Família espera 19 horas por necropsia

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Família espera 19 horas por necropsia

Ciclista atropelado no domingo à noite foi analisado por legista só às 15h de ontem

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Lajeado

Lajeado – Paulo Roque Troian foi atropelado duas vezes quando tentava cruzar a pista da BR-386 no início da noite de domingo, nas proximidades do shopping. O morador do bairro São Bento morreu no local, e o corpo foi encaminhado por volta de meia-noite ao Posto Médico Legal (PML). Lá, o cadáver permaneceu até as 15h30min de ontem, quando a equipe finalizou a autópsia. O Estado não prevê solução para a defasagem de profissionais.

Crédito: Anderson Lopes“É uma falta de respeito com o ser humano. O corpo está jogado lá há 19 horas porque dizem que não há perito. Não tenho palavras para descrever o que sinto”, lamenta a esposa, Elaine Massmann. Era pouco mais de 15h quando ela e outros familiares voltaram para a frente do posto. Junto, chegaram o médico-legista e um técnico em necropsia.

De folga após cumprir plantão durante o fim de semana, o único médico-legista atuando em Lajeado – e responsável por outros 41 municípios – finalizou a autópsia em pouco mais de meia hora.

“Não me deixaram ver o corpo e nem mesmo as fotos da delegacia para saber se é mesmo ele, apenas o xerox da identidade”, relata a esposa. Após a liberação pelo PML, ela ainda aguardava a chegada do veículo da funerária, que veio de Santa Catarina buscar o corpo para o velório e sepultamento. “Teremos mais dez horas de viagem até lá.”

A região sofre com a falta de profissionais desde junho do ano passado, quando um dos médico-legista se aposentou. Hoje, a equipe do PML de Lajeado é formada por um profissional de Medicina, um estagiário e três técnicos. Desses técnicos, um está de licença- saúde após fraturar um dedo da mão, e outros dois na iminência da aposentadoria.

Não há o que fazer”

A posição do Estado é desalentadora. “Não há o que fazer. Contamos apenas com a compreensão da comunidade”, resume o coordenador do PML de Lajeado e outras regiões, Cesar Augusto Ferreira. Ontem mesmo, ele participou de uma reunião com a diretoria do Instituto Geral de Perícias, em que não ouviu novidades sobre a possibilidade de novas contratações.

“Não há previsão de concursos, e tampouco de contratações emergenciais. E se hoje realizássemos um concurso, o profissional, após passar pelos trâmites burocráticos e pelos treinamentos, assumiria só em janeiro de 2017”, salienta.

Ferreira admite que a preocupação perdura há anos. Segundo ele, os problemas registrados hoje eram imaginados em um passado recente. “E ele vai aumentar, pois vários servidores estão prontos para se aposentar.” O coordenador informa o fechamento de pelo menos três postos nos últimos meses. Eles estão localizados em Lagoa Vermelha, Taquara e São Jerônimo.

Quase 2 mil perícias em 2015

O único médico-legista na região atende uma média anual de 2,7 mil perícias. Só em 2015, foram cerca de 1,9 mil. Os serviços envolvem necropsias, exames de corpo de delito em vítimas vivas ou mortas, análise de ferimentos e elaboração de laudos que auxiliam nas investigações criminais.

No local, o único médico ainda enfrenta problemas sérios de estrutura e material de trabalho. Janelas quebradas por vezes expõem os corpos. A falta de uma câmara fria já perdura por mais de seis anos. Um aparelho de raios X chegou a ser comprado, mas faltou recursos para a instalação. O maquinário acabou enviado para outro posto.

Para piorar, os profissionais do PML de Lajeado não recebem pela maioria das horas extras trabalhadas em 2015.

Alguns precisam pagar, inclusive, pela gasolina dos veículos particulares, utilizados durante chamadas de plantão e também pelo uso de celulares para contatar outros postos.

Neste ano, o IGP tenta garantir ao menos dois fins de semana por mês de descanso aos profissionais. “É ilegal mantê-los trabalhando 24 horas durante os 30 dias do mês”, sustenta Ferreira. Neste mês, por exemplo, todos os exames e autópsias serão transferidos para Porto Alegre entre os dias 10 e 13, e entre os dias 24 e 27. Nessas datas, o PML de Lajeado estará fechado.

Em março deste ano, a Univates ensaiou uma parceria com o IGP para compra e uso de uma câmara fria. Mas a ideia não avançou.

Convênios entre Estado e universidades são comuns em outras regiões. Em Canoas, por exemplo, o PML está instalado dentro do hospital universitário. A ideia é garantir experiência aos alunos de cursos como Ciências Biológicas, Odontologia e Medicina.

Problema em todo o estado

O coordenador salienta que o problema verificado em Lajeado ocorre na maioria dos 31 postos distribuídos no estado.

Em Passo Fundo, por exemplo, onde hoje atuam oito médicos-legistas, cinco vão se aposentar nos próximos meses. “Em Santa Cruz do Sul havia quatro, e hoje tem apenas um para atender. Precisamos, por vezes, realocar médicos de Candelária para atender lá.”

Ferreira anuncia o provável fechamento de outros postos na região. Segundo ele, a estrutura de Soledade perderá o único médico-legista nos próximos meses. “Ele também vai se aposentar”, garante. Sobre a instalação de uma coordenadoria regional no Vale do Taquari, ele descarta essa medida no momento.

Saiba mais

• O PML de Lajeado atende 41 municípios, representando uma população de 350 mil;

•Mais da metade dos 31 PML do estado não tem câmaras frias;

O IGP conta com sete coordenadorias regionais, oito postos de criminalística e 248 postos de identificação.

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