Tempos históricos: há 192 anos, alemães aportavam no sul

Vale do Taquari

Tempos históricos: há 192 anos, alemães aportavam no sul

A onda de emigração da Europa atingiu mais de 60 milhões de pessoas nos séculos 18 e 19. Alemães, italianos, espanhóis, irlandeses e outros povos estavam assolados pela crise política, social e econômica. Para fugir da miséria, da opressão e das guerras, os germânicos se aventuraram no Atlântico, numa ato de desespero em busca de uma vida melhor.

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Tempos históricos: há 192 anos, alemães aportavam no sul
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Os motivos de esperança eram tão fortes quanto as promessas de fartura. Isso foi suficiente para convencer milhões de famílias germânicas a deixarem o continente europeu. Muitos queriam mesmo é fugir de impérios que oprimiam e aumentavam a pobreza e miséria humana. No caso dos alemães, emigraram para continentes da África e da América, espalhando-se por países como África do Sul, Brasil, Argentina, Chile e, na maioria, para os Estados Unidos.

Para o sociólogo e ex-presidente do IBGE, Simon Schwartzman, 3,6% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter ancestralidade alemã. O número parece baixo, mas representa cerca de 7,2 milhões de pessoas. O Brasil foi onde os povos germânicos refugiados conseguiram preservar a cultura, principalmente devido ao isolamento da Região Sul, para onde foram enviados.

Mergulhados na selva, criaram colônias no RS, Santa Catarina e Paraná. Os teutos migraram para estados como Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Muitas foram as causas que levaram os germânicos a viver na América.

Até 1871 não existia, de fato, um país alemão. A região era composta por 39 estados como principados, condados, reinados e ducados. Eram formados pela Confederação Germânica, comandada sobremaneira por representantes da Áustria e da Prússia.

A industrialização, também chamada de Revolução Industrial, trouxe sobre essas regiões o desenvolvimento econômico e social. Com isso, se criaram as riquezas, o aparecimento das grandes cidades comerciais e das metrópoles. As indústrias cresciam com grande velocidade, exigindo cada vez mais trabalhadores para abarcar a demanda.

A população rural foi a principal atingida. Desencadeou fluxos migratórios do campo às grandes cidades. Outros aspectos da industrialização foi o desenvolvimento de infraestrutura, transporte, comunicação, diversos ramos de serviços e com eles, a degradação ambiental.

Desta transformação decorreram as mazelas humanas, a pobreza, o crescimento desenfreado da população nas cidades, o desemprego. Foi o que desestruturou as famílias, que viviam ainda resquícios do feudalismo.

Os mais atingidos foram os camponeses. Para fugir da fome e da miséria, muitos cogitaram a possibilidade de deixar o país. A emigração foi a única saída.

No Brasil, que havia sido declarado independente na mesma época, o imperador Dom Pedro I investiu em propagandas para atrair os imigrantes. Cartazes, jornais, folhetos, livros e fotografias eram distribuídos na Europa, através de agências contratadas e com ajuda das companhias de colonização, para estimular a vinda dos imigrantes. A crise era tanta que enfrentar uma viagem sem volta, atravessar um oceano em um barco à vela, sem saber quantos meses duraria, foi preferível. E muitos morreram pelo caminho.

As transformações sociais, políticas e econômicas que passava a Europa eram por si só motivos para buscar refúgio em outras nações. Mas as excepcionais condições oferecidas no Brasil eram o fio de esperança para fugir do conflito e do caos europeu.

As intenções do imperador não eram humanitárias. Ele queria garantir as fronteiras constantemente ameaçadas pelo império espanhol. Entre tantos outros objetivos, o de ‘branquear’ o Brasil foi o mais estarrecedor. Segundo historiadores, havia o pensamento de que a miscigenação era a degeneração racial. Então, trazer os europeus era garantir o progresso e o desenvolvimento das regiões.

Os pioneiros, entretanto, foram os que mais sofreram. Encontraram aqui a selva. Abriram caminho e se depararam com animais selvagens. Ao chegar nas tribos indígenas, tiveram que ir ao confronto. Muitos morreram de ambos os lados. Os indígenas levaram a pior. Por isso, quando as relações foram sendo estabelecidas, os escravos negros eram tratados da melhor forma pelos alemães.

E muitos africanos preferiam conviver ao lado dos imigrantes. Isto porque na hora do trabalho, não havia diferença entre sinhô e escravo. Ambos trabalhavam juntos na roça. Os germânicos, eram bons patrões.

Família separada na imigração se reencontra

Lothar Schaefer, 83, recebeu uma ligação que mudaria o rumo das pesquisas genealógicas iniciadas há quase 30 anos. Do outro lado da linha, a voz de sotaque alemão, diferente do dialeto, procurava por descendentes de Christoph Schaefer, seu bisavô. O destino reuniu de novo a família depois de 160 anos.

“Tão forte quanto a separação é o reencontro.” Com essas palavras, o pesquisador Lothar Schaefer resumiu o trabalho de quase 30 anos. As mais de mil páginas da árvore genealógica feita por ele ganharão outras mais depois da ida à Alemanha.

