Quando se perde o senso de humanidade

Opinião

Ney Arruda Filho

Ney Arruda Filho

Advogado

Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica

Quando se perde o senso de humanidade

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Deu na Rádio Univates: “Fizemos progressos desde a Idade Média: pelo menos já não se esquarteja em público”. A afirmação não foi do Marcelo Petter, mas de um tal de George R.R.Martin, que é o criador da série de televisão Game of Thrones. Não assisti a nenhum capítulo dessa série, apenas vi de relance algumas cenas, zapeando no controle remoto.
O que percebi é que o enredo se passa numa época semelhante ao que chamamos de Idade Média, com um toque de fantasia, guerras entre reinos rivais, disputas de poder, muita violência e algum sexo. Os reinos são protegidos por uma muralha de 210 metros de altura (como nos atuais condomínios fechados) e, enquanto os nobres guerreiam, os pobres se ralam.
A ironia ácida do tal George me fez lembrar das aulas de História, especialmente do que era contado sobre as Cruzadas. Cristãos e muçulmanos se enfrentaram durante séculos, conquistando territórios, matando, esquartejando, tudo em nome daquilo que se convencionou chamar de deus (assim mesmo, com letra minúscula).
A crença e a ideologia legitimavam a barbárie, pois o que importava não era a vida humana, mas sim subjugar o outro em nome do tal deus. Óbvio que os interesses, já naquela época, eram bem outros: terras, riquezas, posições estratégicas, poder. Mas fiquemos só na justificativa das crenças e das ideologias, dói menos.
O fim do acordo entre Brasil e Cuba, que deu substância ao programa Mais Médicos, pautou as discussões nas mais variadas esferas, desde as redes sociais (especialmente nelas), as tribunas legislativas, até as mesas de bar. Todos têm uma opinião, uns contra, outros a favor. As que mais me surpreenderam foram as opiniões baseadas na eterna disputa liberdade versus comunismo. Li um texto afirmando que a presença dos médicos cubanos no país era apenas uma estratégia de doutrinação comunista, pois todos eles foram treinados para cooptarem e doutrinarem as pessoas a aderir ao comunismo. Talvez tenham vindo pra cá para formar um grande exército de militantes comunistas. Mais que isso, como 70% da remuneração dos médicos iria para o governo cubano, o convênio serviria, também, para financiar a ditadura da ilha.
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Por outro lado, ouvi depoimentos de cidades do interior do país, expressando apreensão: é que antes da chegada dos cubanos, não haviam médicos brasileiros nessas cidades. Em muitas comunidades afastadas dos grandes centros, não havia oferta de médicos para atender postos de saúde.
Pode-se até sustentar que grande parte da imprensa também é comunista, que está a serviço da ditadura cubana, mas na maioria das reportagens o atendimento prestado e a integração dos médicos com as comunidades só foram elogiados. Cada um com seus argumentos.
George R.R.Martin tem razão: já não se esquarteja em público. Mas deixar que a crença em dogmas, numa conspiração de escala latino-americana e na ideologia paute um debate tão essencial quanto a saúde básica da população é tão ou mais grave do que o esquartejamento. Afinal, estamos no terceiro milênio. Não tem volta, bem ou mal os médicos cubanos estão indo embora. Talvez seja a chance de os médicos brasileiros, em especial dos jovens médicos, assumirem o protagonismo e mostrarem ao país que não se perdeu o senso de humanidade. Não o tal deus, mas a vida humana ainda está acima de tudo e de todos.


Na onda do dano moral: chefe ríspido, pode?

Não pode! Mas não dá direito à indenização por dano moral. Pelo menos para a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que negou pagamento de indenização por dano moral a uma ex-empregada de uma universidade gaúcha. A autora da ação trabalhou como bibliotecária da instituição por quase 20 anos. Alegou que seu diretor era uma pessoa instável, que gritava com todos. Disse que o chefe a humilhava em reuniões bissemanais da qual participavam apenas os dois, mas que em reuniões coletivas mensais ele mantinha a postura. A testemunha indicada pela universidade relatou que o diretor era mesmo muito exigente, fazia cobranças e falava alto, mas que nunca havia presenciado grosseria de sua parte com a autora.
Com base nos dois depoimentos, o juízo da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre deferiu indenização de R$ 50 mil por danos morais à bibliotecária. A universidade recorreu da decisão, que foi reformada. Para o desembargador Ricardo Carvalho Fraga, relator do recurso que absolveu a universidade, o assédio moral envolve repetição de condutas tendentes a expor a vítima a situações incômodas ou humilhantes, de modo a caracterizar violação aos direitos da personalidade. Os fatos apurados no processo não ensejam indenização.


Plano de saúde e atendimento domiciliar

A operadora de plano de saúde deve fornecer cobertura de internação domiciliar à paciente enferma e portadora de Mal de Parkinson, uma vez que esse seria o único meio pelo qual a beneficiária de 81 anos conseguiria uma sobrevida saudável. Para a 3ª Turma do STJ, diante das circunstâncias fáticas, é legítima a expectativa da consumidora de receber o tratamento conforme a prescrição do neurologista. Beneficiária do plano de saúde desde 1984, a autora da ação recebeu orientação médica para home care diante da piora do quadro de saúde, agravado pela doença de Parkinson.
A operadora negou o serviço, pois não haveria a respectiva cobertura no contrato. A mulher ajuizou ação de obrigação de fazer contra a operadora que foi julgada procedente em primeiro grau. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e considerou que a situação não se enquadraria na hipótese de home care, uma vez que não se trataria de transposição do tratamento hospitalar para o domicílio.
Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, há expectativa legítima da recorrente em receber o tratamento médico conforme a prescrição do neurologista, sobretudo quando considerados os 34 anos de contribuição para o plano de saúde e a grave situação de moléstia.

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