Líria Jacques é homenageada

Lajeado

Líria Jacques é homenageada

Natural de Nova Santa Cruz, Santa Clara do Sul, Líria se criou em Lajeado e teve uma trajetória representativa nas áreas da educação, saúde e política

Líria Jacques é homenageada
Lajeado

Coragem, atitude e disposição são traços marcantes da personalidade de Líria Maria Zart Jacques. Lajeadense de 81 anos com alma jovem. Ontem à noite, em sessão da câmara de vereadores, recebeu a Comenda Doutora Regina Aesse Nöthen, em reconhecimento à sua história e exemplo.

A homenagem – destinada só a mulheres, no mês da Mulher – foi sugerida pelo vereador Ernani Teixeira (PDT). “A dona Líria não defendia partido. Sempre foi muito prestativa, caridosa. Foi secretária de Saúde mais de uma vez, e, ao invés de inimizades políticas, ela fazia amizades. Achei que essa seria a oportunidade para homenageá-la. Precisamos reconhecer essas pessoas de destaque ainda em vida”, ressalta o vereador.

Mãe de cinco filhos – quatro vivos – avó de 14 netos, Líria nasceu em Nova Santa Cruz, localidade que hoje pertence ao município de Santa Clara do Sul, mas na época era de Lajeado. Tinha cinco irmãos, quatro homens e uma mulher. Ela e a irmã eram as caçulas.

Os pais sempre foram comerciantes, primeiro em Santa Clara do Sul e depois em Lajeado. Líria cursou o ginásio e curso normal no Colégio Madre Bárbara. Ao mesmo tempo, iniciou o Técnico em Contabilidade, à noite, no Colégio São José. Ela integrou a primeira turma de mulheres da escola marista. Eram cinco moças entre mais de 30 homens.

“Entrar nesse universo totalmente masculino foi estranho. Mas todas éramos conhecidas na cidade, e fomos muito bem recebidas pelos colegas. Até hoje, os poucos que ainda restam se reúnem para confraternizar. Abrimos os caminhos para as outras.”

Em 1954, com 17 anos, ela se formou no técnico. No ano seguinte, concluiu o curso normal e depois se casou com Vilson Haussen. Após ter o primeiro filho, em 1956, começou a lecionar na Escola Estadual de Ensino Fundamental Moisés Candido Veloso, no bairro Hidráulica.

No início da Ditadura, em 1964, Líria começou a fazer carreira no serviço público, intercalando Estado e Município.

Já aos 66 anos de idade, foi convidada pelo Hospital Bruno Born para criar o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC). “Trabalho novo, que nem eu mesmo conhecia, para saber da satisfação do cliente com os serviços prestados pelo hospital.”

Ao visitar os quartos, conhecia as pessoas, e sentia a necessidade de uma atenção maior. “Por vezes, eles não tinham como atender necessidades mais básicas, de higiene.” Situação que a fez, em 2003, junto a outras mulheres, criar o grupo voluntário Amigas do HBB.

“É um trabalho muito bonito. Visitamos os pacientes do SUS todos os dias à tarde, e vemos o que eles estão precisando. Temos um estoque bem grande lá no hospital, com roupas, material de higiene, fraldas.” Todos os materiais são doados pela comunidade.

Por conta da doença do marido Vilson Jacques, ela está há cerca de um ano afastada das atividades, o que lhe faz falta. “Me sinto muito bem. Entro no quarto, as pessoas me conhecem. E isso faz bem pra gente. É muito gratificante”, afirma.

O marido Vilson Haussen Jacques e a filha Liliana. Ela mora na Alemanha e, por acaso, esteve em Lajeado no dia da homenagem. “A mãe é minha inspiração e meu exemplo”.

O marido Vilson Haussen Jacques e a filha Liliana. Ela mora na Alemanha e, por acaso, esteve em Lajeado no dia da homenagem. “A mãe é minha inspiração e meu exemplo”.

Entrevista

“Nunca tive obstáculo algum”

Líria Jacques é casada com Vilson Haussen, com quem teve cinco filhos. Mulher de fibra mostra que a idade não é empecilho para as atividades

A Hora – Por que decidiu ser professora?

Naquela época era a opção que a gente tinha como mulher, quando terminava o ginásio. Então a maioria ia para curso normal, ser professora, para trabalhar com os alunos. Trabalhar com os pais dos alunos, com o Círculo de Pais e Mestres. Era a função da mulher no meu tempo. Ajudava no orçamento da família. Era uma atuação muito próxima dos alunos, bem diferente de hoje. Nós éramos muito respeitadas, inclusive pelos pais. Nós éramos quase uma autoridade naquele tempo. O professor era muito conceituado.

Quais foram os principais desafios nesse início, como professora e supervisora?

Nunca tive obstáculo algum. Sempre fui muito bem recebida e sempre me adaptei muito bem ao que eu precisava fazer. Eu não senti nada de obstáculos.

Como foi a conversão da educação para a política?

Isso é algo familiar. Meu marido foi prefeito, vice-prefeito, vereador. Tudo isso. E a gente vai entrando, vai gostando. Nada foi imposto a mim. Sempre gostei muito de participar na comunidade, de trabalhar com as pessoas. Eu fui candidata à vereadora e à vice-prefeita duas vezes. Nunca me elegi. Eu entendia que as pessoas preferiam que eu continuasse trabalhando como secretária, direto com elas.

Nesse meio político, como foi?

Sempre foi muito bom trabalhar com a comunidade. Quando fazíamos reuniões políticas, íamos até os clubes de mães, falávamos sempre com as mulheres. Esclarecíamos que sempre deviam fazer as melhores escolhas, avaliar os candidatos.

Qual sua percepção sobre as questões femininas na atualidade?

Com certeza ainda há muito a evoluir. O respeito pela mulher, a confiança na mulher para que ela entregue um trabalho achando que ela é tão capaz, ou mais do que o homem – muitas vezes. Era bem diferente. Já conquistaram bastante, mas continuam enfrentando muitos problemas. A luta continua pela conquista de espaços.

Depois de toda essa trajetória, como se sente em receber a comenda?

Me sinto lisonjeada. Até porque, estou há 18 anos fora da ativa e eles lembraram de me homenagear. Isso me deixa muito feliz.

Carolina Chaves da Silva: carolina@jornalahora.inf.br

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