Enchente desabriga e acumula prejuízos

Você

Enchente desabriga e acumula prejuízos

Cidades da região são atingidas pela segunda vez em 2015. Mais de 200 pessoas ficam desabrigadas. Condições meteorológicas adversas prejudicam também o campo e a lavoura. Falta de políticas públicas e investimentos em prevenção são desafios para gestores públicos

Por

Vale do Taquari

Vale do Taquari – A previsão das coordenadorias de Defesa Civil foi confirmada na tarde desse domingo. O acúmulo de chuva elevou a 22,10 metros o nível da água no Rio Taquari, saturando os principais arroios afluentes e causando inundações em diferentes pontos das principais cidades da região. Em Lajeado e Estrela, mais de 40 famílias foram obrigadas a deixar as casas.

Crédito: Rodrigo MartiniNo fim da tarde de ontem, as medições apontavam reduções no nível da água. A Defesa Civil acredita na normalização das áreas afetadas até a noite de hoje. A previsão é que todas as famílias voltem para suas casas ainda neste fim da semana.

Entre os desalojados, está Isabel Cristina Harter. Ela vive faz mais de 40 anos no bairro centro, na localidade conhecida como “Cantão do Sapo”. A rua onde mora, a Francisco Oscar Karnal, foi uma das mais atingidas. “Enfrento essas inundações desde que nasci. Já estou acostumada”, afirma.

Isabel mora com o pai e um filho em uma casa que ficou parcialmente submersa. Com apoio da Defesa Civil, de profissionais da área da saúde e de estudantes da Univates, ela foi abrigada no Centro Esportivo Municipal do bairro São Cristóvão, para onde foram enviadas outras 30 famílias e 37 cachorros. “Não perdi nada. Houve apenas danos a alguns móveis no momento da remoção”, lamenta.

Apesar do claro incômodo de deixar a residência para morar, provisoriamente em um ginásio público, ela não pretende deixar a residência construída sobre uma área historicamente alagável. “Lá eu tenho escritura da casa e do terreno. Não quero ir para algum lugar onde terei que parcelar um novo imóvel. Só deixarei o local se houver proposta justa pelo terreno e se eu puder escolher o novo destino”, salienta.

Além do Cantão do Sapo e do Parque Professor Theobaldo Dick, foram registradas inundações na av. Décio Martins Costa e também em algumas ruas paralelas localizadas na divisa entre o centro e o bairro Hidráulica. Entre elas, as vias João Batista de Melo, Júlio May, Alberto Torres e João Pessoa. Houve problemas também em pontos isolados no Conservas.

Em Estrela, 14 famílias foram removidas. Oito são do bairro Oriental e seis do Imigrantes. Quatro delas foram encaminhadas para casas de familiares e amigos, e dez estão no ginásio da escola Odilo Afonso Thomé. Pelo menos oito vias foram interditadas em função da água. Elas se localizam nos bairros Imigrantes, São José, Novo Paraíso, Alto da Bronze e Auxiliadora.

Calor de 34ºC e chuva na semana

Conforme o Centro de Informações Hidrometeorológicas (CIH), a semana terá calor intercalado com pancadas de chuva. Hoje, a previsão é que a frente fria responsável pela chuva comece a deixar a região graças ao ingresso de vento mais quente a partir do norte do estado. Mesmo assim, há possibilidade de chuva, mas a temperatura pode chegar a 27°C, com aparecimento do sol.

Amanhã, a instabilidade permanece bloqueada sobre o extremo sul do estado, devido ao ingresso do vento quente a partir do norte. No Vale, o sol aparece com algumas nuvens e o dia apresenta forte aquecimento. Em virtude disso, chuvas isoladas são previstas entre a tarde e a noite. A temperatura mínima deve ficar em 19°C e máxima chega a 34°C. Novos temporais devem ocorrer na quinta-feira. Até sexta-feira, pode chover uma média de chuva entre 30 e 50 mm.

No trigo, perdas chegam a 30%

A formação de geada, granizo e precipitações em altos volumes deixam os produtores de trigo, cevada e canola apreensivos. Conforme o engenheiro agrônomo da Emater Regional de Passo Fundo, Claudio Doro, as perdas na lavoura de trigo chegam a 30% em alguns municípios após a geada.

