Vale do Taquari – O firme aperto de mão e o sorriso estampado no rosto da santa-clarense Selvira Rieth, 81, são o retrato da boa saúde. Contrariando as estatísticas que apontam crescimento constante no consumo de medicamentos químicos, evita tomar comprimidos.
Selvira não tem problemas que são comuns em idosos. Todos os anos realiza exames que comprovam a boa condição. A receita para uma vida saudável, diz, decorrem da prática de exercícios diarios e consumo de chás que cultiva em uma horta no quintal de casa. “Não sei nem o que é ficar gripada.”
Para exercitar a memória, lê livros em português e alemão por pelo menos uma hora por dia. Mantém uma dieta balanceada, com pouca carne e muita salada. Também não toma refrigerantes e procura se manter ativa.
Casos como o de Selvira são cada vez mais raros em um sistema de saúde que privilegia soluções rápidas para qualquer sintoma. De acordo com a farmacêutica Carla Kauffmann, da Farmácia Escola da Univates, em Lajeado pacientes usam o dobro de remédios necessários.
A situação é mais preocupante, avalia, no uso contínuo de medicamentos como Omeprazol, Paracetamol e Ibuprofeno. “São medicações que devem ser usadas por um curto período de tempo e é muito comum vermos pessoas retirarem mensalmente uma grande quantidade destes comprimidos”, afirma.
Uma pesquisa realizada na Univates comprova a exagerada demanda na Farmácia Escola. Realizado pela farmacêutica Tânia Bergmann, o estudo verificou mais de 3,7 mil receitas contínuas com algum dos três medicamentos entre janeiro e dezembro de 2012.
Efeito cascata
Os efeitos negativos do uso contínuo dos fármacos, relata Carla, provocam intoxicação medicamentosa. Um dos analgésicos mais comuns em adultos e crianças, o Paracetamol causa problemas no fígado e, em excesso, pode matar. “Doses acima de 4g diárias, ou oito comprimidos de 500mg, já superam os limites considerados seguros”, alerta.
Com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, o Ibuprofeno causa problemas no estômago, como úlceras e gastrites. Usado de maneira contínua, esclarece, pode mascarar problemas de saúde crônicos e ocasionar novas prescrições para combater os próprios sintomas do abuso dos remédios.
“É o que chamamos de cascata da prescrição”, diz a farmacêutica. As dores de estômago causadas pelos remédios, geralmente são tratadas com Omeprazol. “Todo medicamento traz reações adversas. Temos casos de pessoas que usam dez medicamentos diferentes ao mesmo tempo e isto afeta diretamente na qualidade de vida”, frisa.
Para Carla, uma das causas deste cenário é o imediatismo e a relação do medicamento como um bem de consumo. Segundo ela, as pessoas querem respostas rápidas para os sintomas.
Ela acredita que a responsabilidade de perceber abusos deve ser compartilhada entre médico, paciente e farmacêutico. “O paciente deve relatar aos médicos os diferentes tratamentos que realiza. Quando isto não acontece, cabe ao farmacêutico perceber que a pessoa está comprando remédio com receitas de profissionais diferentes”, alerta.
Para a farmacêutica, é fundamental que os pacientes questionem os médicos quanto aos perigos das associações medicamentosas. “É dever dizer para o profissional quais medicamentos utiliza e é direito saber deste profissional quais os resultados da mistura”, enfatiza.
Tradição que evita doenças
O contraponto ao uso indiscriminado de fármacos está na tradição. Selvira aprendeu com os pais o hábito de usar chás para tratar dores de cabeça e barriga. O médico que coordena a atenção básica em Lajeado, Ronald Selle Wolff, relata ter conhecido muitos casos como o dela em pesquisas realizadas pela Ufrgs.
Wolf ressalta que, em países desenvolvidos, os fitoterápicos são a primeira opção para o tratamento de doenças. “Na Alemanha, por exemplo, os químicos são utilizados em último caso, por causa dos efeitos colaterais.”
Conforme Wolf, os remédios comprados em farmácia, em sua maioria, são oriundos das plantas. “O engraçado é pensarmos que o princípio ativo de uma planta só é válido se passar por um processo industrial”, diz.
Para Wolff, a indústria farmacêutica é a grande responsável pela forma como as medicações são utilizadas pela sociedade. Segundo ele, apesar de existirem pesquisas que confirmam a eficácia de plantas e ervas, elas ainda são raras por não darem possibilidade de lucro para as grandes indústrias farmacêuticas.
O médico questiona o próprio método científico usado para comprovar a eficácia dos remédios, sejam eles naturais ou químicos. Segundo ele, para transformar uma planta em medicamento aprovado pela Anvisa o valor gasto é de cerca de R$ 5 milhões com pesquisa.
“São critérios que favorecem os grandes laboratórios.” Como não existe lucratividade em pesquisar um chá que pode ser plantado no quintal, os químicos continuam liderando todas as pesquisas na área.
Segundo Wolff, existem medidas do governo federal que buscam estabelecer políticas públicas voltadas para conhecimento cultural e popular. Porém, ele alerta que este processo deve ser agilizado. “Nós temos cerca de dez anos para conseguir compilar o conhecimento que esses idosos tem antes que eles desapareçam.”