Das telas do cinema ao esquecimento

Patrimônio em ruínas

Das telas do cinema ao esquecimento

Em 2002, o distrito de Marques de Souza viveu seus minutos de fama como cenário do filme A Paixão de Jacobina. Em 2017 a localidade completa 15 anos com pouco incentivo para a valorização do patrimônio histórico

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Das telas do cinema ao esquecimento
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Os moradores da pacata Tamanduá relembram como se fosse ontem o maior acontecimento que a comunidade já viveu. Há 15 anos, o distrito de Marques de Souza caiu na graça dos produtores do filme A Paixão de Jacobina. O dia em que os atores globais Letícia Spiller e Thiago Lacerda passaram por ali entrou para a história do povoado.

O feito cinematográfico mudou a estrutura do local, que se transformou na cidade de São Leopoldo da época do Brasil Imperial. A fiação elétrica foi deslocada para o outro lado da via. A rua principal teve o asfalto coberto com terra. As sacadas das casas viraram camarins, e o distrito ganhou trilhos, pelos quais deslizava o equipamento de filmagem. Contudo, a principal mudança foi na forma como a comunidade começou a encarar seu valor cultural. Ao menos, por algum tempo.

Em 16 de janeiro de 2002, as casas que serviram de cenário foram tombadas, por meio de um decreto municipal, assinado pela então vice-prefeita em exercício, Lúcia Batista Pereira. Duas das casas eram anexadas, sendo consideradas um único imóvel. O proprietário era Nilson Cavaletti.

Ele comprou os imóveis um ano antes, com o objetivo de aproveitar o terreno. Com o tombamento, os planos foram adiados. Ele diz que não tinha condições financeiras de manter a estrutura. A casa cedeu em outubro de 2012. “A prefeitura não me ajudou em nada”, justifica.

Com aquele imóvel de 85 anos, se foi também a isenção do IPTU, concedida como uma contrapartida do município. Ele não detalha números, mas para se livrar da dívida ativa Cavaletti pagou valores referentes ao período isento. Hoje pretende aproveitar o terreno para a construção de um galpão, que será usado em atividades rurais. No entanto, o cenário econômico já não lhe traz tanta segurança e ele espera o momento certo de investir.

Moradores fizeram fotos com o elenco do filme A Paixão de Jacobina, produzido em 2002. Entre os protagonistas estava Letícia Spiller

Moradores fizeram fotos com o elenco do filme A Paixão de Jacobina, produzido em 2002. Entre os protagonistas estava Letícia Spiller

Município recua

Cerca de um mês depois, em 28 de novembro de 2012, o então prefeito Rubem Kremer “destombou” as casas. De acordo com o então secretário de Educação, Cultura e Desporto, Jurandir Brenner, o pedido partiu dos proprietários e foi acatado porque a prefeitura reconheceu que não tinha como auxiliar no custeio da manutenção das casas.

A única residência que sobrou é de propriedade de Ricardo Pretto. O imóvel é quase centenário, está na família de Pretto faz mais de 50 anos, e vem passando de geração em geração. Na infância, ele chegou a morar na casa, que era dividida entre cômodos residenciais e um “secos e molhados”, comandado por seu pai.

Segundo Pretto, no fim de 2012, ocorreu o destombamento da residência. Ele não lembra detalhes, mas recorda que houve uma conversa com representantes da prefeitura. “Eu disse: ‘pode destombar, que para mim não vai mudar nada; igual, vou conservar a casa’”. Atualmente, ele está reformando o local, e fazendo o possível para manter a estrutura original.

Trocou as folhas de zinco originais, que estavam muito furadas, por novas. As madeiras que estavam tomadas de cupins também tiveram que ser substituídas. Para isso, desmanchou um galpão e conseguiu algumas tábuas antigas. “Vou fazer o assoalho e o forro de madeira larga, como eram”, afirma.

Em função dos detalhes próprios da edificação com mais de 200m², não consegue estimar o custo total, mas já investiu mais de R$ 50 mil na reforma. Seus planos são, inicialmente, usar a casa para hospedar familiares visitantes e clientes e, posteriormente, fixar moradia ao lado da mãe, Iraci Iracema Pretto, 78, e da irmã Mariza Pretto, 58.

Sobre o futuro da cultura na cidade, o vice-prefeito de Marques, Lucas Stoll, diz que o município está contendo despesas. Segundo ele, a prefeitura está comprando material para recuperação de estradas e outros “processos que dão uma resposta mais direta ao que a comunidade precisa agora”. “Depois que conseguirmos retomar trabalhos e permitir o acesso do cidadão à saúde básica de qualidade, obviamente pretendemos investir na cultura”, afirma.

Casas construídas pelos primeiros imigrantes foram cenário em filmagem nacional

Casas construídas pelos primeiros imigrantes foram cenário em filmagem nacional

Potencial turístico

Em 2003, ano seguinte à gravação d’A Paixão de Jacobina, nasceu um movimento para criar o Roteiro Turístico de Jacobina, que envolveria 10 municípios, sendo as residências outrora cinematográficas de Tamanduá a principal contribuição de Marques de Souza. Na época, esse movimento incluiu representantes da comunidade. Ricardo Pretto era um deles.

Ele lembra que foram feitas algumas reuniões e pequenas ações, mas aos poucos, o movimento perdeu a força e a ideia não vingou. Pretto diz que seu trabalho exige muito de seu tempo e não tem condições de estar à frente de um projeto como este hoje. “O que surtiu mais efeito foi o Caminhos da Colônia, que não teve uma coisa exatamente de Tamanduá”.

“A cultura deveria ficar”

O eletricista João Acilo Ruschel, 55, chegou a morar na residência que cedeu em 2012, durante dois anos. Foi por volta de 1986, quando casou com a professora Odete Maria Ruschel, 53. Na época, a residência era propriedade da já falida cooperativa agrícola de Tamanduá. Segundo Ruschel, seu sogro era um ex-funcionário e foram morar na casa como forma de receber ao menos parte do que era devido pela cooperativa.

O casal nunca imaginou que voltaria à residência como figurante de um filme. No dia da filmagem, acordaram às 4h da madrugada, para arrumar cabelo, maquiagem e traje. Odete ainda lembra que sua missão era ficar atenta ao som da cacklet. A cada estalo, descia as escadas e ia para a rua, espiar a passagem de Jacobina.

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De tempos em tempos, família se reúne de vez para assistir mais uma vez ao longa no YouTube. “Olhando essa foto, vejo que fiquei parecido com meu avô. Acho que vou querer um casaco até o joelho que nem esse”.

Por dois fios

A professora aposentada Rose Mary Dhein, 53, acabou entrando para o estrelado ao acaso. Estava acompanhando as filmagens quando foi abordada por um produtor. Participou de duas cenas.

A mais importante foi a sentou atrás do galã Thiago Lacerda. Ela recorda que o calor de outubro dificultava o trabalho, pois o elenco usava roupas de lã escura.

Para azar de todos, a cena teve que ser repetida sete vezes. Foi nesses intervalos que a professora enxergou dois fios de cabelo do astro na lapela do casaco. Sabia que não podia perder a chance. “Eu peguei os fios e fiquei pensando como faria para não perder. Disfarçadamente, guardei no meu sutiã”.

A preocupação com os cabelos era tanta que ela nem notou que a produção havia levado seu par de sapatos por engano. No fim, precisou conseguir chinelos emprestados para voltar para casa. Contudo, aqueles dois preciosos fios estavam seguros.

Gesiele Lordes: gesiele@jornalahora.inf.br | Colaboração – Ezequiel Neitzke: ezequiel@jornalahora.inf.br

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