Manifestação comprova necessidade de mudança

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Manifestação comprova necessidade de mudança

Foram mais de três horas de passeata pelas ruas de Lajeado. Milhares de manifestantes bloquearam a BR-386 e conquistaram a simpatia dos motoristas. Nenhum ato de vandalismo foi registrado. Novos protestos ocorrem a partir de hoje

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Vale do Taquari – Cansado de esperar pelas melhorias prometidas pelos governos, o povo foi às ruas. O movimento de proporção nacional teve o primeiro capítulo no Vale do Taquari.

Difícil calcular a quantidade de manifestantes, mas se estima que perto de quatro mil pessoas enfrentaram o frio e chuva na noite dessa quinta-feira. Os protestos continuam neste fim de semana.

ProtestoCartazes e bandeiras em punho, os protestantes entoavam cantos difundidos pela internet. A passeata começou antes das 18h30min. A maioria estudantes do Ensino Médio, mas também estavam presentes servidores públicos, professores, aposentados, comerciantes, e outros.

O primeiro ato foi o bloqueio da Av. Alberto Pasqualini. Em seguida, reuniram o grupo em frente ao Posto Faleiro e desceram pela Av. Benjamin Constant. Um movimento sem líderes e pacífico. Foi assim em Lajeado. Alguns rojões estourados. O estrondo era abafado pelas vaias dos demais. “Sem vandalismo”, gritava o coro.

Máscaras do anarquista inglês Guy Fawkes faziam parte da indumentária dos manifestantes. Motivados pela descrença no modelo político atual, criticavam o governador Tarso Genro. Pediam o cumprimento do piso salarial dos professores. O presidente do Senado, Renan Calheiros, o deputado Marco Feliciano e a presidente Dilma Rousseff também foram alvos.

Durante a caminhada pela Benjamin Constant, no momento em que passaram pelo Hospital Bruno Born, ficaram em silêncio. Viaturas da Brigada Militar e do Departamento Municipal de Trânsito acompanhavam a distância.

Ao passar pelo quartel da BM, mandavam recados aos policiais. “Você aí fardado. Também é explorado.” Em frente à sede do governo municipal, pararam por cerca de 10 minutos. Cantaram os hinos Nacional e Rio-grandense. Voltaram à “marcha dos insatisfeitos” pela rua Júlio de Castilhos.

Dos prédios, papel picado era jogado em saudação aos manifestantes. Como retribuição, aplaudiam e chamavam as pessoas para a rua. De volta à Av. Senador Alberto Pasqualini, tomaram as duas pistas e seguiram em direção à BR-386. Viaturas acompanhavam a passeata e tentavam organizar o trânsito.

BR-386 parada e buzinaço

Os pedidos por mais educação, saúde de qualidade, melhor uso do dinheiro público, pela retirada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 e pelo fim da corrupção alcançaram a BR-386.

BR-386A principal rodovia da região foi fechada por mais de 50 minutos. Os manifestantes bloquearam o viaduto na entrada da cidade. No momento da invasão, nenhuma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) estava no trecho. Os próprios manifestantes bloquearam o trânsito. O comandante do 22º BPM, Ivan Urquia, se mostrou surpreso com a ausência. “Poderia ter havido acidente.” Conforme o chefe da 4º delegacia de Lajeado, Adão Madril, em seguida, três viaturas foram enviadas ao local.

Segundo ele, a determinação é para a PRF não interferir nos protestos. “Não era nosso foco estar no local no momento da invasão.” A preocupação, afirma, era e se mantém garantir a segurança de motoristas e manifestantes.

Caminhando por entre os caminhões e automóveis, os manifestantes recebiam o apoio dos motoristas. No bairro Alto do Parque, muitos moradores foram para frente das casas aplaudir os manifestantes.

Ao chegar na Univates, pararam as aulas. No prédio 11, eram esperados por cerca de 50 universitários. “É um momento histórico”, disse uma estudante de Publicidade e Propaganda.

Pela Av. Alberto Tallini chamavam os espectadores. “Parem de olhar e vem pra rua protestar”, cantavam. Foram mais de três horas de caminhada até o retorno ao ponto inicial.

Protesto relembra “caras pintadas”

Em 1992, sindicatos como o dos Trabalhadores de Construção Civil, Comerciários, bancários e dos professores, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), organizaram uma passeata em Lajeado pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.

