Vale do Taquari – Uma área de 400 quilômetros quadrados no Vale do Taquari é monitorada por câmeras de pesquisadores ambientais. Recentes ataques de supostos felinos a animais domésticos, como ovelhas, bezerros e suínos, motivam a investigação. Os estudos querem identificar os bichos e conscientizar a população a preservá-los, pois muitos estão ameaçados de extinção.
Integrante da Rede de Proteção Ambiental e Animal (Repraas), Jaime Diehl, instalou cinco armadilhas fotográficas em novembro do ano passado. Os equipamentos foram postos nas proximidades dos últimos ataques e registram a imagem a partir do momento que constatam movimento ou um corpo quente.
Desde então foram flagrados jaguatirica, graxaim, gato-maracajá, gato-do-mato-pequeno e gato-mourisco. O propósito maior ainda não foi alcançado: fotografar um puma concolor, animal apelidado por populares de leão-baio ou suçuarana, um dos felinos mais raros e de maior porte do Vale.
A prova mais consistente do puma foi encontrada em outubro do ano passado, em Sério. Um agricultor da comunidade de Paredão chamou a Brigada Militar (BM) depois de perceber marcas de pegada em uma área próxima a sua propriedade. Biólogos analisaram fotos e confirmaram se tratar do animal, que poderia estar acompanhado de um filhote.
De acordo com Diehl, um dos hábitos do puma dificulta identificar mais vestígios. Depois de abater a presa, ele se alimenta e carrega a carcaça para baixo de galhos e folhas. Nas horas seguintes, diversos outros bichos são atraídos e modificam o cenário, entre eles, urubus, cachorros, gambás e graxains.
Outra opção seria detectar a presença dele por meio de exame laboratorial de fezes. Mas a grande dificuldade, conforme o pesquisador, é encontrar o material orgânico mata adentro em função da extensão da floresta. “Assim, achar um puma é como procurar uma agulha no palheiro, ainda mais com uma população tão pequena.”
Ataques são comuns nesta época
De acordo com o comandante do Grupo de Patrulhamento Ambiental (GPA), Dari Scherer, o outono é o período mais propenso a ataques de predadores. Nesta época, animais estão em fase de procriação, com filhotes pequenos, e precisam encontrar alimento fácil de abater. “Para eles, é mais fácil matar um porco trancado num estábulo do que uma ave em meio ao mato.”
Scherer diz se tratar de algo cíclico e que ocorre todos os anos. Ele estranha o fato de os felinos estarem aparecendo desde o fim do ano passado, pois costumam ser vistos apenas poucos meses antes do inverno. Desde a metade de 2013, a BM de Sério atendeu a quatro ocorrências de morte de domésticos. Os ataques vitimaram sobretudo ovelhas e terneiros. A BM acredita em número ainda maiores, pois muitos casos não são registrados pelos agricultores por medo de represálias.
O caso mais recente na região aconteceu nesse domingo, na propriedade de Silmario Paulo Zang, em Alto Arroio Alegre, Santa Clara do Sul. Por volta das 22h, familiares encontraram metade de um filhote de suíno. A parte frontal do animal, incluindo cabeça e pernas, fora devorada dentro do galpão. Eles suspeitam que seja um puma, pois cachorros apresentaram escoriações e vizinhos teriam avistado o animal dias antes.
“Podem ser outros animais”
Os ataques não são exclusivos de felinos, adverte Diehl. Mas de outros animais selvagens, como o ‘javaporco’ (cruza entre javali e porco ) ou até mesmo cachorros abandonados. “O problema é que essas ocorrências mexem com o imaginário das pessoas. Daqui a pouco estão condenando esses felinos.”
Exemplo disso pode ter ocorrido domingo em Santa Clara do Sul. Um felino, de acordo com Diehl, não tem estrutura física para destroçar ossos da cabeça e patas, como foi o caso. Ele costuma se alimentar na região abdominal da presa, com preferência para fígado, rins e o próprio sangue.
Uma das principais preocupações de pessoas ligadas à área ambiental está relacionada à perseguição de populares contra os felinos. Em Sério, a ONG presidida por Samuel Rossini faz trabalhos de conscientização na comunidade, com o intuito de evitar que tais animais sejam abatidos por caçadores. “Devemos ter ciência de que eles são inofensivos para humanos e podemos prevenir esses ataques às propriedades.”
O coordenador do GPA aponta ser crime o abate de animais silvestres, com punição prevista no artigo 29 da legislação ambiental: detenção de seis meses a um ano, e multa. A pena aumenta pela metade, se o crime é praticado contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, o que é o caso da suçuarana ou da jaguatirica.
Fauna e flora se recuperam
Animais como jaguatiricas e pumas, de acordo com Scherer, sempre habitaram a região. Contudo, tiveram sua população reduzida nas últimas décadas e estão ameaçados de extinção. O especialista cita a caça ilegal e o pouco alimento encontrado nas florestas como os principais fatores.
Mas, para ele, o reaparecimento dessas espécies demonstra que a fauna e a flora passam por um período de recuperação. Lavouras abandonadas nos últimos anos dão lugar a matas comerciais e a florestas típicas da região. Tal condição possibilita a esses animais a procriação e uma área maior para a caça.
“Sempre tivemos reservas nativas, onde o mato foi preservado. São dezenas de quilômetros intocados.” Como exemplo, cita as serras de Marques de Souza, Sério, Santa Clara do Sul e Boqueirão do Leão.
Precaução
A maioria dos ataques ocorre em propriedades próximas a matas. Scherer aconselha aos agricultores retirar a vegetação, reforçar as estruturas onde estão os animais domésticos e deixar pelo menos um cachorro de maior porte de vigília.
De acordo com ele, felinos costumam atacar animais com porte inferior ao seu, como galinhas, filhotes de suínos e ovelhas e, em algumas situações, bezerros. “A proteção deve ser reforçada sobretudo nesses casos.”
Caso alguém identifique a aproximação de tal bicho, aconselha Scherer, ele não pode ser encurralado. O animal tem o instinto de fugir quando percebe uma pessoa e se for ameaçado, sem ter como escapar, é provável que ataque para se defender.