De janeiro até o dia 24 de abril, o Vale do Taquari contabilizou 31 homicídios. O número é 63% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 19 pessoas foram assassinadas nos 38 municípios da região.
Em 2018, as cidades com mais assassinatos são Lajeado, Estrela e Cruzeiro do Sul. Conforme as forças de segurança, na maioria dos casos, os homicídios estão relacionados ao tráfico de drogas. Em seguida, aparecem os crimes passionais.
O senso comum atribui o aumento da violência à impunidade, diz o desembargador aposentado, Amilton Bueno de Carvalho. Segundo ele, para responder de forma satisfatória ao apelo popular, magistrados mandam mais bandidos à cadeia. “Mas o problema é que mais punições geram mais violência. O crime organizado gaúcho viu no sistema prisional uma oportunidade de negócio.”
O jurista aponta que, apesar da sensação de aumento da insegurança no RS, encaminhar mais pessoas à cadeia não é garantia para resolver o problema. Para ele, esse pensamento traz uma perspectiva simples para uma questão mais complexa.
“O sujeito que desvendar o fenômeno da criminalidade, sem dúvidas, vai ganhar um Prêmio Nobel. Ninguém ainda conseguiu entender como funciona e como tratar o homem criminoso”, frisa o desembargador.
O promotor de Lajeado, Carlos Augusto Fiorioli, parte de outra perspectiva. Acredita que o aumento de assassinatos aconteça pelo fato de os criminosos se sentirem impunes. “Uma das grandes mazelas do sistema penal é a chance de não ser identificado. Isso faz com que permaneçam realizando novos delitos. Além disso, a possibilidade de recursos jurídicos faz com que muitos se mantenham nas ruas”, diz.
Já a advogada criminalista Karla Sampaio acredita que o problema da criminalidade mora na base de uma antiga carência: o Ensino Básico. “Não adianta fazermos mais cadeias e aplicarmos mais punições. Temos que investir em educação e oferecer, muito além do preparo para o mercado de trabalho, um ensino público que forme cidadãos mais humanos”, argumenta.
A partir de informações da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), há um indicativo de que os crimes contra a vida acontecem em cidades com mais urbanização. A análise do primeiro quadrimestre de cada ano, entre 2014 e 2018, mostra que 28 cidades da região não tiveram casos de homicídio. Todos municípios com menos de dez mil habitantes.
Quatro mortes em cinco dias
Depois de assassinatos envolvendo o tráfico de drogas, os crimes passionais complementam a lista da violência. Um dos assassinatos investigados a partir dessa hipótese foi o de Daniel Magalski, 31. Ele foi morto a tiros na quinta-feira à noite, no pátio de uma residência no bairro Alesgut, em Teutônia. Conforme a polícia, Magalski estava na casa da namorada. Antes de ser morto, ele teria discutido com o ex-companheiro da mulher. O suspeito do crime fugiu em uma caminhonete Saveiro branca.
Na sexta-feira, a travesti Everton da Silva, 30, conhecida como Ivi, foi assassinada na rua João Abott, em Lajeado. Segundo informações da Polícia Civil, ao desembarcar de uma caminhonete vermelha, ela foi executada com um tiro nas costas. O motorista fugiu do local.
Em Estrela, uma mulher matou o marido com uma facada, na madrugada de sábado, no bairro Boa União. O golpe teria atingido a veia femoral, na região da perna, segundo a Polícia Civil. O homem chegou a ser encaminhado ao Hospital Estrela, mas não resistiu ao ferimento. A esposa foi encaminhada à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Lajeado.
Por fim, no início da madrugada dessa segunda-feira, por volta das 1h30min, Maikon Joseph Trierweiler, 31, foi encontrado morto dentre de um Spacefox vermelho, em uma estrada vicinal na localidade de Mundo Novo, em Bom Retiro do Sul.
No carro, marcas de disparos de arma de fogo foram encontradas no painel e no vidro ao lado do motorista. Nada foi roubado da vítima e, devido a isso, a Polícia Civil descarta a possibilidade de latrocínio (roubo seguido de morte).