Os escândalos e as suspeitas de corrupção culminaram com o pedido de renúncia de Collor. Com tantas evidências, o Congresso Nacional nomeou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). No dia 29 de setembro, cerca de cem mil pessoas acompanharam a votação do impeachment, o qual foi aprovado tendo 441 votos a favor e 38 contrários.

No dia 5 de setembro daquele ano, durante a Semana da Pátria, o povo caminhou pela rua Júlio de Castilhos, em Lajeado, e ocupou a prefeitura. O número de pessoas foi menor do que o protesto dessa quinta-feira. As semelhanças estavam no público heterogêneo que marchou pelas ruas.

Na época, o advogado Edson Kober era presidente do Sindicato dos Bancários. As pessoas reagiram à manifestação de Collor, quando pediu para o povo sair às ruas de verde e amarelo. “Todo mundo se pintou de preto, em contrariedade ao presidente.”

O primeiro presidente eleito pelo voto direto prometia “caçar os marajás”. Tomou posse em 1990. “Era um jovem e simbolizava um novo Brasil. Ganhou muito por isso”, lembra Kober.

Para ele, os movimentos atuais mostram o amadurecimento da democracia no país. “A juventude acordou depois de 20 anos de adormecimento.”

Outro integrante dos líderes do movimento na década de 90, Nelson Fensterseifer era presidente da OAB na época. A entidade foi uma das que apresentou o pedido de impeachment aos deputados.

Em Lajeado, lembra que o movimento foi espontâneo. “O sentimento era o mesmo de hoje. Ninguém aguenta o nível da corrupção no país.” Para ele, a diferença atual é a desgregação de qualquer partido político. Em 1992, o PT era um dos organizadores das marchas nas ruas. “Hoje é apartidário, inclusive sem sindicatos.”

Outros aspectos relacionados por Fensterseifer é o formato de organização, tendo a internet como espaço para mobilização da massa. “Quem maneja são os jovens. É a geração em busca de emprego, que não enxerga futuro.”

Professor participou das Diretas Já

O jornalista e professor Militão de Maya Ricardo estudava na Universidade de Brasília em 1984, quando entrou no Congresso o projeto de lei para a volta das eleições diretas a presidente. As pessoas foram às ruas, na marcha que ficou conhecida como Diretas Já.

O professor estava entre a multidão. “Na garagem da câmara acompanhei a votação.” Depois disso, entraram em acordo com os militares para deixar o espaço. Em seguida, os estudantes voltaram. Foram perseguidos pelo pelotão de choque e se refugiaram em um prédio da universidade, que fica a cerca de três quilômetros do Congresso. “Não foi agradável ter que correr da polícia e dos cachorros que soltaram na gente.”

O que leva as pessoas às ruas

“Participo de movimentos desde 1977. Sair às ruas e protestar é a única forma de melhorar a situação do país. É preciso ter consciência que o dinheiro público é sagrado. Político corrupto tem que ir para a cadeia.”

– Álvaro Tavares, 54 anos, técnico de áudio

“O custo de R$ 2,60 da passagem no urbano de Lajeado é muito caro por um serviço de péssima qualidade.Os ônibus sempre sujos e têm poucos horários. No mínimo, tem de ter meia passagem para os estudantes.”

– Mark Thompson, 19 anos, industriário

“As condições atuais do Brasil nos fazem pensar. Fica difícil ver um futuro para os jovens se continuar da forma que está. A população está acordando, até que enfim. Precisamos nos opor à realidade para melhorarmos o amanhã. Está na hora de agirmos. Eu quero que tudo mude.”

– Lucas Marques, 16 anos, estudante

“Meu protesto é por mais saúde. A gente vê tanta gente morrendo no hospital ou aguardando por um bom atendimento, ao mesmo tempo em que divulgam o investimento criminoso em estádios e Copa do Mundo. Colocar futebol como prioridade num país que sofre com tantos problemas é ridículo. Aqui faltam médicos nos postos de saúde e medicamentos nas farmácias básicas.”

– Milena Giacomini, 18 anos, estudante

“O que adianta esse monte de impostos se é para gastar em estádios de futebol. Usam o dinheiro público, mas não ajudam as pessoas que estão nas filas dos hospitais, que aguardam meses por um exame ou uma cirurgia. Muitas pessoas morrendo e os políticos não se preocupam com isso”, declara Sara. “Com esse movimento queremos garantir um futuro melhor para o nosso país”, acredita Robson.

