A face do tempo

Opinião

Raquel Winter

Raquel Winter

Professora e consultora executiva

A face do tempo

Por

Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Há uma música que, quanto mais ouço, mais encantada fico com a sabedoria, beleza e poesia da letra. Resposta ao Tempo, interpretada na voz da Nana Caymmi, me impressiona, me toca profundamente. “Batidas na porta da frente é o tempo… ele zomba do quanto eu chorei porque sabe passar e eu não sei…”
Penso no fato de que existem mesmo tantas diferenças e antagonicamente tantas identidades nas emoções, sofrimentos e mazelas humanas que a arte terá abundante e infinita fonte para inspiração. Eis então uma canção que nos conta o diálogo de uma vida com o tempo. O mesmo tempo que, contado em segundos ou anos, nos parece passar cada vez mais rápido. Reflito o que fazer para retê-lo?
Durante essa reflexão, vou selecionando entre milhares algumas fotografias para iniciar a montagem de mais um álbum. Costumo montar longos álbuns organizados por ano, meses e acontecimentos. Disponho as fotografias com pequenas legendas que contam um pouquinho, uma amostra da rotina e dos acontecimentos extraordinários também. Depois, virando suas páginas, observo a evolução dos fatos, as idas e vindas de pessoas queridas e principalmente a intensidade com que vivemos cada dia.
Sim, ele passa rápido, mas preciso assumir que em geral não o tenho perdido. São tantos os momentos, os sorrisos e os olhares que captamos e fazemos eternos em traços e cores! Nessa retrospectiva, me dou conta que não há o registro fotográfico das tristezas, das dores e dos nossos segredos, os quais costumamos entregar ao mesmo tempo que nos foge entre os dedos, para que ele os carregue para longe, para que ele, esse senhor soberano e implacável, assuma o papel de curandeiro, e nos faça esquecer.
Pois também concluo, então, que nestes casos o tempo tem outro ritmo. Torna-se lento, demasiadamente longo. Esperar o tempo passar quando o utilizamos como bálsamo das dores é algo que exige coragem. Atravessar o tempo quando estamos com saudade, com o coração partido, ou ansiando por notícias que farão diferença em nossas vidas faz dias parecerem séculos. É claro, a medida do tempo é a mesma, eu sei, mas, cá entre nós, quando o olhamos de frente, dependendo do que desejamos dele, assume faces distintas, passa por nós como brisa ou como vendaval.
Mostra-nos o seu poder, sua infinidade e não nos permite retroceder ou adiantá-lo. Somos submetidos a passar no ritmo que ele nos impõe. Continuo apreciando as fotografias, mas agora busco-as no álbum das minhas memórias. São tantas… mas outra vez rendo-me à percepção de que ele, o tempo, é quem as retém. Não me pertencem tanto quanto pertencem a ele.
Somos submetidos a relembrar somente o que ele nos conceder. Há memórias que eu adoraria revisitar, mas ele, implacável, não permite. Então concordo com a Nana quando na canção ela nos diz que ele, o tempo, “é uma eterna criança que não soube amadurecer…” e que “…eu posso e ele não vai poder me esquecer”.

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