O assassinato na rua Barão do Santo Ângelo, no dia 23 de outubro, no centro de Lajeado, desencadeou um novo confronto entre líderes do tráfico de drogas na região. A resposta à morte de Adriano de Moraes, 28, morto com no mínimo oito disparos, veio menos de 24 horas depois.
Santo Ribeiro, 43, conhecido como Santinho, foi morto com pelo menos sete tiros dentro do Condomínio Residencial Novo Tempo I, no bairro Santo Antônio, enquanto cortava a grama.
Além da disputa pelo tráfico de drogas, a Brigada Militar (BM) acredita que Santinho tenha sido responsável pela morte de Adriano de Moraes.
“Ambos tinham passagens pela polícia e pelo sistema prisional”, conta o coronel Ricardo Hofmann, do Comando Regional de Policiamento Ostensivo do Vale do Taquari (CRPO-VT).
Na sequência dessa espiral de violência, no domingo, 28, quatro indivíduos foram baleados em um ataque no bairro Santo Antônio.
A suspeita é de que o crime tenha ligação com um veículo que fora incendiado poucas horas antes, na rua da Divisa, entre Lajeado e Cruzeiro do Sul. Além do fogo que tomou conta do carro, marcas de balas também foram encontradas pela polícia na lataria do veículo.
Até esta publicação, já se somavam 20 mortes ligadas ao tráfico em Lajeado.

Para evitar conflitos dentro do presídio de Lajeado, a Susepe procura separar criminosos de facções diferentes entre as galerias A e B
Cerceados pelo tráfico
Um morador da localidade conhecida como Cantão, no centro, que prefere não se identificar, estava nos fundos de casa quando ouviu a rajada de tiros que mataram o vizinho Adriano de Moraes.
“Moro faz uns 40 anos aqui. Meu pai costuma ir naquele bar onde o Adriano morreu. Poderia ter sobrado bala em algo inocente”, conta.
Quando correu para a frente de casa para ver o que estava acontecendo, viu o corpo de Adriano no chão. “A gente que não é envolvido com tráfico sabe que estas coisas não nos atingem, mas acabamos vendo acontecer com os outros”, relata
No bairro Conservas, região também conflagrada pelo tráfico, o medo também paira sob os moradores. “Não chegamos a ter medo de quem trafica no bairro. Só entra nesse meio quem quer. As mortes só ocorrem entre eles mesmos”, conta o morador do Conservas que também prefere não se identificar. Ainda segundo ele, faz cerca de um ano, dois homens foram mortos nas imediações de sua casa.
“Quando esse pessoal vem para matar alguém, é certeiro. Eles cumprem o objetivo deles e vão embora.”

A galeria A tem 160 presos, alguns viculados. Na galeria B, 88 pessoas cumprem pena. Alguns são pertencentes ao grupo rival
Natal sangrento
Com a chegada do fim de ano, presidiários receberão indulto de Natal. Hofmann afirma que muitos dos presos saem da cadeia neste período para o acerto de contas em zonas conflagradas pelo tráfico de drogas.
“Muitos saem da cadeia com dívidas, outros com objetivo de cumprir promessas de morte e, além disso, alguns, quando saem do presídio, já são aguardados para serem assassinados por facções criminosas”.
De acordo com o chefe de segurança do presídio de Lajeado, o agente penitenciário Eberson Bonet, a previsão é de que 150 presos do regime semiaberto devam sair no indulto de Natal. Em relação a presos do regime fechado, ainda não há previsão de quantos poderão estar fora da cadeia neste período.
Segundo Bonet, “para evitar conflitos entre facções, a cadeia de Lajeado foi dividida as duas galerias – A e B – entre os diferentes grupos.”
A galeria A conta com 160 detentos distribuídos em 12 celas. A galeria B conta com 88 presos, em nove celas.
Dinheiro sujo
A guerra do tráfico justifica-se pelo controle do montante de mais de R$ 500 mil semanais movimentados pelas drogas em Lajeado, conforme aponta o Ministério Público, somando um total superior a R$ 2 milhões mensais.
