Uma mulher é morta a cada duas horas no país. Uma taxa de 4,3 feminicídios para cada cem mil pessoas. Um percentual que coloca o Brasil na sétima posição entre as nações mais violentas contra as mulheres conforme ranking de 83 nações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esses números mostram o quanto é preciso avançar em termos de redes de proteção. Em âmbito regional, de 2012 a 2017, o Vale do Taquari tem 1,7 registro de violência contra as mulheres por dia. “Sabemos que muitas não procuram a polícia. Sofrem em silêncio. Ficam no anonimato, às vezes por medo ou mesmo por vergonha”, alerta a responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Lajeado, Márcia Bernine.
Apesar do índice não evidenciar a realidade, diz a delegada, há uma evolução. “Desde a instituição da Lei Maria da Penha, percebemos que as mulheres foram encorajadas.” Antigamente elas morriam em um relacionamento violento, afirma.
A lei completa 12 anos em junho. Considerada uma das melhores legislações do mundo na defesa das mulheres, tem garantido mais segurança às vítimas de violência doméstica. “Há uma mudança comportamental em curso. Isso deve ser motivo de orgulho neste dia 8 de março”, acredita Márcia.
Para ela, com mais informações, as mulheres deixaram de se sentir responsáveis. “No passado, ouvíamos histórias de mulheres que se sentiam culpadas por terem sido abusadas ou agredidas. Hoje isso não ocorre.”
Conforme a Secretaria de Segurança Pública do RS, em seis anos, os 38 municípios do Vale registraram 3.760 casos de violência contra a mulher. Compõem esse cálculo os casos de lesão corporal, estupro, tentativa de homicídio e feminicídio. No RS, no mesmo período, foram quase 160 mil ocorrências.
Mentalidade em transformação
“Na minha adolescência, sofria com algumas atitudes de homens e ficava quieta. Achava que aquilo era normal.” A afirmação parte da empresária de Lajeado, Cassiana Schuhl, 36, integrante do Coletivo de Mulheres da cidade.
Para ela, mesmo com as conquistas das mulheres nas últimas décadas, a sociedade precisa evoluir. “Neste Dia da Mulher, há pouco para comemorar. Para mim, não representa nada. É só uma convenção inventada para a mulher ganhar um presente e fingir que está tudo bem.”
Na opinião dela, a diferenciação de gênero está presente no cotidiano, nos detalhes, seja no trânsito, no trabalho ou em um simples passeio na rua. “Tenho uma amiga que é psicoterapeuta. Faz o mesmo trabalho dos homens e ganha a metade do salário deles. Essa diferenciação é um empecilho para a mulher ter um papel pleno na sociedade.”
Cassiana e uma amiga são proprietárias de um bar próximo à BR-386. Conta que, por vezes, sente preconceito de homens devido ao empreendimento. “Comentários como, duas mulheres com bar? Como se não pudéssemos gerir um negócio desses.”
Cassiana acredita que para reverter essa cultura machista é preciso trabalhar a conscientização. “Aos poucos, por meio do argumento, podemos fazer com que as pessoas pensem e vejam o quanto precisamos evoluir.”
Essa mentalidade está presente no trabalho dela. “Colocamos frases nas paredes para lerem e pensarem. Essa ‘luta’ não é só pelas mulheres. É pelos gays, pelos negros. Pela busca por uma sociedade mais tolerante, respeitosa com as individualidades e igualitária.”
De acordo com Cassiana, essa constatação serve de energia para buscar uma sociedade mais livre. “O balcão do bar vira um divã. Também me mostrou que aquilo que eu sofro como mulher é pequeno perto do preconceito contra os gays. O feminismo luta por tudo isso.”
Para contribuir com esse movimento, o Coletivo de Mulheres promove amanhã o Não me Khalo. Será no bar Volúpia, a partir das 20h. O evento é beneficente e o ingresso custa R$ 10. O dinheiro será doado para a Casa de Passagem, que atende mulheres vítimas de violência doméstica. Na programação, constam rodadas de conversa, oficinais de arte e atrações musicais.
Medo injustificado
Em Teutônia, a união resultou no Coletivo Tônias e na formação do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres. De acordo com extensionista da Emater-RSAscar e socióloga Ana Cândida Jordani Barth, as instituições promovem um trabalho conjunto para enfrentar a violência contra a mulher. “Temos pouco tempo de atuação, mas conseguimos grandes feitos.”
Usar a palavra feminismo causa um impacto, diz. “Sofremos retaliações ao nosso trabalho. Algumas coisas são patéticas. Como se lutar pelos nossos direitos fosse ferir os direitos dos homens.”
“Fomos inclusive acusadas de incitar o feminismo. Como se isso fosse crime. O que queremos e lutamos é pela não violência.” Segundo ela, há pessoas que usam o termo como se ele fosse pejorativo. “Há uma carga preconceituosa sobre o movimento.”
Na próxima semana, o Coletivo Tônias e o conselho promovem uma reunião aberta. Será no dia 14, às 14h, na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Segundo Ana, o intuito é apresentar o conselho e mostrar sua área de atuação.
Entrevista
“Lugar de mulher é onde ela quiser”
Professora universitária e delegada de polícia aposentada, Elisabete Cristina Barreto Müller atua como voluntária na luta pelos direitos das mulheres. Foi uma das fundadoras da Casa de Passagem, que abriga vítimas de violência doméstica na região.
A Hora – Qual a importância dos movimentos feministas para a sociedade?
