Contrastes

Opinião

Raquel Winter

Raquel Winter

Professora e consultora executiva

Contrastes

Por

Para mim que convivo bem com os costumes das cidades do interior, onde, ainda que bem menos do que no passado, encontramos conhecidos nas esquinas, padarias e caminhadas, passar algumas horas circulando de táxi por Porto Alegre me traz à consciência os paradoxos e contrastes que toda capital brasileira nos serve de bandeja.
Saí da empresa onde estava trabalhando e embarquei no táxi que já me aguardava em frente ao prédio. Ao embarcar, o motorista prontamente me recebeu com um caloroso bom dia e perguntou para onde eu desejava ir.
– Desejo ir para casa, respondi.
– E onde é a sua casa?
– Não fica aqui e ainda não posso voltar para lá. Tenho ainda algumas horas de trabalho pela frente, então, por ora, me leve até a Duque de Caxias, por favor.
– Certo. disse ele com um sorriso estampado.
No caminho, um mendigo segurando um cartaz com a palavra FOME desfilava entre os carros parados no semáforo para arrecadar moedas. Um dos carros, um possante desses importados, trazia um adesivo com o dizer: Jesus é a salvação. O mendigo não recebeu moedas.
Rodamos mais algumas quadras e o GPS avisou: atenção, buraco em alguns metros. Fiquei pensando como podemos ter uma tecnologia tão precisa que nos alerta de um buraco e ao mesmo tempo não sermos competentes (ou honestos) o suficiente para fecharmos o tal buraco. Fiz esse comentário com o motorista e ele me disse:
– Pois é, esse aí é o Da Virada.
– O quê? Não entendi.
– O nome do buraco é Buraco Da Virada.
– Como assim o nome do buraco?
– Alguns de nós até batiza os buracos. Eles possuem nomes próprios!
Achei graça de tamanha desgraça, fazer o quê? Cheguei ao hotel e outra vez não pude evitar o contraste existente entre a beleza das escadarias e construções históricas com a feiura estampada pelo vandalismo e pelo lixo espalhado pelas calçadas.
A vontade que senti de caminhar por ali também contrastou com o medo e com a insegurança que apreçou meus passos para chegar logo ao saguão. Fui até o terraço contemplar a vista que foi a causa que me motivou a reserva do local.
Extasiante o pôr-do-sol, os velhos telhados, os arranhascéus espelhados. Finalmente um contraste que favoreceu o conjunto. Acompanhei o entardecer chegar de mansinho e aproveitei para pensar em tudo aquilo.
Bem, chegou a hora de ir dar o curso que me fez pernoitar fora. Eu gostaria de falar sobre essa sensação, essa experiência, sobre algo mais humano, abstrato ou mesmo romântico. Mas como os contrastes tiraram o dia para me atazanar tive que cumprir o contrato e falar sobre não conformidades em processos de trabalho, planos de ação para alavancar vendas e outras coisinhas menos divertidas.

Acompanhe
nossas
redes sociais