Explosões e tiros na madrugada de ontem, 6, interromperam a tranquilidade dos moradores. Por volta das 3h, seis homens atacaram com fuzis e dinamites a agência do Banco do Brasil, na avenida 28 de Maio. Dezenas de trabalhadores da Calçados Beira Rio que estavam em um ônibus próximo ao local foram usados como reféns. Os criminosos fugiram em dois veículos. Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido preso.
A ação durou cerca de 30 minutos. O andar do prédio onde funcionava a agência foi destruído após quatro explosões. Durante o assalto, os criminosos fizeram disparos com intuito de evitar que alguém se aproximasse. Ninguém ficou ferido. Pela manhã, um GM Montana Prata com placas clonadas foi encontrado em um mato na Picada Santa Clara, a cerca de quatro quilômetros do local do crime.
Moradores no prédio ao lado da agência, Irineo, 68, e Herta Beuren, 66, acordaram ao escutar movimentos intensos em frente ao edifício. Ao espiarem pela janela, surpreenderam-se com um homem armado ao lado de uma camionete. Eles testemunharam o bandido atirar para cima e correram assustados aos fundos do apartamento. Da sacada, avistaram outro assaltante na rua, então, resolveram sentar no chão da cozinha, “com o coração na mão”.
Conforme o casal, o momento de maior tensão foi quando começaram os estouros das dinamites usadas para a abertura de cofres e caixas eletrônicos. “Nunca tinha ouvido um barulho tão alto e tão assustador como aquele”, comenta Herta. De acordo com Beuren, as duas últimas explosões estremeceram mesas e persianas.
Herta acredita que a polícia local não teria chances de enfrentar a quadrilha, devido ao armamento pesado e à destreza dos assaltantes. “Santa Clara é uma cidadezinha tão calma. Não estamos acostumados com isso. Tomara que nunca mais aconteça”, desabafa.
Heitor Arno Thomas, 69, mora próximo da agência. Percebeu que havia algo errado ao ouvir as vozes de comando entre os integrantes da quadrilha, o barulho de martelos, talhadeiras e “ferros sendo arrastados”. Conta que nunca tinha visto algo parecido na cidade, apesar de lembrar quando a mesma agência havia sido assaltada, em 2002. “Antes eles não eram tão equipados. Agora, a turma vem muito forte”, compara.
Residente na avenida 28 de Maio, a cerca de 200 metros do banco, Roberta Bremm Johann, 41, estava dormindo quando os disparos começaram. Acreditando ser fogos de artifício, não se preocupou no primeiro momento. Quando houve a explosão, porém, acordou o marido e ambos identificaram que se tratava de um assalto a banco. Com medo de tiroteio, permaneceram na cama até a situação normalizar.
Ausência policial
A Brigada Militar foi chamada pelo sistema de monitoramento da agência. Nenhum policial estava na cidade no momento do roubo. O tenente Herton Faria Correa, comandante do 3º Pelotão, explica que apenas uma viatura de Patrulha Intermunicipal (Patrin) realiza a cobertura de Santa Clara do Sul e Cruzeiro do Sul. Quando o crime começou, a guarnição estava no município vizinho.
Unidades de Lajeado, Mato Leitão e Forquetinha foram chamadas. Barreiras foram montadas em possíveis rotas de fuga, enquanto uma viatura se aproximou da agência, onde já não havia ninguém.
Para o comandante, os criminosos sabiam da posição da polícia. Segundo ele, os bandidos costumam estudar de forma detalhada o trabalho da polícia local antes de realizar ataques. “Infelizmente, a gente só está esperando qual vai ser a próxima cidade”, revela.
Sentimento de impotência, diz prefeito
“Sabemos das dificuldades do Estado, mas isso não é justificativa para não se fazer nada.” A afirmação do prefeito de Santa Clara do Sul, Paulo Kohlrausch, traduz o sentimento de impotência dos gestores municipais frente ao avanço da criminalidade.
Para o prefeito, é inadmissível que quatro soldados da Brigada Militar tenham de dividir os períodos de patrulha entre Santa Clara do Sul, Cruzeiro do Sul, Forquetinha e Sério. “Isso é descabido. Os criminosos fazem os roteiros para assaltos a bel-prazer, pois sabem que não encontrarão resistência, pois quem deveria fazer, não faz. Ou é pela falta de efetivo, ou não tem combustível ou qualquer outra justificativa da hora.”
Na madrugada do ataque, relembra Kohlrausch, recebeu uma ligação por volta das 3h. “Estão explodindo a cidade, me disseram.” Passadas duas horas, foi até o local do crime conversar com policiais e com o gerente do banco. “Por termos uma cidade organizada, uma população pacífica e estarmos em desenvolvimento, pensamos ser uma ilha. Mas são nessas horas que se percebe que estamos no Brasil.”
Diante do ataque, o prefeito sugere reunir os municípios integrantes do G8 e buscar uma reunião com o secretário de Segurança Pública. “Vamos subir o tom. Se trata de uma prerrogativa do Estado. Desculpas e justificativas não nos interessam mais.”
