Apreensão de carne resulta em indiciamentos

Você

Apreensão de carne resulta em indiciamentos

Polícia Civil deve indiciar pelo menos quatro pessoas. Vigilância Sanitária do Estado confirma 800kg de carne recolhidos. Maioria do alimento estava vencida ou sem procedência, e parte dele foi encontrada em uma creche municipal com mais de 80 alunos.

Arvorezinha – O assunto na pequena cidade localizada no alto da serra do Vale do Taquari é um só: A Operação Vigor. Desencadeada em conjunto pelo Ministério Público (MP), Promotoria de Defesa do Consumidor, Polícia Civil e Vigilância Sanitária do Estado, a ação tomou conta das conversas nas mesas de bar, praças e postos de gasolina do município. A indignação de uns contrasta com as insinuações de que tudo ocorreu em função de disputas políticas.

1Responsável pela investigação criminal, o delegado Max Otto Ritter, anuncia que pelo menos quatro pessoas devem ser indiciadas. O prefeito e a secretária de Educação estão entre os investigados. “Ouvimos 12 pessoas, entre funcionários responsáveis pela licitação, pela entrega da carne e pela preparação do alimento na creche.” Foram ouvidas merendeiras, cozinheiras, diretoras e a nutricionista que era encarregada da elaboração do cardápio.

Outros depoimentos serão colhidos pelo delegado. Ele prefere não antecipar os nomes, pois teme que os investigados elaborem novas teses de raciocínio para defesa. “Espero surpreender essas pessoas para ter o depoimento mais verdadeiro possível. Acho que faltam pelo menos umas cinco ou seis.” Todos devem ser ouvidos entre segunda e terça-feira.

O proprietário do mercado responsável pela distribuição da carne para as 13 escolas, Bruno Contini, deve ser um dos indiciados. A Vigilância Sanitária confirmou que haviam cerca de 800 quilos de carne armazenada de forma imprópria no estabelecimento. Boa parte estava vencida, e sem rótulo de procedência. Ele foi autuado em flagrante durante a operação.

Ritter pretende finalizar o inquérito ainda este mês. Diz que a tipificação do crime depende dos próximos depoimentos. “Preciso saber se houve intenção ou não. Se houve dolo ou culpa. Se a responsabilização vai se dar por ação ou por omissão. Tudo isso vai ser sopesado.” Ele confirma apenas que houve crime contra as relações de consumo, atingindo inclusive crianças da creche.

O delegado critica as insinuações de que o crime e a investigação possuem “cunho político”. “É normal a administração de Arvorezinha se defender usando desse argumento. Que haveria uma rixa e seria uma pessoa da oposição que teria denunciado ao MP. Sequer sei quem é da oposição ou situação. A atuação da PC é de total imparcialidade.” Nos autos do inquérito, essa questão foi descartada por Ritter.

Improbidade administrativa

O prefeito, Luiz Fontana, corre risco de ter o mandato cassado por improbidade administrativa. A afirmação já havia partido do promotor responsável pela Comarca, Paulo Estevam Costa Castro Araújo, no dia da operação. “Houve crime contra saúde pública, e isso será investigado também contra os gestores.”

Ritter confirma a possibilidade de responsabilizar diretamente os membros do Executivo. “O MP terá elementos também para entrar com ação de improbidade administrativa. Acho que ele consegue responsabilizar o prefeito ou a secretária da Educação.” Ambos já prestaram depoimento na PC.

A reportagem tentou contato com o prefeito e com a assessoria jurídica do município. Ambos não foram localizados. No dia da operação, por telefone, Luiz Fontana tentou se eximir da responsabilidade. “Estamos apurando o caso. Possuímos nutricionista e profissionais da vigilância sanitária concursados para vistoriar isso. O prefeito e a secretária (de educação) não têm como cuidar de todo o alimento.”

Apenas a secretária de Educação, Dilce Ghelen Zanchin, atendeu a reportagem ontem. “O mercado venceu a licitação, atendendo todos os requisitos necessários.” Ela confirma a presença de nove quilos de alimento estocado sem procedência no depósito da merenda escolar da prefeitura, e outros 15 quilos de carne sem rótulo no frezzer da creche. Diz que apenas um quilo estava vencido, e que a embalagem estava armazenada em outro local da escola infantil. “Estavam com boa aparência.”

