Ao fundo da oficina, em meio a geladeiras e refrigeradores, Fernando Rocha, 55, tem seu espaço de terapia. No canto de um metro quadrado, sem assentos e baixa iluminação, ele pratica a arte de recortar vidros.
Tudo começou a partir do pedido de uma das filhas. Vendedora de cachaça artesanal, em Porto Alegre, ela precisava de copos pequenos para a degustação dos clientes, e pediu ao pai que confeccionasse alguns. “Eu disse claro, vamos lá.”
Aliando técnicas próprias, adquiridas ao longo da carreira, e da internet, Rocha fez os primeiros exemplares. Porém, os gargalos de garrafas de bebida long neck ficaram sem o acabamento ideal.
Determinado, o mecânico passou a testar novas ferramentas. Quebrou muitas garrafas, até que, dois anos depois, atingiu o nível desejado.
Em uma engenhoca feita por ele, com utensílios domésticos, um motor e discos diamantados, ele consegue deixar as bocas dos copos lisas, seguras para beber.
“Foi um exercício contínuo de tentativa e erro. Muitos cortes na mão. Mas, enfim, consegui chegar onde queria.”
Mente criativa
Dali em diante, diferentes ideias surgiram. Além dos cascos de cerveja, Rocha começou a cortar vidros de whisky, vodka, vinho, azeite e até de perfume.
Não somente em linha reta, mas também na diagonal, em formas quadradas e redondas. Cada um tornou-se um utensílio diferente. São copos, porta-caneta, terrários, luminárias, entre outros.
A diversificação propiciou que, no fim do ano passado, começasse a participar de feiras de artesanato na cidade, e tivesse o trabalho conhecido por outras pessoas. “Foi o que abriu as portas para mim. Está sendo muito bom.”
A troca de experiências com artesãos, e a parceria com a mulher Marta, propiciam que novas ideias surjam todos os dias. Rocha não quer mais parar.
Sustentabilidade
O trabalho de reciclagem é feito nas horas de folga da refrigeração. Mas, por vezes, o envolvimento é tanto que ele acaba perdendo a noção de tempo. “Relaxo, e até esqueço de almoçar. Coisa que eu jamais faria antes, era muito acelerado. Hoje aprendi a colocar o pé no freio.”
Além do prazer da prática, ideais de um planeta sustentável e mais humano também são o que levam adiante. Todo o material usado é comprado de catadores. Rocha hoje se define como um transformador. “Quanto mais eu reinserir na vida das pessoas materiais que iriam para o lixo, mais me sentirei realizado.”
Enfatiza que o custo de tratar o lixo é mais alto do que os investimentos para reciclar. E convoca a comunidade a encontrar alternativas para usar qualquer material que seria colocado fora.
“Precisamos ter um senso mais comunitário. Não somos uma ilha. Esperar que os outros façam por nós não existe mais. Temos a obrigação de fazer algo a mais.”