O promotor de Justiça Ederson Maia Vieira processa 14 pessoas que comentaram em redes sociais sobre o caso do jovem Vinícius Rodrigues da Silva Abella, atropelado e morto no dia 7 de setembro de 2017. O representante do Ministério Público (MP) alega ter sido ofendido após o arquivamento do inquérito que apurava a culpabilidade do condutor do veículo envolvido na tragédia.
Para Vieira, a responsabilidade pelo acidente de trânsito foi do pedestre, que estaria caminhando na pista de rolamento da av. Senador Alberto Pasqualini quando foi atingido na madrugada pelo veículo HB20, conduzido por Robson Cristiano Primaz, 24. O condutor não tem carteira de habilitação e admitiu ter ingerido junto com amigos pelo menos quatro cervejas horas antes do fato.
A decisão do MP difere do inquérito policial conduzido pelo delegado, Juliano Stobbe. Para o representante da Polícia Civil, o caso configurou homicídio com dolo eventual. Já para o promotor, o condutor trafegava dentro da velocidade limite – laudo demonstra que o veículo estaria entre 43 e 49 km/h –, e a ausência de CNH, bem como a ingestão de bebida alcoólica, não teria influenciado na tragédia. A fuga do local do acidente será avaliada no Juizado Especial Criminal.
De acordo com a posição do MP, que apresentou imagens de uma festa em que Abella e dois conhecidos estavam bebendo antes do fato – um dos amigos ainda aparece desacordado nas imagens durante cerca de seis minutos, em frente ao local – eles que estariam embriagados no momento da colisão e esse fato teria sido um dos propulsores do acidente. Não houve exame de alcoolemia no cadáver para confirmar a presença de álcool.
Cabe agora ao responsável da 1ª Vara Criminal da Comarca, o juiz Rodrigo de Azevedo Bortoli, acatar ou não o pedido de arquivamento. Ele terá até a próxima semana para avaliar as considerações da promotoria. Caso rejeite o pedido de arquivamento, os laudos – que contemplam mais de 150 páginas – serão encaminhados ao procurador-geral do MP no RS, Fabiano Dallazen, para reavaliar a decisão de Vieira. Ele pode pedir a reabertura do inquérito, nomeando outro promotor.
Mesmo sem um desfecho, o arquivamento gerou repercussão por parte de parentes e amigos da vítima. Em uma publicação de uma rádio local no Facebook, com a notícia sobre o arquivamento, a mãe de Vinícius, Andreia Silva, desabafa nos comentários.
“As pessoas que se indignaram e expuseram suas opiniões estão sendo processadas pelo promotor, mas para o assassino que matou meu filho ele pediu arquivamento do processo. Nunca vi tamanho absurdo. Justiça pelo Vini”, escreve. Na postagem, ela questiona o fato de o condutor não ter carteira de habilitação. Outros amigos e familiares organizam um protesto em frente ao MP.
Crime contra a honra
Outras críticas manifestadas em redes sociais estariam denegrindo a imagem do promotor, no entendimento dele. Vieira processa pelo menos 14 pessoas por “crime contra a honra”. Uma dessas manifestações, postadas na página pessoal do promotor, no Facebook, uma mulher questiona a decisão do MP. “Quem está ajudando e muito para que o Brasil seja um país impune é você”, escreve. “Como consegue dormir? O dinheiro vale tanto a pena?”, acrescenta a jovem.
Quem representa o promotor é o advogado Evandro Muliterno de Quadros. Algumas audiências referentes a essas ações por “crime contra a honra” ocorreram ontem à tarde, no Fórum de Lajeado.
Entre os 14 processos, houve 12 acordos firmados com os responsáveis pelas postagens, com pagamento de indenização. “Os outros dois serão processados”, avisa Vieira.
O promotor garante que seguirá monitorando as postagens referentes ao arquivamento e defende o direito à critica. “O direito das pessoas criticarem ou discordarem da nossa posição está garantido na Constituição. Mas não é permitido ofender. Houve, inclusive, diversas manifestações de familiares, sem ofensas. As pessoas precisam ter responsabilidades sobre o que escrevem.”
Versões conflitantes
Abella, à época com 21 anos, morreu na av. Senador Alberto Pasqualini, no São Cristóvão, após ser atropelado pelo veículo conduzido por Primaz. O laudo do DML atesta “hemorragia intracraniana por fratura e politraumatismo”. A vítima voltava de uma festa na boate One. Estava acompanhada de dois amigos. Já o condutor retornava de outra festa, no Country Club (CC).
Em depoimento, Primaz afirma que saiu do CC com uma mulher. Foram para a casa dele, onde teriam permanecido até por volta das 5h. Após, ele a levou com o veículo HB20 até o Boteco da Pasqualini, situado nas proximidades do Posto Faleiro, e seguiu pela av. Alberto Pasqualini em direção ao trevo da Univates. Era por volta das 5h15min.
Nas imediações do Imec, afirma ter avistado três pessoas na avenida, duas sobre a calçada e uma na pista de rolamento, mais próximo à calçada, “as quais pareciam brincar”. No depoimento, ele afirma que Abella provocou o atropelamento. “No sentido contrário, trafegava outro carro e aquela pessoa sobre a pista veio para o meio da via e deu causa à colisão”, diz no depoimento.
Primaz não parou o carro. Diz ter “seguido apavorado”. Minutos depois, estacionou próximo à própria casa e telefonou para o responsável pelo veículo, o qual encontrou no CC, para onde retornou a pé e revelou o acontecido. Nesse intervalo de tempo, às 5h24min, o condutor trocou mensagens com a mulher que ele havia levado até o centro, avisando sobre o atropelamento.
O depoimento dele difere do relato dos amigos de Abella. Um deles afirma que o grupo brincava nas proximidades da avenida, e “chutavam uma garrafa PET”. Ele estando sobre a calçada e o outro amigo no acostamento, “quando um carro subiu na calçada e desceu, seguiu um barulho e, ao olhar para trás, avistou Vinícius”.
Para eles, o “condutor realizou a manobra ‘porque brincavam’ próximo ao acostamento”. A mesma testemunha diz que “o veículo trafegava a uns 80km/h”. O outro amigo declara que o grupo aproveitava “a avenida deserta e brincava de chutar uma garrafa”, e que “notou a aproximação de alguns veículos, por isso, foi para o passeio público”, assim como os demais também teriam ido, “quando um veículo passou rapidamente”.
Entenda o caso
1. Vinícius Rodrigues da Silva Abella, 21, foi atropelado na avenida Senador Alberto Pasqualini, no bairro São Cristóvão, por volta das 5h15min do dia 7 de setembro de 2017, quando voltava de uma festa acompanhado de dois amigos.
2. O condutor do veículo, Robson Cristiano Primaz, 24, não tinha carteira de habilitação e não parou para prestar socorro à vítima. Em depoimento, ele admitiu ter consumido bebida alcoólica na mesma noite.
3. Primaz foi preso preventivamente no dia 11 de setembro. Dois dias depois, a prisão foi revogada.
4. No dia 16 de setembro, um grupo de amigos de Abella organizou uma manifestação no local onde aconteceu o atropelamento e estendeu uma faixa com pedidos de justiça.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br