Dois empresários da região foram presos ontem de forma preventiva durante a 12ª Operação Leite Compen$ado, que investiga transporte e industrialização de produtos lácteos. Para os investigadores, empresas recebem e repassam entre si leite cru, creme de leite e soro de creme fora dos padrões previstos pela lei. Adição de soda cáustica e água, e utilização de leite vencido são outras suspeitas.
Eduardo Grave, proprietário da Laticínios Rancho Belo, de Travesseiro, e o transportador Evandro Luís Kafer, da A. C. Tressoldi Transportes Ltda, de Estrela, e outros três homens – dois detidos e um foragido – foram presos preventivamente suspeitos de comercialização de produto lácteo impróprio para consumo humano.
A operação é coordenada pelo Ministério Público do Estado (MPE), com apoio do Gaeco, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Receita Estadual e Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Com sede na estrada geral Felipe Essig, no interior de Travesseiro, a laticínios Rancho Belo é um dos principais alvos da operação. Além da marca própria, a empresa instalada em janeiro de 2016 no pequeno município – com auxílio de R$ 250 mil do Executivo em serviços de terraplenagem e na compra de área – também fabrica e envaza leite para a rede de supermercados Dia%.
Na sede da empresa, de acordo com os promotores de Justiça, Mauro Rockenbach e Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, não foi encontrado produto vencido ou adulterado. Grave foi preso pela manhã, no local. Lá, investigadores procuravam possíveis laudos manipulados e outros documentos. A suspeita é de produção e venda de produtos vencidos e inadequados para o consumidor.
Em uma das gravações apresentadas pelo MPE, dois suspeitos falam sobre o destino de uma carga de “creme podre”. Um dos investigados responde: “pra Rancho Belo”. O outro interlocutor então questiona: “e aceitam lá daquele jeito?”. A resposta é breve. “Lá aceitam de qualquer jeito. Até creme pegando fogo”.
Além da prisão do empresário, o empreendimento teve as atividades suspensas pela Fepam em virtude de irregularidades na Licença de Operação e inadequação de descarte de resíduos, entre outros problemas verificados. Segundo os promotores, o empreendimento tinha alvará municipal, quando o tamanho da área exige que tal documento seja expedido pelo Estado.
“Ele demonstra estar tranquilo”
A reportagem falou com o advogado de Grave, Ronaldo José Eckhardt. “Apesar de estar indignado com a situação, ele demonstra estar tranquilo. Nega veementemente qualquer irregularidade, e diz que possui todas as análises de laboratório. Que está tudo certo”, informa o procurador designado para defender o empresário de Travesseiro, que está preso no presídio de Arroio do Meio.
Prisão no Cristo Rei, em Estrela
Evandro Luís Kafer, um dos sócios-proprietários da A. C. Tressoldi Transportes Ltda, com sede no bairro Cristo Rei, em Estrela, foi preso em casa, na manhã de ontem. A residência fica no mesmo endereço da empresa. Ele é suspeito de auxiliar no transporte e revenda de produtos inadequados ao consumo.
Em um telefonema interceptado pelo MPE, Kafer conversa com outro suspeito sobre o mercado de laticínios. No trecho divulgado, eles falam sobre cargas de cremes enviadas ao estado de Goiás com acidez acima do permitido pela legislação vigente. O Sistema de Inspeção Federal (SIF) teria solicitado a devolução do produto, que, pelo teor da conversa, fora produzido pela Rancho Belo.
A reportagem ligou para a sede da Tressoldi Transportes Ltda. Quem atendeu foi outra sócia, que preferiu não se manifestar sobre a prisão e sobre o possível envolvimento da empresa nas fraudes de produtos apontadas pelos dois promotores de Justiça do Estado.
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Detalhes da 12ª fase da operação
As outras marcas e empresas investigadas são o queijo e creme de leite Bonilé, fabricado pelo Laticínios Modena, de Nova Araçá, e o queijo Princesul, do Laticínios C&P, de Casca. A previsão é que mais de 40 pessoas sejam ouvidas em depoimentos até a próxima semana, quando o MP apresenta a denúncia à Justiça da Comarca de Arroio do Meio.
Claudionor Mognon e Henrique Alessi Pasini, funcionários da Laticínios Modena, também foram presos de forma preventiva ontem. Flávio Mezzomo, da Laticínios Princesul, foi orientado a não se apresentar ao MP e, até o fechamento desta edição, era considerado foragido da Justiça.
Os promotores informam que as investigações iniciaram em outubro de 2016. “Uma organização criminosa se instalou na região para fraudar o produto, recuperando leite impróprio para consumo”, diz Rockenbach. A investigação, segundo o MPE, aponta que “leite que só poderia ter como destino a alimentação de animais foi usado para a industrialização de produtos para humanos.”
Escutas
Durante a conversa, dentre outros assuntos, o interlocutor pergunta: “mandaram pra onde aqueles creme podre lá?”, ao que o investigado responde: “pra Rancho Belo”. Diante da resposta, o interlocutor faz nova pergunta: “e aceitam lá daquele jeito?”, ao que o investigado responde com risos e em tom irônico: “lá aceitam de qualquer jeito piá” sendo comentado pelo interlocutor: “até creme pegando fogo”
Quando Ricardo disse a Evandro: “Eu falei pra ocê, cara, aquilo lá tava demorando a pegar” fica claro que eles já sabiam que a Rancho Belo, já há algum tempo, costumava negociar creme fora dos padrões mínimos de qualidade
Galeria de fotos
Posição do Supermercado Dia
Em nota, a empresa se posicionou sobre a 12 fase da Operação Leite Compen$ado. A empresa afirma ter um “rigoroso processo de qualidade” e afirma ter retirado o produto das lojas. Confira abaixo a nota na íntegra.
Dia Supermercado emite nota oficial
Como consequência da investigação conduzida pelo Ministério Público, identificou-se uma adulteração em produtos da indústria fabricante Laticínios Rancho Belo Ltda. O DIA, em seu compromisso de qualidade com o cliente, decidiu retirar proativamente todos os lotes do produto de suas lojas e bloqueou a saída do centro de distribuição. Além disso, todos os clientes que compraram o Leite integral UHT DIA (sachê 1 litro) em uma das lojas da rede, podem devolvê-los e ser reembolsados do dinheiro.
A empresa esclarece também que tem um rigoroso processo de qualidade com os produtos da marca própria. Especificamente sobre o Leite integral UHT DIA (sachê 1 litro), fabricado por Laticínios Rancho Belo Ltda, foram realizados testes de qualidade – parte da rotina da empresa – e não foram encontradas alterações nos lotes distribuídos. Além disso, o DIA está refazendo os testes de qualidade com o leite em questão.
O DIA reitera seu compromisso com a qualidade dos produtos e se coloca à disposição dos órgãos oficiais para outros esclarecimentos que se fizerem necessários.