O promotor Carlos Augusto Fiorioli aponta que o tráfico de drogas é responsável por desencadear diversas mazelas criminais, como assalto a banco, sequestro, extorsão, assassinatos e roubo de carga, por exemplo.“O Brasil é o maior consumidor de cocaína do mundo. Resultado disso, o tráfico investe em armas e vivemos no país onde mais se mata policiais.”
Para o coronel Hofmann, uma boa maneira de acabar com o tráfico seriam ações que reduzissem o consumo de usuários.“Temos que trabalhar com ações preventivas. Precisamos evitar que as pessoas se tornem dependentes químicas.”
Próximos alvos
Com as primeiras balas disparadas neste novo conflito entre quadrilhas, forças de segurança pública passaram a intensificar o trabalho integrado. BM, PC, Susepe, governo de Lajeado e Polícia Federal fazem reuniões periódicas para compreender como funciona o sistema do tráfico de drogas na cidade.
Os prováveis futuros alvos de ataques entre quadrilhas já foram mapeados e, segundo a BM, a tendência é que as mortes de pessoas envolvidas com o narcotráfico aumentem até o fim de ano.
“Este trabalho tem nos ajudado a planejar uma real ação efetiva para combate do tráfico de drogas, pois estamos mapeando os líderes do tráfico”, aponta Hofmann.
Há 4 anos, 30 mortes
A disputa pelo tráfico de drogas em 2014 gerou uma onda de assassinatos em Lajeado. O modo violento de ataque entre grupos invadiu também regiões centrais da cidade, somando ao todo 30 mortes – uma média de 2,5 mortes mensais ligados ao narcotráfico.
No dia 20 de março daquele ano, um casal de namorados foi assassinado dentro de uma lancheria com mais de 15 disparos. Além de ter chocado os moradores por ter acontecido em um local público, o estabelecimento fica a cerca de 100 metros do CRPO.
Lucas Linhares da Silva Rosa dos Santos, um pintor de 21 anos, e a babá Bárbara Dutra de Mari, 22, jantavam no estabelecimento em frente à Praça da Matriz quando, por volta das 22h45min, três homens encapuzadas e armados entraram no local.
Os criminosos efetuaram os disparos contra as vítimas, que morreram no local, e fugiram.
A violência do tráfico: 23 ataques, 20 mortes
• 28 de outubro: quatro pessoas baleadas no bairro Santo Antônio em retaliação a veículo queimado na rua da Divisa, entre Lajeado e Cruzeiro do Sul.
• 24 de outubro: Santinho é assassinado dentro do Condomínio Residencial Novo Tempo. Crime é apontado como possível resposta a morte de Adriano de Moraes, no centro.
• 23 de outubro: Adriano de Moraes foi morto com pelo menos 7 tiros na rua Barão do Santo Ângelo, no centro. A vítima estava em um bar quando um motoqueiro passou efetuando os disparos.

Assassinato mais recente aconteceu no dia 24 de outubro, no residencial Novo Tempo
• 10 de outubro: um jovem de 20 anos foi atingido por dois tiros naquela madrugada, por volta das 5h30min. As balas atingiram o rosto e as costas da vítima enquanto caminhava pela rua João Fernando Schneider, no bairro Jardim do Cedro.
• 1º de outubro: um homem morreu após trocar tiros com a Brigada Militar em uma abordagem de policiais militares do Pelotão de Operações Especiais na tarde daquela segunda feira, na localidade conhecida como Cantão, no centro.
• 30 de setembro: Neri Nunes, 54, pai do traficante Criolo, foi executado em casa enquanto fazia churrasco para a família no bairro Moinhos D’Água. Ele foi alvejado por disparos de arma de fogo. No local do crime, foram apreendidos 40 estojos de calibre 7.62, seis estojos calibre .40 e 5 projéteis amassados.
• 20 de setembro: um indivíduo foi assassinado por quatros tiros dentro de uma casa que seria ponto de tráfico na rua Marechal Deodoro, no centro, no feriado de 20 de setembro.