O reencontro da família separada na imigração ocorreu na região de Hunsrück, sudoeste do país germânico, em novembro de 2014. Nove pessoas deixaram o solo brasileiro. Em Teutônia, parte do grupo foi a Porto Alegre, onde estava o restante dos familiares. Um cineasta da capital foi contratado para fazer um documentário dessa história.

Esta é a segunda vez que o aposentado Hilário Schaefer, 72, vai à Alemanha. A última foi há 32 anos. “Quando fui da outra vez ainda tinha o muro em Berlim”. Também embarcaram as filhas Edith Janeth e Vivian Christini. Por lá, mostrou alguns números de mágica. Os truques que faz em aniversários são um hobby que pensa em compartilhar no solo germânico, com a família.

Na cidade de Mengerschied, a outra família deu entrevista para imprensa local e a notícia se espalhou pela região. Separados a quatro gerações, voltam a se ver depois de 160 anos. Desta vez, com festividade e fartura. A ideia é organizar um encontro também no Brasil.

Documentário inspirado em filme

A inspiração vem do filme Die andere Heimat, que participou do Festival do Rio. A Outra Pátria, de Edgar Reitz, conta as tramas de uma vida difícil, em que havia pouca comida e trabalho, e muitos estavam em dúvida para abandonar a terra natal.

O documentário foi acompanhado pelo genro Paulo Ricardo Wolf. Aficionado para descobrir as origens, fez um filme sobre a imigração. Presenciar o encontro emocionou. “Meu filho terá esta ligação direta com seu passado. O que tem por trás destas datas? São histórias, ricas em detalhes que não podemos perder.”

Wolf foi junto para testemunhar o encontro. Havia tentado o mesmo com a própria família. Mas naquela vez a ida à Alemanha trouxe poucos resultados históricos. “Temos indícios que ligam nossa família, mas faltam dados e principalmente contato com familiares.”

Coincidências familiares

Se de um lado Lothar dedicou 30 anos em busca de esclarecimentos, do outro lado do Atlântico, Hilde fazia o mesmo. Na cidade de Mengerschied, tem um livro que conta a história da imigração desde 1784. A forma como muitos habitantes deixaram a cidade e se espalharam pela Inglaterra, EUA, África do Sul e Brasil está escrita nos detalhes. Inclusive a dificuldade enfrentada para voltar a falar com familiares que vieram para o continente americano.

Quem ficou do lado de lá do oceano ou mesmo foi morar com os norte-americanos, voltou a se comunicar. Aos que colonizaram o Brasil, restaram as lembranças. Perderam completamente o contato. A partida era de lágrimas. Sabiam estar se vendo pela última vez e a despedida de pais e filhos, irmãos e amigos era um feito emocionante.

Hilde descobriu que dos 50 vindos da pequena cidade dois vieram ao Brasil e um era Schaefer. Tratava-se do irmão de seu bisavô, que deixou o país em 1854. Conforme Lothar, esse momento de separação era feito com a melhor roupa.

Ao chegar, logo procuraram exercer a profissão como sapateiros, alfaiates, missionários, professores. Christoph Schaefer veio como costureiro, mas logo assumiu como pastor e professor. Esse era, segundo consta, um sonho de infância que não pôde realizar no país de origem.

Lothar reuniu mais de mil páginas em uma pesquisa genealógica que parou no bisavô Christoph. Naquela época, a Europa estava tomada pela fome e pobreza, motivos decisivos para que o bisavô viesse ao Brasil.

O histórico compilado em um calhamaço de folhas de ofício nem fora numerado. Sugere, porém, mais de mil folhas. Trata-se de registros de nascimento e óbitos, enfim, documentos enumerados. “Talvez o mais precioso documento vou conseguir na Alemanha. Com a foto do meu bisavô, quero colocar uma cópia da carta escrita por ele.”

Carta salvou-os do esquecimento

O mais rico material histórico que comprova a ligação entre as famílias é a carta escrita pelo pastor Christoph Schaefer. Ela foi a única prova que permaneceu intacta, mesmo tendo atravessado o Atlântico. Quando foi embora, ele não conseguiu mais contato com a família. Não havia sistema de correios no Brasil. O primeiro selo conhecido como Olho de Boi foi impresso por determinação do governo imperial só em 1843. Além disso, não havia endereço fixo para os imigrantes. A família que ficou sabia apenas que o jovem havia partido para o sul da América.

Nessa carta, Christoph, que virou pastor, descreveu a sua missão, incompreendida na Europa. Conta sobre os desígnios de Deus e sobre a caridade em esclarecer a Bíblia aos incultos. Da pequena cidade de Mengerschied, que hoje tem cerca de 700 habitantes, 50 pessoas emigraram para várias regiões da Europa e América em cem anos.

Em tom profético, constam na carta os detalhes de como estava a vida no Brasil, na Comunidade Gabriel. Trata-se da reprodução de um discurso dele como pastor. Em determinado trecho cita: “O que, querida comunidade, devo anunciar a vocês depois que me tornei pastor? Será que me torno um falso que faz do preto o branco e do branco o preto? Vosso amor foi grande comigo. Isto me dá coragem e confiança, de plantar hoje a bandeira do crucificado neste lugar sagrado{…}”

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