Após dez anos, Nicole está com a família completa

Lajeado

Após dez anos, Nicole está com a família completa

No Brasil desde 2012, ela havia deixado o filho mais velho no Haiti para conquistar melhores condições de vida. Solidariedade brasileira foi o que possibilitou o reencontro entre mãe e filho

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Após dez anos, Nicole está com a família completa
Lajeado

A haitiana Nicole Frederic, 34, festeja, desde quarta-feira a plenitude do ser mãe. Depois de dez anos longe do filho Fadlin, 12, conseguiu novamente tê-lo em seus braços, e completar de fato a família. Tudo graças à solidariedade dos brasileiros, que uniram esforços e conseguiram angariar recursos suficientes para trazer o menino do Haiti ao Brasil.

Ele é filho do primeiro casamento de Nicole. Mas chegou a Lajeado acompanhado do padrasto Douaneus Pierre, 35, que foi buscá-lo no país caribenho. No Haiti, Fadlin morava com um tio – irmão da mãe – desde os 2 anos de vida.

Nicole o havia deixado lá, para viajar à República Dominicana (RP) em busca de melhores condições de vida. Desde então, nunca mais o tinha visto. “Queria um emprego. Poder garantir que ele tivesse uma boa educação”, explica.

Na RP, conheceu Pierre, que também é haitiano. Depois de dois anos juntos, tiveram Ridachka, 8. Porém, a situação financeira da família não era das melhores, e Pierre decidiu se mudar em 2011 para o Brasil. Conseguiu emprego e ganhou dinheiro suficiente para trazer a mulher um ano depois. Ridachka ficou com uma irmã de Nicole na República Dominicana. “Ela sofria muito sem nós. Então, queríamos trazê-la primeiro.”

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Com ajuda de colegas de trabalho de Pierre, e um empréstimo, conseguiram, em 2014, a vinda da menina. No ano seguinte, ainda alegraram-se com a chegada de Anderson, primeiro filho brasileiro do casal. Mesmo assim, para Nicole, ainda faltava muito, faltava Fadlin. “Ele estava mais tranquilo que a irmã, acostumado. Mas nós não. Sofria muito com isso. Quase não o vi crescer.”

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Vendo a situação da mulher, Pierre também não sentia-se bem, e pensava em como ajudar. “Se ela sofre, sofro também. Mas a crise estava muito grande. Mal dava para mandar o dinheiro para ele estudar. Sempre batalhei muito por nós, e acreditava que Deus iria nos ajudar.”

Fada madrinha

Funcionária da lavanderia do Hospital Bruno Born (HBB), no ano passado, Nicole foi chamada por uma colega de trabalho, para auxiliar na tradução da fala de outra haitiana, que estava internada na casa de saúde. “A moça tinha ganhado gêmeos, mas não conseguiam falar em português com ela. Queriam convencê-lá de ficar com os filhos. Então me chamaram.”

Foi então que o drama dela começou a ganhar ares de final feliz. A colega que a chamou começou a lhe perguntar sobre sua vida, e Nicole falou sobre o filho. “Eu disse para ela que queria muito que ele estivesse aqui, mas a situação estava difícil. Demoraríamos muito tempo para juntar R$ 12 mil. Ela de pronto me falou: vou te ajudar, e me ajudou.”

A mulher organizou uma rifa, por meio do qual foi angariada grande parte dos recursos necessários para trazer Fadlin. “O que ela fez por mim só minha mãe faria. Mais ninguém. Agora sabemos que dinheiro não é tudo na vida. Precisamos de pessoas ao nosso lado”, considera Nicole.

A funcionária do HBB que ajudou a haitiana prefere ficar no anonimato. Mas conta que desde o primeiro momento foi tocada pelo fato. Além da rifa, também conseguiu doações para a família. Hoje, sente-se agradecida. “Eu tive a iniciativa, mas não me sinto responsável. As pessoas que compraram é quem realmente auxiliaram. Sozinho, a gente não consegue quase nada. Precisamos olhar para o outro.”

União de esforços

O restante do dinheiro, mais de R$ 2 mil, foi conquistado por meio do Gogó do Bem. Realizado em maio do ano passado, o evento beneficente reuniu diversos músicos da região no palco do Public House, para auxiliar a família.

Sofia Salvatori foi quem deu o pontapé para realizar a ação. Ela soube da rifa pelo pediatra dos filhos, e resolveu colaborar de outra forma. “Fiquei arrasada só de pensar em não ver meus filhos por dez anos. Então conversei com amigos cantores e músicos para organizar o show, e eles toparam.”

Além do valor arrecadado com as apresentações, os músicos receberam uma doação anônima, de R$ 500. “Não conseguimos juntar muita grana, mas as pessoas que cantaram ou que foram ao show fizeram tudo com muito amor. E foi o amor das pessoas todas envolvidas que trouxe o menino para o colo da mãe.”

Nicole esperou anos por esse momento. Nos braços, segura Hernando. Ao lado Anderson, Faddlin, Ridacheka e o marido Pierre

Nicole esperou anos por esse momento. Nos braços, segura Hernando. Ao lado Anderson, Faddlin, Ridacheka e o marido Pierre

Família completa. Coração grato

Com o dinheiro em mãos, Pierre viajaria para o Haiti, para buscar Fadlin, em setembro do ano passado. Porém, um acidente de trânsito grave, em julho, o fez parar no hospital por dois meses. O soldador ainda não está recuperado, e segue afastado do trabalho. Mas em abril deste ano, juntou forças e foi atrás do filho de coração.

Antes, eles haviam sido agraciados com a chegada de Hernando, hoje com 2 meses. O mais novo entre um quarteto que, agora, desfruta de todas as vivências em família. Nessa sexta-feira, enquanto Anderson brincava no celular depois do almoço, os mais velhos bagunçavam o quarto, compondo uma comum cena familiar. “Eu vou fazer vocês arrumarem”, disse a mãe, cumprindo seu papel na história.

“É a melhor coisa poder ter todos seus filhos juntos. Ver como eles dormiram, acordaram. Comemorar ou sofrer junto. Agora estou tranquila”. “Esperamos poder dar tudo de melhor para eles, e queremos agradecer muito a essas pessoas que nos ajudaram. Que Deus multiplique as bençãos para elas”, conclui Pierre.

Empatia para melhorar as relações

Antes de vir ao Brasil, Pierre não imaginava que pudesse ganhar tanta ajuda. Conta que sempre foi bem tratado pelos brasileiros, e auxiliado quando precisou. Relata que representa a atual relação entre os moradores de Lajeado e os estrangeiros, segundo o funcionário do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Lajeado, Simon Renel.

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O haitiano trabalha como intermediador dos estrangeiros na cidade, e observa melhora nas relações desde que os primeiros haitianos chegaram ao Brasil, após o terremoto de 2010. “O preconceito ainda existe, sabemos, mas não é tão percebido quanto antes. Isto avançou bastante, notamos no dia a dia.”

O serviço público também teria conseguido suprir as necessidades dos novos moradores, como saúde e educação. Porém, o desemprego afeta quase 1/3 dos estrangeiros. De aproximadamente mil, cerca de 200 estariam nessa condição.

“Isso está bem complicado, por conta da crise ainda. Mas eles não estão indo embora. Acreditam que se voltarem, será ainda pior. Enquanto isso, vão ajudando uns aos outros.” Ele afirma que novos grupos, principalmente de haitianos, continuam chegando à cidade.

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