13 escolas. Uma nutricionista

Segundo a secretária, há apenas uma nutricionista para atender 13 escolas. São 11 no perímetro rural e duas na área urbana. Ela trabalha apenas 20 horas por semana. Ela informa que haverá prova seletiva neste sábado para contratação de mais profissionais da área. “Estamos abrindo nova escola infantil, e com toda essa situação,vamos ter que rever e aumentar o número de horas de atuação.”

Dilce anuncia novas mudanças dentro da administração municipal. “Precisamos contratar mais pessoas, principalmente para acompanhar melhor o recebimento da merenda escolar.” Ela garante que outras medidas são tomadas em conjunto com o assessoria jurídica do município para evitar falhas na distribuição dos alimentos. O contrato entre Executivo e Mercado Figueira foi rompido, e a entrega de carne segue suspensa em todas as escolas.

Detalhes da Operação Vigor

A polêmica iniciou na segunda-feira. As equipes deflagraram uma ação que aprendeu – conforme divulgação – cerca de 800 quilos de carne vencida ou sem procedência. A maioria do alimento recolhido estava estocada em três frezzers do Mercado Figueira, um dos principais do município. Outros oito quilos foram encontrados em um galpão utilizado pelo Executivo para armazenar alimentos, e 15 quilos na cozinha da Escola Municipal Infantil Professora Diva Maria Sabedotti Fornari.

Conforme o promotor responsável pela Comarca, Paulo Estevam Costa Castro Araújo, a investigação teve início uma semana antes, com uma série de reclamações contra o guisado servido às crianças. O alimento era fornecido pelo estabelecimento de Contini, que venceu, neste ano, o processo licitatório para abastecer também outras 13 escolas municipais. Conforme informações, o Mercado Figueira abastecia as escolas há oito anos.

“Nenhum pai reclamou”

De acordo com a diretora da creche envolvida na polêmica, Dolores Zeni, nenhum pai comentou sobre a apreensão. Garante ainda que nenhum aluno deixou de frequentar a escola infantil após a divulgação do fato pela imprensa regional e estadual. Ela exime a direção do educandário de qualquer responsabilidade, e enaltece a fiscalização. “Nós apenas recebemos e preparamos a alimentação para as crianças.”

A diretora também confirma que havia carne vencida na escola. “Havia um quilo ou dois de carne vencida que havíamos descartado. Mas não podemos jogar no lixo, uma criança ou um cachorro pode pegar.” Ela diz que o acúmulo de alimento ocorre porque o número de estudantes diminui no inverno. “A maioria dos professores se alimenta aqui. Se coloco na panela uma carne podre, ela exala cheiro. Nunca serviríamos para crianças”, finaliza.

Proprietário admite carne sem procedência

Bruno Contini, proprietário do Mercado Figueira, afirma estar assustado com a repercussão do fato. Ele trabalha há 14 anos no mesmo local, e garante nunca ter vivenciado fato semelhante. Diz que a carne não estava vencida e questiona as informações repassadas pelo MP. “A carne estava no freezer, e carne no frezzer dura um ano. Tenho nota de seis meses pra cá de carne que ia guardando, e eles falam em 800 quilos, uma tonelada. Não tenho espaço para isso.”

Contini diz que até nas fotos divulgadas pelo MP aparece o selo de procedência da carne. No entanto, ele confirma que parte do alimento estocada havia sido repassada por um vizinho, que lhe devia uma dívida relacionada a um arrendamento de terra. “Meio boi sem procedência e eles vieram em cima, falando de uma tonelada, e é só meio boi. Mas não levaram todo, pois tinha vendido metade no fim de semana.”

Ele não permitiu fotos internas do mercado. No local, há dois freezers de 300 litros, um no açougue e outro em uma garagem ao lado do mercado. Há também um resfriador no pequeno açougue improvisado nos fundos do mercado. Todos estavam vazios após a operação, e nenhum funcionário atendia no momento em que a reportagem visitou o estabelecimento.

Acompanhe
nossas
redes sociais