Monitoramento parado
No ano passado, Santa Clara do Sul financiou o projeto de monitoramento eletrônico. Com recursos próprios, investiu R$ 390 mil. “Entregamos o pedido de convênio em agosto. Até agora não veio uma resposta”, conta Kohlrausch.
Todo o custo da instalação das 12 câmeras seria do governo municipal. “O Estado só teria de nos ceder quatro policiais para monitorar as câmeras. Mas nem isso. A resposta é sempre a mesma. É preciso passar os trâmites. Essa burocracia nos engessa.”
Em Taquari, o prefeito Emanuel Hassen de Jesus, o “Maneco”, também protocolou o pedido para instalação de câmeras no ano passado. “Só neste ano, já me reuni com o secretário de Segurança quatro vezes. No sábado (dia do ataque na cidade), conversamos por telefone. Somos sempre muito bem tratados, mas nenhuma demanda é atendida. É uma inoperância completa.”
Decreto sem resultado
No ano passado, o prefeito Maneco decretou situação de emergência na área de segurança pública após um ataque a banco no início de novembro. O intuito, diz, era chamar atenção das autoridades estaduais para a situação de abandono do município. “Imaginávamos que o Estado apresentaria uma alternativa para reduzir essa sensação de insegurança. Infelizmente, não deram ‘bola’.”
Banco fechado após ataque
Desde abril do ano passado, não há mais agência do Banco do Brasil em Boqueirão do Leão. Assim como no município de Progresso, onde também houve ataque com uso de explosivos. A rotina dos correntistas mudou e o comércio sente o impacto.
Clientes de Boqueirão do Leão foram transferidos para agência de Barros Cassal. “Mantenho a conta principalmente pelo seguro de vida. São vários anos como correntista e perco benefícios conquistados se encerrar a conta”, comenta a funcionária pública Cristiane Conte.
Cristiane trabalha como secretária em escola de Educação Infantil. “Os recursos de programas governamentais passam pelo Banco do Brasil. Muitas vezes o presidente do Círculo de Pais e Mestre e a diretora precisam se deslocar até Barros Cassal e isso gera transtornos.”
A vendedora Marenice Vedoy da Rosa comenta os impactos negativos. “Agora no período da safra muitos agricultores vão realizar os saques em outros municípios. Isso tira de circulação o dinheiro no comércio local”, lamenta.
Entrevista
“Os criminosos buscam as cidades menores”
O delegado regional da Polícia Civil, Miguel Mendes Ribeiro Neto, avalia que os ataques a bancos partem de quadrilhas especializadas nesse tipo de ação e que optam por municípios com menos poder de reação policial.
A Hora – Para a polícia, por que as cidades pequenas são mais procuradas pelos criminosos?
Miguel Mendes Ribeiro Neto – Os grupos criminosos se sentem encorajados. Fazem os ataques nessas cidades devido a menor possibilidade de uma pronta resposta dos órgãos de segurança.
Se houvesse policiais em Santa Clara do Sul, o crime poderia ter sido evitado?
Ribeiro Neto – É muito relativo. Vai depender do grau de audácia dos criminosos e da segurança que eles eventualmente teriam de agir em um local com uma estrutura policial mais robusta. Via de regra, os criminosos buscam cidades menores, com menos policiais e com diversas rotas de fuga.
O que a polícia sabe sobre o método de trabalho dessas quadrilhas?
Ribeiro Neto – Os grupos estudam a cidade. Alguns integrantes fazem levantamentos do cotidiano. Acompanham o efetivo policial, a movimentação nos estabelecimentos bancários. Analisam diversos aspectos como uma forma prévia de estruturar e planejar o ataque.
Há quanto tempo o senhor está na Polícia Civil?
Ribeiro Neto – Faz 19 anos que entrei como delegado.
Nesse período, é possível fazer um paralelo da criminalidade. Hoje o crime está mais organizado?
Ribeiro Neto – Depende do tipo de delito. Vimos há cerca de 12 anos ataques aos carros-fortes. A atuação do Seco e sua quadrilha. Eram altamente violentos. Inclusive houve a morte de um capitão da Brigada Militar em uma dessas ações. Então isso varia muito em cada momento histórico.
O crime sempre vai existir. Sempre haverá mentes voltadas para esse tipo de ação. De alguma forma, se estruturarão para enfrentar as forças de segurança.
Do ponto de vista da infraestrutura policial. Na década de 80, havia mais efetivo, menos população e menos crime. Hoje a estrutura da PC é mais precária do que em décadas passadas?
Ribeiro Neto – O efetivo estagnou ao mesmo tempo em que aumentou a população e a criminalidade. Nos últimos anos, há uma tentativa de reposição. Embora isso não possa ser feito de uma hora para outra, pois se sabe que o Estado tem limitações financeiras.
Temos um processo histórico de desequilíbrio. Aposentadorias, o fato de que em determinados momentos não foi feito concurso para seleção de policiais. Agora, vemos que o efetivo da polícia volta a crescer.
Alexandre Miorim: alexandre@jornalahora.inf.br | Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br