Difícil prever os assassinatos
Conforme o delegado de Lajeado e Cruzeiro do Sul, Juliano Stobbe, coibir os homicídios relacionados ao tráfico de drogas é muito difícil. Para ele, cabe à Polícia Civil fazer uma investigação rápida para encontrar os autores dos crimes. “O papel da polícia é fazer o inquérito, com uma investigação qualificada e com o monitoramento das facções. Agora dizer que vai ser suficiente é falacioso.”
O delegado conta que mais da metade dos homicídios de Cruzeiro do Sul e Lajeado estão ligados ao tráfico de drogas. Stobbe confirma a presença de facções da Região Metropolitana no Vale do Taquari. “No início, os integrantes vieram de fora. Fortemente armados e conhecidos no mundo do crime.”
Funcionam como se fosse uma empresa, diz. “Chegam, implantam uma metodologia e recrutam os integrantes. A partir daí, se instalam nas cidades.” Conforme o delegado, após esse processo, gerentes do tráfico da própria região assumem a função dentro do grupo. “É inegável a presença das facções. Cada vez mais, os traficantes e associados fazem questão de se posicionar. É importante para eles.”
Outra dificuldade, frisa Stobbe, está na relação criada dentro das comunidades. Os grupos se instalam em áreas carentes, diz, e por vezes o traficante vira um provedor. “Ganham a simpatia das pessoas.” Na busca de informações da investigação, também ressalta o medo. “Testemunhas temem represálias. Então não contam detalhes à polícia”.
Ciclo de violência
Responsável pelas investigações da Polícia Civil em Estrela e Pouso Novo, o delegado José Romaci Reis defende mais investimento para combater o tráfico de drogas. “Os crimes contra a vida têm relação direta com a venda de entorpecentes. Em Estrela, mais de 80% dos homicídios estão ligados com a disputa entre traficantes.”
Conforme Reis, há ciclos de violência. “Em alguns momentos, acontece uma alta nos assassinatos. A luta de facções por pontos de drogas desencadeia as mortes. Em seguida, isso acalma.”
Essa constante entre prisões, homicídios e fechamentos de bocas de fumo, diz Reis, se tornou uma “luta incessante” dentro das delegacias. “Não vamos deixar eles dominarem a cidade.” Como forma de reduzir o poderio financeiro dos traficantes, acredita ser necessário combater a procura. “Onde há gente para comprar vai haver oferta”, frisa.
Nesse quesito, sustenta o delegado, a violência é mantida pelo usuário. “Há viciados em todas as classes sociais. É o fim da picada. Temos de encarar a relação de consumo de outra forma. Talvez encaminhar para o tratamento, investir em educação, sei lá. Caso contrário, ficaremos sempre nessa disputa de polícia contra traficante.”
Assassinatos: cultura do tráfico
Delegado responsável pelos municípios de Encantado e Muçum, Sílvio Huppes confirma que a maioria dos casos de homicídio tem relação com a venda de entorpecentes. “O histórico do tráfico sempre esteve ligado a esse tipo de violência.”
Na avaliação do delegado, dois fatores são preponderantes para os crimes contra a vida. Primeiro se trata da disputa de poder entre grupos rivais. O outro, com relação ao acerto de contas.
Segundo ele, nas cidades do Alto Taquari, há indicativo do apoio de integrantes de facções criminosas da Região Metropolitana. “Em uma das ocorrências graves neste início de ano, houve confronto com a BM e três criminosos foram mortos. Um deles era da Região Metropolitana e veio em apoio a criminosos daqui da região.”
Ainda que haja essa suspeita de facções atuando em Encantado, Huppes avalia como precipitado confirmar que os grupos estão no comando do tráfico de drogas na região. “Os criminosos são daqui, mas passaram a ter apoio de membros de facções.”
Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br | Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br
Colaboração: Alexandre Miorim