• 4 de setembro: um homicídio foi registrado no bairro Conservas, por volta das 19h30min. Vilmar Lisboa Alves da Silva, 36, foi atingido por tiros numa casa na rua Guilhermina Bücker. Segundo a BM, três homens entraram na casa dizendo ser policiais.
• 13 de agosto: um adolescente de 17 anos foi morto a tiros na madrugada, por volta das 3h, no bairro Olarias. David de Almeida Tiecker foi alvejado pelos disparos num bar localizado na rua Emílio Thiesen.
• 1o de agosto: Paulo Roberto Nascimento, 38, foi morto a tiros na rua João Batista de Melo, próximo da esquina com a rua Júlio de Castilhos, após reagir armado contra um policial civil em uma abordagem.
• 21 de julho: Vanderlei de Souza, 31, foi ferido com um disparo de arma de fogo no pescoço. O crime ocorreu na rua Álvaro de Mello, no bairro Santo Antônio. Uma dupla de criminosos se aproximaram da vítima com uma arma apontada no rosto dele. O suspeito teria apertado o gatilho três vezes, porém, os disparos falharam.
• 5 de julho: um adolescente de 15 anos foi atingido por um disparo de arma de fogo, no bairro Santo Antônio. Ele foi baleado na perna enquanto caminhava pela rua São Leopoldo.
• 29 de junho: com apoio da Delegacia de Polícia de Lajeado, o delegado José Romaci Reis apreendeu 14 fuzis AR 16, 6 espingardas calibre 12, 20 pistolas, mais de 12 quilos de cocaína e sete quilos de maconha, em Estrela, no bairro Boa União, na maior apreensão de armas já feita no estado.
• 14 de junho: um homem foi morto a tiros em sua residência na Travessa Quatro, no bairro Morro 25. José Valdemar Gomes Pereira estava com a esposa em casa quando alguém lhe chamou pelo apelido de “Zé”, ao verificar quem lhe chamava, teria sido assassinado.
• 23 de maio: Steve de Lima Rutzen, 22, foi morto por pelo menos três tiros na rua Fernando Schneider, no bairro Jardim do Cedro. Dois homens em uma moto teriam disparado contra a vítima.
• 27 de abril: a Polícia Rodoviária Federal de Lajeado encontrou 6 toneladas de maconha sendo transportadas em um caminhão na BR-386, na maior apreensão da droga já feita no RS.
• 26 de abril: Eliseu dos Santos, 29, e Jean Gomes da Silva, 17, morreram após trocar tiros com a Brigada Militar depois de assaltar um bar no bairro Olarias. A dupla roubou pertences de vítimas e uma motocicleta
• 16 de abril: Aurélio Rubiel da Silva, 28, foi morto a tiros na rua Campo Novo, no bairro Marmitt, em Estrela. A vítima, que tinha passagens por tráfico de drogas, teria sido assassinada por atiradores vindos da Região Metropolitana.
• 8 de abril: pai e filho foram mortos a tiros no bairro Conservas, próximo à escadaria, em uma residência que seria usada por traficantes. Waltair Antônio da Silva, 50, e Jean da Rosa da Silva, 21, estava em casa na rua 1º de Setembro, quando foram atingidos por diversos disparos de arma de fogo. A residência foi incendiada.
• 27 de fevereiro: um jovem de 18 anos foi encontrado morto no trevo de acesso a Estrela, na BR-386. A Brigada Militar recebeu denúncia anônima de tiros por volta da 1h30m. Ao chegar no local, encontraram Odacir Bueno, 18, com tiros na cabeça e no tórax.
• 23 de fevereiro: os irmãos Jonas Schuster Ribeiro, 27, e Jeferson Verruck Ribeiro, 32, foram encontrados mortos na rua São Leopoldo, no bairro Santo Antônio. Os corpos tinham marcas de disparo de arma de fogo e estavam cerca de 100 metros de distância um do outro.
• 18 de fevereiro: Douglas Henrique Jung Johner, 31, foi morto com disparos de arma de fogo em Cruzeiro do Sul. Ele era proprietário de uma oficina e teria morrido em uma confraternização da empresa. Dois homens foram até o local e o assassinaram.