A queda na produtividade e na qualidade pode se agravar pelas condições meteorológicas adversas – altos volumes de chuva, umidade do ar e temperaturas elevadas. “Clima propício para aparecimento de doenças fúngicas.”

Nos 44 municípios abrangidos pela entidade, foram cultivados 56 mil hectares de trigo. A produção inicial por hectare estava projetada em três mil quilos, reduzida para apenas 2,2 mil após as condições desfavoráveis. A saca está cotada em R$ 33, sem perspectivas de aumento com o início da safra em novembro.

Variedades mais resistentes

O produtor Gerson José Schorr, de Lajeado, acumula prejuízos na lavoura de 120 hectares de trigo. Parte do cereal foi atingida pela enchente e está submersa. Outras áreas foram devastadas pela força do vento e chuva. “A alta temperatura e umidade fazem as plantas apodrecerem. Choveu 180 milímetros em três dias. É demais.”

A 20 dias de iniciar a safra, o grão colhido será de menor qualidade e produtividade. A projeção era de colher até 50 sacas por hectare. “Se chegar aos 40 está ótimo.” Para escapar das intempéries, aposta em variedades mais resistentes e aplicação de fungicidas, que aumentam o custo de produção em até 20% neste ciclo.

Nos hortigranjeiros, os efeitos dependem da região. Os cultivos sem proteção sofreram maior impacto, como o tomate, pimentão, pepino, feijão-de-vagem, chuchu, moranga, abóbora, batata, batata-doce e mandioca. Nas frutíferas, as perdas se acumulam nos pomares de pêssego, ameixa, caqui, amora-preta e também nas parreiras. A geada provocou o abortamento das flores e frutos no pêssego e das flores nos citros.

Saiba mais

• Quando atinge 19 metros, o Rio Taquari causa enchente em 19,18% da área total sujeita às inundações em Lajeado;

• Acima dos 19 metros, a cheia atinge áreas planas de Lajeado;

Em Lajeado, toda a área sujeita às inundações corresponde a 416,81 hectares.

Desafios para Lajeado e Estrela

Em setembro de 2012, às vésperas do pleito municipal, reportagem ouviu os candidatos a prefeito sobre suas propostas de enfrentamento aos problemas gerados pelas enchentes. Veja o que os postulantes vencedores disseram na época, e o que efetivamente foi realizado três anos depois:

Luís Fernando Schmidt:

O que prometeu: “Manter processos aprimorados, articulados com a Defesa Civil, tanto de prevenção como também no atendimento aos cidadãos atingidos pelas cheias. Estabelecer relações efetivas e permanentes com o Ministério da Integração Nacional e com áreas afins do governo do Estado.”

O que foi feito: a equipe da Defesa Civil foi aprimorada, passando por qualificações e projetos para angariar mais voluntários. Também estão em construção dois loteamentos populares no bairro Santo Antônio, com previsão de receber quase 450 famílias que vivem em vulnerabilidade. O governo também instituiu o projeto-piloto Ciranda da Resiliência, para prevenção de desastres naturais, em parceria com a Ufrgs, reunindo crianças do Projeto Vida São José.

Rafael Mallmann

O que prometeu: “Criaremos o Conselho Municipal de Defesa Civil e grupos de voluntários em todos os bairros. Também treinaremos os vigilantes municipais, para que estejam prontos para atuar nas calamidades. Prevemos a construção de 240 casas populares para realocar as famílias em risco. Viabilizar estudo das áreas de risco e implantar um sistema de monitoramento eletrônico do Rio Taquari e seus afluentes, que seja capaz de oferecer informações com no mínimo 12 horas de antecedência. É preciso investir em obras viárias nos bairros Auxiliadora e Chá da Índia.”

O que foi feito: foi criada a Coordenadoria Municipal da Defesa Civil, na qual atuam dois servidores, com veículo próprio. Também criado o Plano de Contingência abrangendo Comunicação, Assistência Social, Saúde e Obras, com mais de 25 profissionais. Já foi iniciada a construção de 250 casas na primeira fase do loteamento popular para famílias em vulnerabilidade social. O governo instalou três pluviômetros eletrônicos em diferentes pontos da cidade. As precipitações são acompanhadas por satélite e há uma régua nova instalada em Taquari para acompanhar as cheias.

Acompanhe
nossas
redes sociais