Ele não tem filhos, não tem cachorro e não tem gato. Chegou a pensar em ter, mas mora no sétimo andar, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, e soube que os felinos adoram pular de uma sacada. Não tem caixa de ferramentas, para evitar invenções, como furos e reparos em paredes. Não tem carro. Prefere andar de ônibus, momento de ócio em que surgem as melhores ideias. Todo tempo que tem dedica para escrever. E muito.
Juremir Machado, jornalista com mais de 30 livros publicados, colunista do Correio do Povo e comentarista da Rádio Guaíba, foi o convidado da Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat) para o evento dessa quinta-feira que debateu a escrita criativa, na Casa de Cultura da Clínica Dewes.
Além de Juremir, o médico e escritor Nilson May, de Santa Cruz do Sul, compartilhou experiências em escritas e narrativas e também divulgou o livro mais recente Bosque da Solidão.
Iniciativa da Alivat em parceria com o Espaço Cultural da Clínica Dewes, o 39º Colóquio Literário, mediado pelo jornalista Deolí Gräff e o médico Wilson Dewes, teve o objetivo de compartilhar a experiência de dois escritores gaúchos no processo criativo de crônicas, contos e textos para jornais. Autores da região ouviam atentos as dicas de como melhorar a escrita.
Mais de 50 pessoas lotaram o Espaço Cultural da Clínica Dewes, que abriu as portas para proporcionar eventos culturais na cidade faz seis.
O texto surge do trabalho
Em termos de processo criativo, os escritores concordaram que 90% do trabalho é transpiração e, apenas, 10% inspiração. Juremir prefere escrever pelas manhãs nas idas e vindas no transporte público da capital. Já May opta pela escrita noturna, quando a cabeça se livra das outras tarefas do dia e se volta só para o texto.
O primeiro, jornalista, escreve diariamente. “Todos os assuntos são possíveis”, diz ele. Cronista diário, divide os textos entre análises do cotidiano, lembranças de Palomas (zona rural de Santana do Livramento, onde se criou) e opiniões políticas.
“Sou um escritor anarquista. Se um dia critico a esquerda, posso no mesmo dia, ou no outro, criticar a direita. Anulo o meu voto. Ninguém é eleito pela minha mão. Não tenho partido”, afirma.
Para ele, que diz “pensar nas coisas jornalisticamente, nunca vai faltar assunto para ter o que dizer em um texto. Sempre vai ter um político roubando ou tentando roubar ou um fato do cotidiano para contar”, diz. “Surge um tema. Aí começo a pensar enquanto escrevo”, explica.
May só consegue escrever se for a punho. Sentar à frente do computador não lhe inspira. Diferente de Juremir, que escreve todos os dias, o escritor lajeadense é reconhecido pelos textos mais longos, planejados e com características atemporais.
“Quando surge um tema, por exemplo a vida de uma operadora de elevador, imagino como é a rotina dela. Onde mora, como vive. Crio uma personagem. Imagino ela anã. Meus fins são sempre trágicos”, conta. “Porque assim é a vida. Não tenho nada a ver com as personagens que crio”, contextualiza.
“O médico ou o dentista não ficam divagando sobre o trabalho que vão fazer no outro dia. Eles vão lá e fazem o que tem de ser feito. Assim ocorre conosco. Vamos lá e escrevemos”, diz Juremir. “É trabalho”, complementa May.
O que significa escrever?
É onde retrato o que sinto e aquilo que vejo. Normalmente, escrevo sobre o cotidiano. Uma mínima coisa, às vezes, me chama para escrever. Tudo o que me encantanta ou desencanta. A vida da gente é um livro.
Nara Knack
É materializar ideias e oportunizar que outros tenham conhecimento e possam ler o que o escritor pensa em seu imaginário. A escrita é um exercício constante.
Deolí Graff
Tenho me aventurado na área literária, o que tem sido ótimo, porque é possível expressar ideias, palavras e sentimentos de formas mais flexível e livre no modo de escrever, diferentes da redação científica.
Beatris Chemin
Escrevo por gosto. Me faz bem. Às vezes vem ideias que eu preciso colocar no papel. É uma necessidade. Vem histórinhas na minha mente que preciso contar. É pegar um pouco da minha alma e transmitir às pessoas.
Alexander Moreira
Entrevista
“O cronista tem que ser como um peixe de aquário: colorido, luminoso e fazer malabares”
A Hora – Como funciona o seu processo criativo?
Juremir Machado – Normalmente, começa no ônibus. Ele tem um papel muito importante na minha vida. Assim como não tenho carro, evito andar de carona, porque aí você é obrigado a conversar com outra pessoa. No transporte coletivo, não. Você tem a liberdade para ler, organizar as ideias e, até, escrever. Procuro não deixar o tempo ocioso. Tento aproveitar todos os momentos.
Quando escreve sobre a infância em Paloma, o que procura compartilhar com seu leitor?
Juremir – Acredito que faz parte da tradição do escritor o memorialismo e o retorno ao passado.É uma maneira de universalizar situações particulares. Uma tentativa de capturar pela minha experiência pessoal coisas que todo mundo pode ter vivido. É uma maneira de compartilhar e transformar algo em universal.
Como colunista, em relação a análises políticas, como é buscar a criatividade para elucidar os fatos?
Juremir – O cronista precisa ser como um peixe de aquário: colorido, luminoso e fazer malabarismo. Não pode ser bege apático. Toda vez que vou escrever uma coisa, tenho que achar uma forma de achar a atenção. O exercício diário é encontrar um bom tema e achar uma forma de chamar atenção.
O que significa escrever para você?
Juremir – Uma profissão. Ganho a vida fazendo isso. É uma vantagem, afinal, consigo associar meu trabalho com minha maneira de me situar no mundo.
O vício em escrever está na escrita ou no leitor?
Juremir – É verdade que ter leitores influencia. O retorno deles é motivador. Saber que as pessoas vão comentar, mandar e-mail e falar disso quando me encontrar na rua é sempre um grande prazer. Tanto elogios quanto críticas. Mas isso não me condiciona. Não deixo de escrever pelo que vão pensar de mim.
Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br