– Robson Machado, 17 anos, estudante

– Sara Oliveira, 15 anos, estudante

Movimentos se repetem pelo mundo

Os protestos pelo país seguem um movimento mundial. As semelhanças vão além das máscaras, dos gritos anarquistas e, em alguns casos, dos registros de desobediência civil. As características de organização pela internet são percebidas em diferentes momentos, como afirma o sociólogo e professor da Unisc, Cesar Goes.

A Primavera Árabe, como é conhecida a onda de protestos no Oriente Médio e o Norte da África, começou em 18 de dezembro de 2010. Desde lá, uma série de revoluções ocorreu, como na Tunísia e no Egito.

Os protestos adotam técnicas de resistência civil, em campanhas que envolvem greves, passeatas ou comícios. Todas usam as redes sociais para organizar, comunicar e sensibilizar a população. Goes cita também os protestos na França, em 2005.

A revolta dos jovens dos subúrbios provocou atos de violência urbana. Dois descendentes africanos morreram após perseguição da polícia. Durante 19 noites consecutivas, os jovens queimaram 8,9 mil carros e 2,8 mil pessoas foram presas.

Em todos os manifestos, há uma característica descentralizada. Não há comando, nem líderes. Para ele, no Brasil, com os casos de truculência policial em São Paulo, a sociedade reagiu. Isso provocou um aumento no número de manifestantes.

As passeatas fazem parte do regime democrático, realça Goes, e a liberdade de opinião é essencial para ajudar no processo de construção de um modelo capaz de atender as vontades da população.

Em comparação com outros países, a democracia brasileira é recente. “Avançamos com esses acontecimentos. A juventude incluída, buscando melhorias para o país.”

Momento de discutir e avaliar as reivindicações

Para a psicóloga Ana Lúcia Ferreira, a manifestação iniciada pelos jovens brasileiros carecia de um canal para ser exposta. Salienta que havia um sentimento de insatisfação e frustração perante diversas necessidades.

Protesto“Era um sentimento individual que vinha tomando corpo. Agora ganhou força e número. Isolada, a pessoa se sente incapaz de lutar.” Apesar da magnitude dos protestos, alerta para um possível enfraquecimento das manifestações.

Conforme a psicóloga, isso pode ocorrer, pois os grupos são provisórios e formados por elementos e segmentos diferentes da sociedade. Ana Lúcia comenta da necessidade de iniciar discussões e avaliações sobre o que realmente se quer com os protestos. “Quando passar a paixão que move esse movimento, será por meio da informação e vigilância que se promoverão mudanças.”

O ex-presidente do Sindicato dos Sociólogos do Rio Grande do Sul, Gilmar Norberto Basso, prefere não utilizar denominações como “Geração Y” para os jovens que lideram a maioria dos movimentos pelo país. Para ele, as causas dos protestos estão indefinidas. “Mas eles deixam claro sua insatisfação com um modelo de democracia que não mais os representa.”

Basso apoia as mobilizações. Crê na importância dos movimentos e diz que os estudantes estão na vanguarda do anseio popular. “É urgente refundar a atividade política e varrer do cenário todos esses que se perpetuam no poder.”

Para Basso, a utilização das redes sociais para divulgar os manifestos criou uma nova dinâmica no repasse das informações. “Isso aprofundou mais as contradições nas grandes redes de comunicação de massa e o pretendido monopólio da notícia.”

Na avaliação do jornalista Militão Ricardo, os protestos são reflexo de uma nova sociedade conectada à internet. O espaço público mudou. “Os partidos estão atônicos. Políticos tentam encontrar líderes. Isso foge do paradigma conhecido por eles.”

Estabelecer que esse será um marco na história nacional é exagero na opinião dele. Para ele, a mudança passa pela atitude de todos. “Não adianta cobrar honestidade e não exercê-la.”

A advogado Kober acredita que os políticos serão obrigados a rever alguns projetos que estão parados há tempo, como as reformas política, tributária e agrária.

Novo protesto deve bloquear ponte na BR-386

Os manifestantes confirmam que a principal rodovia do Vale do Taquari será novamente interrompida na tarde deste sábado, quando ocorrerá o segundo protesto organizado pelo grupo Anonymous VT por meio da rede social Facebook. É aguardado um número maior de pessoas em relação à passeata de quinta-feira.

