Lajeado – Apenas 23 jovens foram encaminhados para tratamento contra o uso de drogas em 2013. O número, considerado baixo até mesmo por profissionais do Centro de Atendimento Psicossocial Infantil (Caps Infantil), atesta a incapacidade física da região em proporcionar melhor atendimento aos dependentes. Ontem, seminário promovido pelo Ministério Público (MP), Alsepro e outras instituições civis também discutiu o uso de álcool por crianças e adolescentes.
O 1° Seminário do Programa Vida+Viva trouxe reflexões acerca do tema. Discussão iniciada pelo Fórum de Combate à Drogadição, a iniciativa busca integrar a comunidade para reforçar a fiscalização e evitar o aumento do número de jovens consumidores de álcool e outras drogas.
Embora nenhuma criança ou adolescente tenha sido encaminhado para tratamento contra o uso de bebida alcoólica, profissionais da saúde alertam para os perigos do abuso antes da maioridade. De acordo com pesquisa realizada em 2012, mais de 60% dos jovens entre 12 e 17 anos haviam ingerido bebidas alcoólicas nos 12 meses anteriores.
Conforme o presidente da Associação Lajeadense Pró-Segurança Pública (Alsepro), Dani Petry, a iniciativa disponibiliza e facilita o acesso às informações. Também possibilita troca de experiências entre profissionais, famílias e usuários. “Temos que ter consciência de que o álcool é a porta de entrada para as demais drogas”, acredita.
Para o promotor de Justiça Cível de Lajeado, Neidemar José Fachinetto, há um trabalho intenso de conscientização até uma evolução perceptível e efetiva. Cita as campanhas, seminários e a integração da sociedade como fundamental. Segundo ele, a disseminação das ideias do programa se dará, em especial, nas escolas. “Além de reprimir a venda escancarada e irresponsável, é importante o adolescente ter ciência dos danos e das consequências do consumo de bebidas alcoólicas.”
O evento de ontem reuniu mais de 200 pessoas no auditório da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil). O seminário teve palestras, além de debates sobre as políticas públicas de prevenção e assistência a dependentes químicos. A iniciativa foi uma promoção do MP, Juizado da Infância e Juventude, ACIL, CDL, Conselho Municipal de Entorpecentes (Comen), Executivo, 3ª CRE, Polícia Civil, BM e Unimed.
Prejuízos ao desenvolvimento
O consumo precoce de álcool, diz a médica do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Cláudia Maciel Szobot, provoca diversos problemas na formação da criança e do adolescente.
Segundo ela, a ingestão de bebida alcoólica antes dos 21 anos prejudica a formação do córtex pré-frontal, uma parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, atitudes e juízo crítico. “Agravará o desenvolvimento dessa área”, frisa.
O consumo de álcool na adolescência, conforme Cláudia, gera um comportamento imediatista, impulsivo e imaturo. Realça também que o jovem deixa de aprender habilidades saudáveis, como música, esporte e leitura. “Provavelmente, este jovem chegará na fase adulta com várias lacunas de personalidade.”
Elenca outras consequências, como gravidez na adolescência, aumento nas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e casos de acidentes diversos.“Já vi casos de meninas beberem, entrarem em coma alcoólico e serem abusadas.” No âmbito escolar, pode haver baixo rendimento. Na família, descreve o aumento de mentiras, envolvimento em brigas e casos de agressão, gerados pela desinibição provocada pelo alcoolismo.
“Nossa rede de tratamento ainda está em formação”
Um dos palestrantes do evento, o psiquiatra Rafael Moreno, apresentou índices preocupantes. Segundo ele, apenas 23 adolescentes foram encaminhados para tratamento pelo Caps Infantil em 2013. Desses, um terço já havia passado por alguma medida socioeducativa. A maioria é usuária de crack. Um deles, viciado em cocaína, morreu antes de finalizar o período de recuperação.
Moreno reclama da falta de estrutura para o tratamento. “Hoje, não há comunidade terapêutica conveniada na região. É preciso enviar para Montenegro, Santa Cruz do Sul.” A desintoxicação realizada também não é considerada ideal pelo psiquiatra. “O adolescente não pode ter a liberdade de deixar o tratamento quando quiser.”
Ressalta também a falta de grupos de auxílio voluntários voltados aos adolescentes. Os conhecidos Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) costumam incluir num mesmo ambiente crianças, adolescentes e adultos. “Estamos com uma rede de tratamento atrasada.”
O psiquiatra informa ainda que 25% dos usuários de crack atendidos no ano passado tiveram de ser encaminhados para a Fase. Para Moreno, a vulnerabilidade social contribui para o aumento de consumo da droga. “A pobreza aumenta em mais de 700% a chance do adolescente usar crack.”
Conforme Moreno, os melhores resultados obtidos nos tratamentos encaminhados pelo Caps Infantil envolvem usuários de cocaína. Cerca de 25% deixaram de usar após o atendimento.
Ele sugere a construção de centros terapêuticos urbanos em comunidades mais carentes. Para Moreno, o custo mensal de cada internado deve ser próximo de R$ 250. Se for no âmbito rural, pode chegar a até R$ 3 mil. Ele compara os números com outros tratamentos. Na Fase, cita o valor de R$ 4,5 mil mensais por jovem e, em uma internação hospitalar, até R$ 5 mil.
Escola dá exemplo
Na Escola Municipal São Bento, os alunos criaram uma maneira diferente de conversar sobre o alcoolismo. Há mais de um mês, fazem campanhas pela rádio comunitária montada no espaço interno. Todos os dias, durante os intervalos, dicas e alertas quanto ao consumo precoce de álcool integram a programação.
Alunos dos 6º, 7º e 8º anos coletam informações e repassam aos demais, como forma de chamar atenção. “Não é tão fácil falar sobre isso”, confessa um dos estudantes, Fábio Júnior Blau. Conforme ele, a mudança depende da consciência de cada um.
Para a produção do material, menciona a realização de pesquisas pela internet e conversas frequentes com professores. Atitude que, segundo a orientadora educacional Raquel de Souza Schaffer, exige responsabilidade do grupo. “Se trata de uma abordagem mais jovem e acessível”, diz. De acordo com a professora, além de auxiliar na expressão dos alunos, o projeto valoriza o adolescente, as atividades feitas por ele, reduzindo as possibilidades de contato com algum tipo de droga.
Apoio familiar
Mãe de um dependente químico em recuperação, a encantadense Paula Cristina Garibotti resolveu participar do evento para aprofundar os conhecimentos sobre o combate ao alcoolismo. Voluntária no Centro de Tratamento de Marques de Souza, atua há quase dois anos no suporte às famílias e em campanhas de prevenção.
O envolvimento iniciou a partir da necessidade de ajudar o filho. “Fui em busca de informação. Sem o apoio familiar meu filho teria morrido”, enfatiza. Com o auxílio do Programa Amor Exigente, ela aprendeu formas de lidar com a situação e encontrar soluções.
Para compartilhar o aprendizado com outras pessoas, passou a integrar os grupos de trabalho. Mantém também encontros semanais com pais e jovens interessados, no intuito de disseminar conhecimento. “A melhor forma de prevenção é a informação”, ressalta.
Instiga os pais a buscarem apoio, tanto na assistência de jovens dependentes de álcool ou outras drogas quanto para se prevenir. Relata também a importância de os adultos servirem de exemplo aos menores, evitando o contato com algum tipo de drogas, mesmo lícitas.