Governo quer reduzir número de cesárias

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Governo quer reduzir número de cesárias

Novas medidas, válidas a partir de julho, limitam poder dos médicos na escolha por cesariana e informa melhor as gestantes. Partos normais representam apenas 16% do total da rede privada.

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Vale do Taquari – O quinto parto de Lucena Ivone Weiss, 77, no interior de Santa Clara do Sul, aconteceu durante um incêndio. Chamas de uma lamparina de querosene se espalhavam pela cozinha. O marido atrasou o avanço do fogo ao quarto do casal o suficiente para a parteira terminar o trabalho.

01Após o nascimento de Silvane, que completa 50 anos neste domingo, dia 11, a família se abrigou no galpão. A moradia foi provisória, até a reconstrução da casa, onde nasceram mais sete crianças.

A realidade da época mudou. No Brasil, 84% do total dos partos realizados na rede privada são por cirurgia. É superior ao dobro do verificado na rede pública e cinco vezes maior do que o considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em países desenvolvidos, o índice é o inverso. Na França, por exemplo, só 21% são cesáreas.

Os números alertam o governo federal. O Ministério da Saúde (MS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciam medidas para diminuir o número de cirurgias, opção de oito a cada dez mulheres atendidas por planos privados.

Com as mudanças impostas, médicos são obrigados a justificar a escolha pela cirurgia. Por meio de um gráfico, o partograma, divulgarão dados do procedimento cirúrgico. A empresa poderá negar pagamento, caso considere a justificativa insuficiente. O documento só será dispensado em situação de emergência.

As operadoras de saúde serão obrigadas a informar os percentuais dos partos realizadas em sua rede. A gestante também receberá dados sobre seu pré-natal. As regras começam a valer em julho.

“Ainda estamos engatinhando”

O pediatra Fernando José Sartori Bertoglio, delegado do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), de Lajeado, considera importante as novas medidas do governo. Com mais informações, diz, é possível mudar a mentalidade das gestantes.

A falta de conhecimento sobre a diferença entre o parto e a cirurgia é imensa, diz. “Ainda estamos engatinhando.” O assunto deve começar a ser debatido nas escolas. “Hoje, muitas crianças imaginam que o bebê sai por meio de um corte na barriga.”

É um trabalho a longo prazo. O incentivo ao parto normal deve ser acompanhado de investimentos na infraestrutura dos hospitais, avalia. Para ele, é preciso transformar as maternidades em locais adequados aos partos, mais confortáveis e com menos aparência de hospital de emergência.

Dessa forma, as gestantes se sentirão mais seguras, sabendo que apesar do ambiente familiar, a emergência está ao lado.

Mudança de mentalidade

A aceitação ao parto normal era muito maior no passado, atesta o médico Sérgio Bertoglio, 83. A situação mudou pela própria indicação da paciente. “Quer segurança, sem sentir dores e nem ficar muito tempo em trabalho de parto.”

Por medo de processos, médicos se veem obrigados a aceitar o pedido das famílias, apesar de muitas vezes acreditarem que a opção tradicional seja adequada. “Existe uma indústria de processo por aí. Qualquer coisa o médico é processado.”

De acordo com ele, é uma visão equivocada achar que a cesariana é a forma mais segura. “Apesar de as técnicas serem aperfeiçoadas, toda cirurgia tem riscos”, avalia. “No passado, chegava na colônia, longe, e tinha que fazer o parto. Se resolvia o problema lá. Ocorria tudo bem.”

Benefícios do parto normal

Em uma situação normal, sem riscos para bebê e gestante, o parto normal sempre será a melhor opção, garante Fernando Bertoglio, citando inúmeros motivos. Sem corte e o uso de medicação, a recuperação se torna mais rápida. A gestante pode retornar às atividades mais cedo e os riscos de infecção se tornam menores.

Segundo o médico, o sistema hormonal durante o parto trazem benefícios. A amamentação inicia, na maioria dos casos, logo no primeiro dia do nascimento, enquanto o outro procedimento pode atrasar de três a quatro dias. Isso ocorre porque hormônios liberam a substância ocitocina, que estimula a amamentação.

A opção pela forma natural também evita a possibilidade de o bebê ser retirado de forma prematuro, devido aos erros de cálculos. “Muitas vezes, as cesáreas são marcadas com bastante antecedência, o que dá margem ao erro.” Se o bebê nascer na hora errada, de acordo com Bertoglio, estará sujeito a 120 vezes mais complicações respiratórias.

As vantagens são enaltecidas pela santa-clarense Renise Bergmann, 37. Na terça-feira, ela teve o quarto filho pela forma convencional. “Demorou meia hora.”

A opção certa

A decisão da gestante depende de um conjunto de fatores, de acordo com a psicóloga Viviane Molinaro Reis, da Unimed. Entre eles, famílias direcionam a decisão pelas experiências. Muitas optam pela cesária por medo de dores ou por imaginarem que o bebê estará mais seguro. “A mulher com a primeira gestação passa por ansiedade e insegurança, por medo do que pode acontecer.”

Dependendo do nível de ansiedade, segundo Viviane, a mulher precisa de um acompanhamento psicológico para saber escolher a melhor forma de receber o bebê. Também precisa conhecer bem o médico que realizará o parto. “É fundamental buscar aconselhamento, recorrer a profissionais de equipe de saúde para esclarecer todas as dúvidas.”

Com mais informação, a mulher ficará mais tranquila, avalia a psicóloga. Fica preparada para os imprevistos na programação do nascimento. “Algumas cesarianas marcadas com bastante antecedência podem não se confirmar, havendo parto normal antes do esperado. Não há total controle sobre essa programação.”

No Vale do Taquari

O Hospital Bruno Born (HBB), de Lajeado, registrou 1,161 partos em 2012. Desses, 324 foram normais e 837 cesáreas. Em 2013, a diferença aumentou: dos 1.276 partos, 923 foram de cirurgias. A demanda no HBB diminuiu quando o Hospital de Estrela assumiu a responsabilidade por partos de Alto Risco.

Em 2013, Estrela registrou 320 nascimentos por cirurgia, contra 71 naturais. Em Arroio do Meio, são 90% dos cerca de 25 partos realizados por mês. O Sistema Único de Saúde (SUS) paga cesáreas até um total de 35% dos nascimentos. Na região, os números seguem os nacionais.

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