Conforme divulgado, a manifestação em Lajeado começa às 16h no Parque dos Dick, seguindo pela rua Santos Filho até a Júlio de Castilhos. Há possibilidade de uma nova parada em frente ao prédio da prefeitura.

Os manifestantes devem se dirigir até a Av. Alberto Pasqualini e seguir ao trevo da BR-386. Todo o trajeto será acompanhado pela BM. “Seguiremos de forma discreta, sem interferir. Agiremos só se constatado alguma infração ou vandalismo”, afirma o major Ivan Urquia.

De acordo com relatos postados na rede social, a intenção dos participantes é percorrer o trecho da BR-386 entre o trevo de acesso a Lajeado e a ponte sobre o Rio Taquari, divisa entre com o município de Estrela. Protestantes querem bloquear os dois sentidos da via naquele local. Não está definido por quanto tempo o trecho ficará interrompido para o tráfego.

Manifestos se espalham pelo Vale

Em Encantado, a manifestação iniciará às 13h, com concentração no Posto Italians, na rua Padre Anchieta. O grupo seguirá pelo centro, passando pela rua Júlio de Castilhos até a Praça da Bandeira.

No local, serão debatidos os temas reivindicados. Entre eles, maior transparência com o uso do dinheiro público, votação da PEC 37 e pedidos por melhorias na saúde e educação. Cerca de cinco mil pessoas foram convidadas pela página no Facebook. Pouco mais de mil haviam confirmado presença até ontem à tarde.

Parte dos integrantes cogita a possibilidade de seguir com o protesto durante à noite. Está prevista a interdição da ERS-129. Algumas pessoas apoiam outro protesto em frente ao pedágio, para pedir isenção das cobranças aos veículos emplacados no município.

Manifestantes repudiam a presença de bandeiras políticas. Até às 15h de ontem a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) não tinha informações sobre possíveis protestos na rodovia.

Um dos integrantes do grupo, Jonathan Garcia, sugere que o grupo vista camiseta branca, em uma alusão a transparência. Reforça a ideia de protesto pacífico, evitando atos de vandalismo ou confronto com a polícia. Ainda pede a colaboração das pessoas para evitar a poluição das ruas.

Em Roca Sales, o protesto está previsto para as 17h. É possível que estas pessoas sigam para Encantado, reforçando o grupo já formado. Na rede social, o grupo informa que a concentração será na rua coberta. Os manifestantes devem caminhar em direção à prefeitura. Pouco mais de 350 pessoas confirmaram presença até ontem.

A Brigada Militar (BM) acompanhará os protestos de Encantado e Roca Sales para garantir a segurança do grupo e controlar o trânsito no trecho. Segundo o capitão, Marcelo de Abreu Fernandes, o efetivo será reforçado e equipado com balas de borracha e spray de pimenta, caso seja necessário intervir em atos de vandalismo ou agressão.

Em Estrela, o protesto está previsto para segunda-feira, às 18h, em frente à rodoviária. Os organizadores pretendem caminhar até as sedes do Executivo e do Legislativo. Está previsto manifesto em Muçum. A caminhada deve ocorrer no dia 29. O grupo marca a concentração para às 14h, na praça central. O percurso seguirá até a prefeitura, passando pela rua dos Operários até à praça.

Pressão sobre os vereadores

Para este domingo, um encontro está agendado para as 17h, no Galera’s Bar, em Lajeado. Na ocasião, manifestantes pretendem redigir um documento com as principais reivindicações. O texto será entregue aos vereadores durante a sessão desta terça-feira. Corrupção de políticos, PEC 37 e falta de transparência na gestão pública são algumas queixas.

Um ofício foi enviado ao Legislativo, solicitando autorização para que integrantes do protesto possam se pronunciar. “Queremos cobrar dos nossos representantes. Não adianta apenas ficar na rua”, comenta um dos integrantes do grupo, Tiago Guerra. Cerca de 400 pessoas devem lotar o plenário da câmara.

Manifestantes arquitetam um protesto “cultural” no próximo dia 30, no trevo de acesso à Univates. Conforme relatos divulgados nas redes sociais, a ideia é realizar um festival com músicos da região. O nome está definido: “Protesto com música”. Inexiste confirmação para este evento.

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