Elisabete Cristina Barreto Müller – O movimento feminista foi, e é, de extrema importância para a sociedade porque sempre buscou a equidade entre os gêneros e foi responsável pelas conquistas históricas das mulheres. Para que eu estivesse hoje aqui, respondendo a uma entrevista, muitas mulheres que me antecederam morreram, foram queimadas, sofreram muito para lutar pelos direitos das mulheres. Assim, esse movimento que lutou pelo fim do patriarcado e da opressão da mulher é, para mim, sinônimo de uma luta por um mundo melhor e mais justo.
Quais os maiores desafios para romper as barreiras do preconceito e do machismo?
Elisabete – Os desafios são inúmeros ainda mais no Brasil atual em que, principalmente nas redes sociais, parece que o machismo e o preconceito de uma forma geral tomam um rumo perigoso. É importante que as pessoas saibam que têm liberdade de expressão desde que sua opinião não seja criminosa. Então, é preciso denunciar os abusos, levando também informação às pessoas e investir maciçamente em prevenção. Além disso, trabalhar mais e mais com a educação de nossas crianças e jovens para que o respeito pelo outro e pela diversidade, pelo fim dos estereótipos de gênero, seja a tônica entre as relações sociais.
Como voluntária, delegada aposentada e uma das idealizadoras da Casa de Passagem, como você avalia as redes de atendimento às mulheres vítimas de violência?
Elisabete – Nem todos os municípios têm uma rede de atendimento e enfrentamento à violência em que as entidades trabalhem de forma unida, conhecedoras de todas as competências das demais e que se integrem de fato. Lajeado, nesse sentido, é uma cidade diferenciada onde, desde 2014, a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher trabalha de forma irmanada, com reuniões mensais, ações conjuntas e em que a prioridade é a prevenção e o combate à violência, tentando sempre estreitar os vínculos e reforçar os elos que salvam vidas.
De que forma é possível estancar os casos de violência contra a mulher? Quais medidas podem contribuir para a redução desses crimes?
Elisabete – Precisamos avançar em políticas públicas e numa eficiente rede de enfrentamento à violência contra a mulher em todos os municípios. Como já disse, insistir em prevenção, em educação, promovendo espaços de reflexão e debate sobre o assunto, com homens e mulheres.
Neste dia, se tem um momento de reflexão às questões de gênero. Quais foram as conquistas mais importantes das mulheres nas últimas décadas?
Elisabete – Foram muitas as conquistas: direito de estudar, de votar, dirigir, ter profissões antes consideradas masculinas, de escolher com quem casar ou não casar, de ter filho ou não, etc. Resumindo: a maior de todas as conquistas é a liberdade de decidir. E vale muito aquela frase: Lugar de Mulher é onde ela quiser.
Enquete
O que as mulheres têm para comemorar neste dia 8 de março?
A vitória de cada dia. As batalhas e conquistas para a família. A mulher deixa o mundo melhor. A mulher está conquistando o seu espaço, conquistando uma autonomia. Mesmo com as crises que o mundo vem passando, a mulher consegue achar o seu espaço.
Léia Bohrer da Rocha, 64, empresária, Lajeado
Olhando para o passado, é possível perceber algumas conquistas históricas e comemorá-las. Direito ao voto, Lei Maria da Penha, obrigatoriedade de mulheres em partidos políticos, etc. Contudo, há muita luta ainda. Um exemplo é a PEC- 181, que proíbe o aborto em qualquer situação (inclusive estupro) que tramita no Congresso.
Cibele da Rosa, 23, estudante, Boqueirão do Leão
Comemoramos nossos direitos e conquistas. Como radialista, me sinto honrada em poder, por meio do microfone, dar voz a nós mulheres numa profissão em que até hoje a presença masculina predomina. E que assim seja sempre, afinal, lugar de mulher é onde ela quiser.
Mérilin Beck, 25, radialista, Lajeado
O 8 de março é uma data marcada pela forte luta feminina por melhores condições de vida e pela incansável busca pela igualdade de gênero. Orgulho-me imensamente pela perseverança com a qual nós mulheres batalhamos diariamente, acreditando que, embora enfrentando ainda muitas dificuldades, seja nosso maior brio.
Manaíra Schauren, 29, advogada, Lajeado
O certo é: por que não podemos deixar de comemorar? Relembramos as diversas lutas protagonizadas por mulheres que, bravamente, nos garantiram os direitos que gozamos hoje. Independência. Direito à voto. Respeito e voz. Mas é pouco para nós. Quase cem anos de luta e ainda há muito para conquistar.
Pâmela Vicari, 24, bolsista, Taquari
Nós temos muito a comemorar. É comum que flores e chocolates sejam distribuídos como forma de comemorar a data e de deixar o dia de alguma mulher mais especial. Mas, mesmo se tratando de um gesto superfofo, a verdade é que o Dia Internacional da Mulher tem um significado muito mais forte e está longe de ser uma data comercial. Historicamente falando, esse dia é marcado por lutas femininas a favor dos direitos do gênero ao redor do mundo. Uma das principais reivindicações que marcam essa data são com relação à jornada de trabalho exaustiva das mulheres nas fábricas têxteis europeias e americanas no início do século 20, ao direito ao voto e assim por diante viemos lutando para ganhar mais espaço no mundo.
Karla Dartora, 26, biomédica, Lajeado
Comemoramos a conquista da nossa independência. Somos mulheres que cada vez mais mostramos que a nossa capacidade não é diferente da dos homens. Somos vitoriosas. Somos mães, muitas vezes, até pais. Somos iluminadas. Somos exemplos para muitos e este dia é um reconhecimento desta vitória para nós. É um dia muito feliz.
Katia Andreia Heisler, 41, recepcionista, Lajeado
Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br | Colaboração: Ezequiel Neitzke e Caetano Pretto