recorria ao latim porque todos entenderiam. De todas as línguas neolatinas, o italiano é a que mais se aproxima do latim.

• Se por um lado não temos latim no ensino formal, por outro, o idioma ganhou espaço na publicidade, na literatura – vide Harry Potter. O futuro é mais pop do que erudito?

Nesse sentido, se trata de iniciativas de instituições ou pessoas que já têm uma riqueza cultural expressiva. É preciso lembrar que existiam várias versões de latim, desde o mais clássico até o mais popular, que não obedecia todo o rebuscamento que há no Direito, na Oratória. O clássico nunca será uma língua popular. Como língua de um povo, o latim é língua morta. Achei muito espirituosa a propaganda de um conjunto que usou o termo latino ‘sursum’, popular ‘sus’ que significa “para o alto”, para se aproximar da palavra ‘sucesso’ com uma guinada picante: a banda se chama SusSexo. Só quem tem uma noção mais sofisticada é capaz de fazer algo assim.

GESIELE LORDES – gesiele@jornalahora.inf.br

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