• 14 de fevereiro: pelo menos seis lojas foram danificadas por tiros. Câmeras de vigilância de alguns destes estabelecimentos registraram o momento dos disparos, que partiram dos ocupantes de um veículo branco.
• 25 de janeiro: um homem de 57 anos que saía para pegar ônibus em uma parada, por volta das 6h30, foi vítima de uma tentativa de homicídio na rua Bernardino Pinto, no bairro Santo Antônio. Quatro tiros foram disparados, um atingiu o tórax e o outro ficou alojado próximo ao ouvido.
• 24 de janeiro: um veículo preto estacionou ao lado de um homem e um indivíduo dentro do carro lhe disparou um tiro na perna, na rua Barão do Santo ângelo, no Centro.
• 23 de janeiro: um homem de 47 anos, dono de uma lancheria, foi vítima de tentativa de homicídio no bairro Morro 25. O suspeito do crime, um apenado do regime aberto do Presídio Estadual, efetuou pelo menos cinco tiros contra o homem, que estava dentro de raspão, atingido de raspão a sua nuca.
• 15 de janeiro: um homem de 25 anos foi atingido por disparos de arma de fogo na rua Jaspe, no bairro Igrejinha. Ele seria morador de São Leopoldo, mas estavam na casa da namorada quando dois rapazes teriam pedido informações e um copo de água — momento em que a namorada saiu para busca água, os indivíduos efetuaram os disparos.
Entrevista
“Não existe ética, honra ou limites no universo criminoso”
O delegado Márcio Moreno, de Lajeado, aponta que, embora o comércio do tráfico de drogas não aparente ser violento por sua mercancia, ele é responsável por sustentar todos os demais crimes graves na sociedade.
Ao que se deve o aumento de homicídios, principalmente, em Lajeado?
É inegável que temos um aumento de criminalidade contra a vida relacionado à disputa de facções vinculadas ao narcotráfico. O modo operantis de execução e o armamento utilizado apontam rixa pela disputa do mercado entre algumas facções – que, inclusive, não são originárias do Vale do Taquari. Houve uma imigração desses grupos da Região Metropolitana para a região.
Em 2014, foram 30 mortes ligadas ao tráfico de drogas. Neste ano, já passamos de 20 atentados contra a vida. Por que esse conflito voltou para a região?
Todo crime relacionado ao narcotráfico é sazonal, ou seja, oscila em momentos de picos e em outros de redução. Podemos apontar o tráfico como núcleo da criminalidade. Embora, aparentemente o comércio de drogas não seja violento, o tráfico é o imã de todos os crimes violentos. Do narcotráfico vem a extorsão, o contrabando, a lavagem de dinheiro, os crimes contra a administração pública (corrupção) e os roubos. Uma organização quando tem prejuízo com ações do estado ou de rivais, passa a cometer micro-crimes. Em outros períodos que elas não precisam se capitalizar, apenas manter território e, então, voltam a fazer homicídios para interromper o avanço de outros grupos em territórios já dominados.
[bloco 1]
A resposta a uma morte em zona conflagrada no centro veio no dia seguinte no bairro Santo Antônio. Pelas investigaçõesda Polícia Civil, esta rivalidade tende a se intensificar nos próximos dias?
É um momento de conflito armados entre facções. Tende a aumentar esta rivalidade. Estamos trabalhando com ações preventivas para coibir o capital ilícito, principalmente, por meio da lavagem de dinheiro, para desarticular as ações destes grupos. Quando uma facção está enfraquecida, o grupo rival aprimora os ataques para aniquilar a concorrência. Normalmente, quando ambas estão equilibradas financeiramente existe um certo respeito entre estes bandos.
Para matar rivais, por vezes, os grupos utilizam menores de idade para praticar os crimes. Como isso impacta na investigação policial?
É uma tática que eles usam. O envolvimento de adolescentes em conflitos armados é uma grande preocupação. Não existe ética, honra ou limites no universo criminoso. Eles apenas querem dinheiro e poder, independente dos meios que tenham que usar para conquistá-los. É mais um tipo penal que se enquadra como corrupção de menores aos líderes do tráfico.